A Ambitur.pt tem estado ao lado do setor da Hotelaria em Portugal, seguindo tendências, anunciando novidades, acompanhando mudanças. Hoje trazemos-lhe mais uma rubrica, desta feita procurando a visão das mulheres que escolheram o mundo dos hotéis para o seu percurso profissional. Como é ser mulher nesta indústria? É o que procuramos saber com “Hotelaria no Feminino”. Iniciamos esta rubrica com Marta Passarinho, general manager do L’AND Vineyards – Relais & Châteaux, em Montemor-o-Novo, Évora. A profissional não nega que “a hotelaria tem vindo a ser uma escolha de vida para cada vez mais mulheres”.
É difícil ser mulher na hotelaria em Portugal nos dias de hoje? Observa alguma evolução desde o seu primeiro emprego no setor?
O lugar das mulheres no setor hoteleiro tem vindo a ganhar espaço como tem acontecido noutras áreas de atividade. O setor tem acompanhado a tendência de cada vez mais mulheres terem um papel ativo na economia. O setor hoteleiro é muito exigente devido aos horários e à disponibilidade implícitas, mas também é um setor em que as mulheres trazem valor acrescido face ao destaque cada vez maior que a hospitalidade coloca em temas como a atenção ao detalhe, a personalização, a empatia e a forma de cuidar de Equipas, parceiros e clientes.
Existe ainda uma herança cultural facilitadora destas características nas mulheres. Tal como acontecia, por exemplo, na esfera da diplomacia, a hotelaria foi durante muito tempo maioritariamente exclusiva ao universo masculino. Da mesma forma que a diplomacia se tem vindo a alargar ao universo feminino, a hotelaria tem vindo a ser uma escolha de vida para cada vez mais mulheres.
Quando começou a trabalhar no setor hoteleiro e onde?
Comecei a trabalhar no setor hoteleiro logo no 1º ano do curso de Gestão Hoteleira em que existia um compromisso anual de horas práticas em contexto de trabalho – aos fins de semana e durante os três meses de interrupção letiva de verão – em unidades hoteleiras de 5 estrelas. Ingressei no curso de gestão hoteleira com 17 anos, na Escola de Hotelaria e Turismo do Porto, com estágios de fim de semana obrigatórios em hotéis como o Ipanema Park, Méridien, etc. No fim do primeiro ano de curso, passei os meses de junho, julho e agosto nas cozinhas e pastelaria do Marinotel em Vilamoura.
Em 1994, quando terminei o curso, fui admitida no Hotel Sheraton em Lisboa como coordenadora de grupos e eventos, e depois como promotora de vendas na área comercial.
O que a motivou a trabalhar na hotelaria?
Foi uma convicção que transmiti aos meus pais a partir dos 13 ou 14 anos. Sempre tive um fascínio por hotéis. Em resposta ao interesse que demonstrei, recordo-me como se fosse hoje: Levaram-me a jantar ao Vila Joya no Algarve, a título de inspiração. Já no primeiro ano de curso, no primeiro estágio de fim de semana que tive no Ipanema Porto, encontrei os meus pais sentados à mesa como clientes, a tomar o pequeno-almoço. Queriam dar-me apoio, reconfortar-me e penso que estavam muito curiosos por me ver naquele papel.
Lembro-me que fiquei bastante ansiosa por vê-los ali, noutra cidade, porque se deslocaram de surpresa de Lisboa. Mas a sua presença trouxe-me um conforto muito grande e uma emoção que tive dificuldade em disfarçar. Naquela altura, esse apoio foi fundamental.
Qual a sua função/cargo no hotel em que trabalha? Desde quando ocupa esse cargo? E como é o seu dia a dia?
Neste momento, sou diretora geral do Hotel L’AND Vineyards em Montemor-o-Novo. Formalmente, ocupo o cargo desde março de 2023, mas já colaborava com o projeto anteriormente.
O meu dia-a-dia é passado a apoiar as Equipas, trabalhar em melhorias, avaliar situações, supervisionar standards de serviço e procedimentos, encontrar soluções para os desafios do dia-a-dia, supervisionar, corrigir, formar pessoas, motivar pessoas, estar presente e ouvir, estar perto da Equipa, acompanhar, explorar oportunidades comerciais e iniciativas de comunicação, avaliar custos, gerar confiança, gerar empatia com clientes e parceiros, estimular vendas e certificar-me de que a cultura da Empresa é respeitada.
Alguma vez sentiu, ao longo da sua carreira, mais dificuldade em aceder a determinado cargo/função por ser mulher? Considera que ser mulher é um fator que dificulta o crescimento profissional?
Numa fase de aposta na esfera familiar e na maternidade (tenho quatro filhos) foi difícil conciliar a exigência inerente à área operacional e comercial de um hotel com a disponibilidade ideal para o núcleo familiar. Foram precisas concessões e muita flexibilidade. Acima de tudo, foi preciso muito espírito de sacrifício, resiliência e algum desapego. Ainda hoje, com filhos entre os 12 e 25 anos, acabo por fazer malabarismos para estar presente e disponível mas acabo por abdicar de compromissos profissionais ou pessoais, uns em detrimento de outros.
Na sua opinião, há um equilíbrio ou desequilíbrio no número de mulheres versus homens que trabalham no setor? De que forma isso se verifica nos cargos exercidos, nos salários oferecidos? E porque razão considera que é assim?
Penso que continua a existir um desequilíbrio porque há um sentimento latente de que o homem é mais disponível e tem maior desapego pessoal para se dedicar à esfera profissional. Essa perceção continua a favorecer a admissão de homens e os salários oferecidos. Por outro lado, e já tive oportunidade de partilhar esta minha opinião noutras intervenções, é cada vez mais evidente a valorização de aspetos ligados à esfera do feminino pelo que acredito, em breve, essa discrepância se torne menos evidente.
No seu hotel quem está em maioria – mulheres ou homens?
No L’AND Vineyards temos 85 colaboradores e temos um equilíbrio perfeito entre homens e mulheres, a maioria baseados em localidades como Montemor-o-Novo, Vendas Novas e Évora.
No seu caso pessoal, gosta mais de trabalhar com equipas de mulheres, só de homens ou mistas?
Pessoalmente, gosto de trabalhar com pessoas dedicadas que valorizam a sua profissão, que mostram paixão pela hotelaria e pela hospitalidade, e que querem fazer a diferença porque acreditam que podem ter um impacto positivo na experiência que proporcionam aos hóspedes. Sinto uma enorme satisfação por estar rodeada de muitas pessoas que personificam estas atitudes, independentemente do seu género.
É fácil conjugar a sua vida pessoal/familiar com a vida profissional? Sente uma maior pressão em atingir este equilíbrio pelo facto de ser mulher?
É muito difícil. Mas isso não tem a ver com ser mulher. É difícil porque a profissão exige uma enorme dedicação às Equipas, à concorrência, aos mercados e à sua evolução, às relações sólidas com parceiros e fornecedores, mas, acima de tudo, ao hóspede que está atento e pendente da nossa proposta de valor desde que nos contacta pela primeira vez com a sua reserva, até à sua saída (e até depois porque cada vez mais devemos valorizar a retenção dos nossos hóspedes). É difícil para homens e para mulheres dedicados a uma causa comum: oferecer a melhor experiência, estar presente, estar disponível e poder resolver qualquer tema em tempo útil, quando lá fora também existe a esfera pessoal, uma família, filhos e solicitações que dependem de nós. Invariavelmente, acabamos por falhar com um dos lados, mas temos de acreditar que vamos equilibrando a balança.
O que pensa que a visão feminina pode trazer de diferenciador e de positivo ao setor hoteleiro?
Sem querer passar uma visão sexista, tenho a convicção de que existe um lado de herança histórica e cultural ligadas ao universo feminino que é muito facilitador e quase sinónimo da hospitalidade ao nível mais exclusivo: ligado à forma como a mulher foi educada para cuidar, para agregar, conciliar e observar o detalhe.
Esse lado, aliado à emancipação das mulheres integrando cada vez a população ativa com grandes desafios de versatilidade e adaptação, criam a conjuntura ideal para termos cada vez mais mulheres a desempenhar papéis de sucesso em Hotelaria de luxo e em conceitos de hospitalidade exclusivos e muito personalizados.