A Ambitur.pt tem estado ao lado do setor da Hotelaria em Portugal, seguindo tendências, anunciando novidades, acompanhando mudanças. Hoje trazemos-lhe mais uma rubrica, desta feita procurando a visão das mulheres que escolheram o mundo dos hotéis para o seu percurso profissional. Como é ser mulher nesta indústria? É o que procuramos saber com “Hotelaria no Feminino”. Por isso estamos hoje a conversar com Elsa Peixoto, diretora de Grupos e Eventos dos Hotéis Valverde Living. A profissional, que assume ter na hotelaria uma paixão, acredita que as mulheres poderão ter características diferenciadoras que funcionem como mais-valia neste setor, nomeadamente, empatia, capacidade de multitasking, intuição, atenção ao detalhe e capacidade de antecipação.
É difícil ser mulher na hotelaria em Portugal nos dias de hoje? Observa alguma evolução desde o seu primeiro emprego no setor?
Na minha opinião, não é nem era quando comecei. Sempre me senti igualmente valorizada e respeitada. Acredito que o setor oferece muitas oportunidades para quem é dedicado e empenhado. No entanto, é notório que hoje há mais mulheres em cargos de liderança do que quando comecei a trabalhar, o que considero uma evolução extremamente positiva.
Quando começou a trabalhar no setor hoteleiro e onde?
Comecei a trabalhar muito cedo no restaurante dos meus pais. Sempre tive uma enorme vontade de ajudar e aprender. Durante o curso, aproveitei todas as oportunidades: fiz extras em Banquetes e Bar e realizei estágios curriculares onde tive o privilégio de aprender com excelentes profissionais. Tive experiências incríveis no maravilhoso Cliff Bay, no Funchal, e no saudoso Hotel Estoril-Sol, em Cascais, que foi a minha primeira “casa” no mundo da hotelaria. No entanto, considero o Penha Longa Resort, onde comecei em 2002, o hotel determinante no meu crescimento e desenvolvimento profissional. Tive a sorte de integrar a equipa que recebeu formação durante o takeover pela cadeia internacional The Ritz-Carlton no final de 2003 e posso afirmar, com toda a certeza, que os anos iniciais de uma cultura Ritz-Carlton tão forte foram determinantes para moldar a profissional que sou hoje.
O que a motivou a trabalhar na hotelaria?
Cresci no restaurante dos meus pais, onde adorava estar, a juntar ao sonho que foi poder brincar livremente e correr entre os pinheiros e as dunas da praia do Guincho. Desde pequena, adorava fazer parte daquele universo vibrante: queria imenso ajudar no restaurante e aprender a fazer tudo, adorava tirar cafés, vender gelados, fazer contas na máquina registadora! Tive o privilégio de conviver com uma clientela verdadeiramente ecléctica – desde clientes que chegavam no seu cavalo, a artistas nacionais e internacionais, grandes empresários, membros do governo… lembro-me de recebermos dos primeiros grupos alemães reservados através de agência de viagem, que organizava tour de bicicleta e aí paravam para almoçar.
O que não percebia na altura, e que hoje reconheço, é que todas aquelas experiências — o contacto com pessoas tão diferentes, a arte de bem servir, o cuidado com os detalhes, as preferências dos clientes habituais — estavam a moldar-me enquanto pessoa. Era como se a hospitalidade já estivesse no meu ADN, mesmo antes de me dar conta.
Quando decidi estudar Direção e Gestão Hoteleira, o plano inicial era continuar o projeto da família, mas tudo mudou quando comecei a trabalhar em hotéis. Principalmente, durante os estágios na área Comercial do Hotel Estoril-Sol (onde, no final, tive a felicidade se ser convidada a integrar a equipa), em que descobri algo que me apaixonou profundamente. A cada interação, a cada desafio, senti que tinha encontrado o meu lugar.
Mas sem dúvida que foi no restaurante dos meus pais que tudo começou. Foi lá que aprendi o verdadeiro significado de acolher e cuidar de cada cliente, e foi isso que me motivou a embarcar nesta jornada pela hotelaria, que hoje é muito mais do que uma profissão — é uma paixão que levo comigo em tudo o que faço.
Qual a sua função no grupo hoteleiro em que trabalha? Desde quando ocupa esse cargo? E como é o seu dia a dia?
Atualmente sou Diretora de Grupos e Eventos dos hotéis Valverde Living, um grupo em franco crescimento com um portfólio de boutique hotéis maravilhosos. Juntei-me ao grupo Valverde há um ano, em simultâneo com o início da gestão do icónico agora Valverde Sintra Palácio de Seteais, onde acumulo funções de Sub-Diretora Geral.
O meu dia a dia é muito dinâmico. Estou baseada em Sintra, mas viajo frequentemente entre as nossas unidades em Lisboa, no Porto e na encantadora vila de Santar (Viseu). Mantenho uma relação próxima com as equipas nas diferentes unidades e uma forte ligação com os nossos clientes, wedding planners, empresas e agências, tanto a nível nacional como internacional. Os meus dias são marcados pela gestão de eventos e operações, reuniões internas e com clientes, acompanhamento de visitas… Gosto de estar muito envolvida na operação dos hotéis. Acredito que esse contacto direto nos ajuda a ajustar a estratégia de vendas e a responder melhor aos pedidos dos clientes. Isso permite-nos personalizar propostas e apresentar novas soluções e produtos, sempre com o intuito de superar expectativas e criar experiências verdadeiramente únicas. Tenho também a sorte de colaborar em projetos estratégicos que não só impulsionam o crescimento do grupo, mas também consolidam a nossa posição no mercado.
Alguma vez sentiu, ao longo da sua carreira, mais dificuldade em aceder a determinado cargo/função por ser mulher? Considera que ser mulher é um fator que dificulta o crescimento profissional?
Não, nunca senti. Pelo contrário, sempre procurei focar-me no meu trabalho, nas minhas competências e na minha dedicação. Na minha opinião, independentemente do género, o que realmente importa são as nossas capacidades, a nossa atitude e o compromisso que demonstramos. Vejo o crescimento profissional como algo que se constrói dia após dia, com base no esforço, na aprendizagem contínua e na capacidade de nos adaptarmos. Tive o privilégio de trabalhar com grandes mulheres em cargos de liderança, que foram absolutamente inspiradoras e tiveram um impacto enorme ao longo do meu percurso. Acredito que o que realmente conta é a paixão pelo que fazemos e a forma como contribuímos para os resultados da empresa e sucesso coletivo.
Na sua opinião, há um equilíbrio ou desequilíbrio no número de mulheres versus homens que trabalham no setor? De que forma isso se verifica – nos cargos exercidos, nos salários oferecidos? E porque razão considera que é assim?
Acredito que, atualmente, há um equilíbrio maior entre homens e mulheres no setor, e nas diferentes categorias profissionais, incluindo em cargos de liderança. Penso que o setor tem evoluído para um modelo mais meritocrático, onde as competências e resultados são o foco, independentemente do género. Acredito, e espero, que o mesmo se aplique aos salários.
No seu grupo hoteleiro quem está em maioria – mulheres ou homens? E na equipa onde trabalha?
Não tenho a relação exacta dos números, mas penso que no grupo deverá estar muito equilibrado, tal como na equipa de Gestão. Na equipa de Comercial/Vendas somos predominantemente mulheres.
No seu caso pessoal, gosta mais de trabalhar com equipas de mulheres, só de homens ou mistas?
Não é algo a que dê importância. Gosto de trabalhar com pessoas motivadas, empenhadas e de bom carácter. E de pessoas com brio profissional. Se é para fazer algo, fazer bem.
É fácil conjugar a sua vida pessoal/familiar com a vida profissional? Sente uma maior pressão em atingir este equilíbrio pelo facto de ser mulher?
Fácil não é, mas acredito que a adaptabilidade é uma das características que mais me ajuda a gerir este equilíbrio. Com duas filhas, reconheço que o apoio familiar que tive quando eram mais pequenas foi essencial para me dar a paz de espírito e o foco necessários para conseguir conciliar as várias responsabilidades. Esse suporte permitiu-me não sentir a pressão do que seria ter de lidar com esta gestão.
Cresci com o exemplo positivo dos meus pais, que souberam demonstrar que a dedicação ao trabalho e o tempo de qualidade com a família podem coexistir. Embora seja, de facto, uma área muito exigente, devido à natureza do próprio negócio e ao impacto da tecnologia atualmente (que quase exige que estejamos disponíveis 24/7), sempre procurei encontrar formas de equilibrar essas duas vertentes, sem comprometer a qualidade em nenhuma delas.
O que pensa que a visão feminina pode trazer de diferenciador e de positivo ao setor hoteleiro?
A hotelaria é dinâmica e está em constante renovação, acompanhando a própria evolução da sociedade. A tecnologia e o digital já fazem parte do nosso dia a dia, e a integração de ferramentas inovadoras, como a inteligência artificial, será cada vez mais uma realidade para simplificar operações e melhorar a eficiência. Ainda assim, acredito que nada substitui o toque humano e a atenção ao detalhe, principalmente no segmento de luxo, visto serem os elementos essenciais para criar experiências verdadeiramente inesquecíveis.
Acredito que a visão feminina já traz um diferencial importante ao setor, com características como empatia, capacidade de multitasking, intuição, atenção ao detalhe e capacidade de antecipação. Estas qualidades são cada vez mais valorizadas na gestão de equipas e operações hoteleiras, uma vez que ajudam a melhorar a interação com os hóspedes e a personalização do serviço.