A Ambitur.pt tem estado ao lado do setor da Hotelaria em Portugal, seguindo tendências, anunciando novidades, acompanhando mudanças. Hoje trazemos-lhe mais uma rubrica, desta feita procurando a visão das mulheres que escolheram o mundo dos hotéis para o seu percurso profissional. Como é ser mulher nesta indústria? É o que procuramos saber com “Hotelaria no Feminino”. Hoje falamos com Patrícia Correia, diretora geral do Villas d’Água Beachfront Resort, que trabalha no setor há mais de 30 anos e recorda-se de ter começado a sua carreira numa altura em que se contavam pelos dedos das mãos as mulheres que ocupavam o cargo de diretoras de hotéis. Hoje acredita que a situação está mais equilibrada.
É difícil ser mulher na hotelaria em Portugal nos dias de hoje? Observa alguma evolução desde o seu primeiro emprego no setor?
Já não é difícil ser mulher na hotelaria, mas já foi desafiante. Comecei a trabalhar nesta área aos 17 anos e entretanto já se passaram 31 anos. Durante este período, além da grande evolução tecnológica que o setor atraiu, vejo também uma grande evolução a nível comportamental.
O turismo tem um papel ativo no contributo para a igualdade do género, sendo uma ferramenta importante para o empoderamento das mulheres. Os indicadores mostram que 58% dos trabalhadores do turismo são do género feminino, mais 9% do que a média nacional no total da economia (49%). No entanto, esta média é largamente influenciada em determinadas áreas, como a copa e o housekeeping, onde a grande maioria das colaboradoras são mulheres. Nas camadas mais altas das hierarquias, estes números tendem a ser mais raros.
Sou diretora de hotel há cerca de 20 anos e devo confessar que no início da minha carreira, contavam-se pelos dedos das mãos, as mulheres que tinham este cargo. Lembro-me de duas, três, não mais do que isso, e eram para mim autênticas heroínas, vistas como mulheres muito fortes e fora da caixa. Acredito que questões familiares, que sugeriam que a vida de uma mãe não era compatível com a carreira na hotelaria, ressoavam nas universidades, resultando numa baixa procura por parte do público feminino. Os horários longos, algumas viagens, eventos e reuniões e jantares até tarde, não eram bem vistos no seio familiar de muitas colegas e por isso esta tão grande desigualdade de géneros entre os diretores de hotel.
Quando começou a trabalhar no setor hoteleiro e onde?
Comecei a trabalhar num Aldeamento turístico no Algarve, em 1993, num simples emprego de verão, algo que ajudasse a pagar as minhas despesas. Mas apesar de ter estudado Informática de Gestão enquanto trabalhava, o facto é que a hotelaria é verdadeiramente viciante e aconteceu nunca sair.
O que a motivou a trabalhar na hotelaria?
Honestamente, é bonito e motivador fazermos algo em prol da felicidade dos outros. Cuidarmos dos clientes, fazermos com que tenham a melhor experiência possível e que levem consigo memórias inesquecíveis, não só do hotel, mas também das pessoas e do país. Lembro-me de que, quando era rececionista, adorava vestir a minha farda e entrar na receção para iniciar o turno. Amava receber novos clientes, fazer os check-ins de uma maneira tão simpática e carinhosa, que acabava por me sentir uma embaixadora do país. E isso fica em nós. Qualquer hoteleiro é um embaixador. Esta é a indústria da paz, e nós ‘ganhamos a vida’ cuidando da felicidade dos outros. É uma área desafiante, mas, e vou ter de me repetir, bonita.
Qual a sua função/cargo no hotel/grupo hoteleiro em que trabalha? Desde quando ocupa esse cargo? E como é o seu dia a dia?
Sou diretora geral do Villas d’Água Beachfront Resort, em Olhos d’Água, no Algarve. Este é um projeto novo; abriu em julho deste ano, após uma remodelação de quatro anos, e é gerido pela Blueshift. O meu dia a dia é bastante corrido, como seria de esperar num projeto que abriu há menos de três meses, mas é muito gratificante ver este embrião desenvolver-se em algo extraordinário.
Alguma vez sentiu, ao longo da sua carreira, mais dificuldade em aceder a determinado cargo/função por ser mulher? Considera que ser mulher é um fator que dificulta o crescimento profissional?
A bem da verdade, nunca senti que tinha mais dificuldade em aceder a determinado cargo por ser mulher. O que senti, em determinada altura da minha carreira, foi que o fato de ser mulher tinha um sério impacto no vencimento que auferia. Há muitos anos, recém-contratada por um resort de luxo, descobri, nos meus primeiros dias de trabalho, o recibo do diretor geral que havia saído no mês anterior, e nada me preparava para a significativa diferença salarial entre este recibo e o que me havia sido oferecido. Fiquei estupefacta, mas o fato é que eu tinha aceitado um valor salarial um pouco abaixo, uma vez que era uma oportunidade que queria muito. No entanto, a diferença salarial pareceu-me absurda, e fui falar com a administração sobre a recém-descoberta. A resposta foi ainda pior do que o esperado: “Tem de ter noção de que é muito nova e que, por isso, tem menos experiência que o diretor que saiu, que era um homem experiente. É uma rapariga nova, acreditamos em si, mas é muito nova…”. Nesta conversa, percebe-se não só o fator idade, como o fator género. E acredite, foi combustível para eu conseguir aquilo que, até então, ninguém havia conseguido, nem mesmo o “diretor homem experiente”. Construí uma equipa forte e, na época alta do ano seguinte, num só mês, conseguimos faturar tanto quanto no ano anterior inteiro. Algo impossível? Mas sim, foi possível. Nesse ano, consegui não um, mas dois aumentos salariais, e um bónus que não existia contratualmente. Para isso, foi preciso não desmotivar ao saber desse desequilíbrio salarial. Demorou algum tempo, mas, quando saí, cinco anos depois, já recebia mais do dobro do que quando entrei. No entanto… ainda longe do recibo do tal “diretor homem experiente”.
Na sua opinião, há um equilíbrio ou desequilíbrio no número de mulheres versus homens que trabalham no setor? De que forma isso se verifica – nos cargos exercidos, nos salários oferecidos? E porque razão considera que é assim?
Como mencionei acima, existe um certo desequilíbrio se falarmos da base da pirâmide, em trabalhos menos qualificados, maioritariamente desempenhados por mulheres. A um nível geral, diferenças salariais também existem, mas penso que esta situação está a equilibrar-se. Por exemplo, trabalhei numa multinacional que tinha 52 hotéis e resorts, e desses, 36 tinham diretoras gerais mulheres, pelo que vejo que se começa a promover pessoas pela capacidade e não pelo género com que nasceram.
Culturalmente, as mulheres eram donas de casa e, quando começaram a entrar no mercado de trabalho, a maioria que procurava emprego na hotelaria tinha poucas qualificações. Por isso, foi-se criando essa diferença salarial. Havia também o estigma — isto encontrei, não comigo, mas com outras colegas — de que se pagava mais aos homens porque as mulheres corriam o risco de engravidar e, depois, tinham direito às licenças de maternidade e de amamentação, que eram mais longas e causavam “perturbações na operação dos hotéis”.
No seu hotel/grupo hoteleiro quem está em maioria – mulheres ou homens? E na equipa onde trabalha?
Onde trabalho, os números são equiparados, não porque façamos por isso, mas porque o recrutamento tem por base o talento e a capacidade de cada colaborador. Eu sou tratada como profissional, e é assim que trato o restante da equipa. Somos todos profissionais capacitados para as funções que desempenhamos, independentemente do género.
No seu caso pessoal, gosta mais de trabalhar com equipas de mulheres, só de homens ou mistas?
Gosto de trabalhar com bons profissionais acima de tudo, mas a diversidade, não só de género como de cultura, enriquece qualquer equipa. Perspetivas diferentes produzem um melhor trabalho e a experiência mostra que os resultados são melhores.
É fácil conjugar a sua vida pessoal/familiar com a vida profissional? Sente uma maior pressão em atingir este equilíbrio pelo facto de ser mulher?
No meu caso, não sinto essa pressão, e é fácil conciliar a vida pessoal e profissional. As minhas filhas já estão crescidas, e sempre tive um bom apoio familiar, mesmo quando eram pequenas. Mas acredito que, para quem não tem o apoio da família ou de cônjuges que compreendam os horários ou a disponibilidade frequente, possa ser mais complicado.
O que pensa que a visão feminina pode trazer de diferenciador e de positivo ao setor hoteleiro?
As mulheres são mães, são cuidadoras, carinhosas por natureza. Sinto que damos um toque maternal às nossas equipas e que cuidamos bem dos nossos hóspedes, o que é, sem dúvida, bastante positivo. Há uma maior tendência para utilizarmos a empatia nas nossas operações, e, como historicamente temos a capacidade de multitasking mais ativa em nós, facilitamos também o tal ‘work-life balance’ nas nossas equipas. No entanto, o que é de facto muito positivo para o setor é que, cada vez mais, se contratem pessoas capacitadas com base na sua experiência ou na sua atitude, e não com base no seu género. Esse é o caminho para uma melhor hotelaria.
Leia também…