A Ambitur.pt tem estado ao lado do setor da Hotelaria em Portugal, seguindo tendências, anunciando novidades, acompanhando mudanças. Hoje trazemos-lhe mais uma rubrica, desta feita procurando a visão das mulheres que escolheram o mundo dos hotéis para o seu percurso profissional. Como é ser mulher nesta indústria? É o que procuramos saber com “Hotelaria no Feminino”. É a vez de falarmos com Glória Peixe, diretora de Vendas e Marketing Cluster dos hotéis Maison Albar em Portugal.
A profissional recorda que, ao longo da sua carreira, houve momentos em que o facto de ser mulher funcionou como um obstáculo adicional mas acredita que esta realidade está em mudança e que hoje as empresas valorizam a diversidade nas suas lideranças.
É difícil ser mulher na hotelaria em Portugal nos dias de hoje? Observa alguma evolução desde o seu primeiro emprego no setor?
Ser mulher na hotelaria em Portugal ainda pode apresentar desafios, especialmente em posições de liderança, onde, historicamente, os homens têm predominado. Contudo, ao longo dos últimos anos, tenho notado uma mudança gradual e francamente positiva. Mais mulheres estão a assumir cargos de responsabilidade, e a mentalidade empresarial está a tornar-se mais inclusiva, promovendo a igualdade de género. Desde o meu primeiro emprego no setor, percebo uma maior consciencialização sobre a importância da diversidade e do equilíbrio entre géneros nas equipas. Hoje, há mais oportunidades para as mulheres e um reconhecimento mais claro das suas capacidades, embora, nalguns casos, ainda se enfrente resistência ou estereótipos, especialmente em ambientes mais conservadores.
Quando começou a trabalhar no setor hoteleiro e onde?
Iniciei a minha carreira no setor hoteleiro em 2003, quando comecei a trabalhar no grupo HF – Hotéis Fénix, na altura como coordenadora de grupos no emblemático HF Ipanema Porto. Desde o início, fiquei fascinada pela dinâmica do setor, pela sua constante evolução e pela oportunidade de interagir com diferentes culturas e pessoas. Esta experiência inicial deu-me uma base sólida para continuar a crescer na área e a desenvolver um entendimento mais profundo do que é necessário para alcançar o sucesso na hotelaria.
O que a motivou a trabalhar na hotelaria?
A minha paixão pela hotelaria nasceu da minha profunda vontade de trabalhar no “lado cor-de-rosa da vida”, como a brincar chamo à minha querida hotelaria. Desde sempre, sonhei em ser parte da magia que transforma momentos comuns em experiências inesquecíveis. Não me imaginava a salvar vidas, embora tenha um enorme respeito e admiração pelos profissionais de saúde; o meu propósito reside em fazer sonhar e inspirar os nossos clientes. Cada dia é uma nova oportunidade para questionar: “Qual será o próximo destino?” ou “Como podemos tornar esta estadia verdadeiramente especial?” A arte de vender o não palpável com o tacto é o que me move, e tenho a sorte de liderar uma equipa que não só compartilha essa visão, mas que a supera em ambição e entrega. Juntos, esforçamo-nos para criar memórias que permanecem no imaginário dos nossos hóspedes.
Ainda que tenha explorado a biotecnologia, área pela qual ganhei um enorme carinho e respeito e onde fiz amigos, incluindo cientistas e um advogado que guardo no coração, sentia que faltava aquela dimensão de brincar com as emoções. Nas descobertas científicas sobre anticorpos, a ideia de salvar vidas é sempre séria, permitindo sonhar, mas raramente brincar.
Na hotelaria, por outro lado, a magia reside precisamente nessa “brincadeira” com os sonhos e na capacidade de criar experiências que possam tocar nas emoções dos nossos hóspedes.
Qual a sua função no hotel/grupo hoteleiro em que trabalha? Desde quando ocupa esse cargo? E como é o seu dia a dia?
Atualmente, sou diretora de Vendas e Marketing Cluster dos hotéis Maison Albar em Portugal: o Le Monumental Palace no Porto e o recém-inaugurado Maison Albar Amoure, em Moure – Vila Verde, Braga. Esta responsabilidade foi-me confiada em maio deste ano, e o meu dia a dia envolve a coordenação da estratégia de vendas e marketing das duas unidades, o desenvolvimento de novas parcerias de negócio, e a monitorização do desempenho dos hotéis em termos de rentabilidade. Também faço a gestão das equipas nas áreas de reservas, vendas, revenue, digital e marketing, assegurando que estão alinhadas com os objetivos globais do grupo, enquanto mantenho uma comunicação constante com o mercado para identificar novas oportunidades de negócio. A minha rotina é muito variada e desafiante, o que me mantém sempre motivada.
Alguma vez sentiu, ao longo da sua carreira, mais dificuldade em aceder a determinado cargo/função por ser mulher? Considera que ser mulher é um fator que dificulta o crescimento profissional?
Ao longo da minha carreira, houve momentos em que senti que ser mulher representava um obstáculo adicional, especialmente em processos de seleção para cargos de liderança e sobretudo após ter sido mãe. A hotelaria, como muitos outros setores, foi historicamente dominada por uma visão mais tradicional e masculina, o que dificultou o quebrar do ‘teto de vidro’ por parte das mulheres. Apesar das minhas competências terem sido sempre reconhecidas, houve situações em que tive de provar o meu valor mais vezes do que os meus colegas homens. Contudo, acredito que essa realidade está em processo de mudança. As empresas estão a valorizar cada vez mais a diversidade nas suas lideranças, embora ainda existam desafios (como o sentimento de culpa e pressão), especialmente para mulheres que assumem responsabilidades familiares.
Deixo uma nota de sincera gratidão a algumas mulheres e homens notáveis com quem tive o privilégio de cruzar na minha carreira. Estes profissionais exemplificaram a verdadeira essência da igualdade de oportunidades, avaliando-me exclusivamente pelas minhas competências técnicas e pelo meu potencial.
Na sua opinião, há um equilíbrio ou desequilíbrio no número de mulheres versus homens que trabalham no setor? De que forma isso se verifica – nos cargos exercidos, nos salários oferecidos? E porque razão considera que é assim?
Embora a presença de mulheres no setor hoteleiro seja significativa, especialmente em funções operacionais como receção, andares e serviços ao cliente, ainda existe um desequilíbrio quando analisamos os cargos de topo, como direções-gerais ou executivas. Esta desigualdade reflete-se também nos salários, onde há diferenças entre homens e mulheres em funções semelhantes, um problema que a indústria deve continuar a combater. Na minha opinião, esse desequilíbrio resulta, em parte, das expectativas culturais e sociais que, historicamente, colocam os homens em posições de liderança e as mulheres em funções de apoio. No entanto, com um número crescente de empresas a promover políticas de igualdade e a valorizar o talento feminino, estou confiante de que esta situação continuará a evoluir positivamente, como temos vindo a observar nos últimos anos.
No seu grupo hoteleiro quem está em maioria – mulheres ou homens? E na equipa onde trabalha?
Nos hotéis Maison Albar em Portugal, estou convicta de que existe um equilíbrio saudável entre mulheres e homens. No entanto, dependendo do departamento, pode haver uma predominância de um género sobre o outro. Na minha equipa direta de vendas e marketing, curiosamente, somos apenas mulheres. Como profissional, procuro sempre garantir que temos os melhores talentos, independentemente de serem mulheres ou homens. Acredito que uma equipa diversificada traz diferentes perspetivas e ideias, o que beneficia a empresa como um todo.
No seu caso pessoal, gosta mais de trabalhar com equipas de mulheres, só de homens ou mistas?
Tendo notado ao longo da minha carreira que as mulheres tendem a ser mais “multi-tasking”, gosto de trabalhar com equipas femininas, pois elas geralmente trazem uma abordagem metódica e organizada, além de níveis de exigência desafiantes que me motivam. A minha natureza competitiva é estimulada por profissionais que partilham essa paixão pela excelência.
Também é verdade que tenho tido a sorte de colaborar com homens que possuem qualidades semelhantes e que têm contribuído com perspetivas valiosas. No final do dia, valorizo o espírito de colaboração e a dedicação que todos trazem para a equipa, assim como a oportunidade de aprender e crescer com os profissionais que me rodeiam, estimulando-me a dar mais de mim e a ser melhor.
É fácil conjugar a sua vida pessoal/familiar com a vida profissional? Sente uma maior pressão em atingir este equilíbrio pelo facto de ser mulher?
Embora a maior parte da dificuldade em conciliar a vida pessoal e profissional venha da minha própria necessidade de provar que sou bem-sucedida em todas as áreas, reconheço também que, como sociedade, ainda temos um caminho a percorrer. Há uma expectativa implícita de que, para sermos profissionais brilhantes, temos de corresponder igualmente em todos os aspetos da vida pessoal, o que pode criar uma pressão adicional, especialmente para as mulheres. É importante que avancemos para uma mentalidade que aceite que não precisamos de ser perfeitas em todas as frentes para sermos competentes e realizadas. O sucesso pode assumir muitas formas, e acredito que, aos poucos, estamos a aprender a valorizar mais essa diversidade de caminhos.
O que pensa que a visão feminina pode trazer de diferenciador e de positivo ao setor hoteleiro?
Acredito que o setor hoteleiro beneficia muito mais quando valoriza a diversidade de perfis e competências, independentemente do género. Ouso dizer, esqueçamos o género. Foquemo-nos no que realmente faz a diferença que é a variedade de abordagens e formas de pensar que cada elemento traz para a equipa e para a organização que está inserido. Existem profissionais mais orientados para a resolução de problemas e objetivos estratégicos, enquanto outros se destacam pela empatia e atenção ao detalhe – ambos os perfis são essenciais para o sucesso da hotelaria. Acredito que equipas com uma combinação equilibrada de diferentes competências são as mais capazes de inovar e criar experiências únicas para os hóspedes. Esqueçamos o género, foquemo-nos nas competências, valorizemos o profissional pelo que traz à equipa, com equidade: mesmas responsabilidades, igual compensação.
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