“Interessa-me o turismo porque é um alicerce da economia nacional”

Um assumido apaixonado pelo setor do turismo, Vítor Neto, empresário e ex-secretário de Estado do Turismo, esteve à conversa com a Ambitur sobre o seu percurso profissional, os anos dedicados a esta pasta e o que
considera essencial para o futuro do país em termos turísticos. Algarvio de nascença, e profundo conhecedor
da região, não hesita em afirmar que “o Algarve não tem expressão política nacional”. E vai mais longe, defendendo que o turismo seja reconhecido pelo seu peso efetivo na economia do país e que seja valorizado como tal.

Como se interessou e chegou ao setor do turismo?
É uma viagem muito longa que ainda não terminou… Nasci no Algarve, o contacto com o turismo tive-o desde pequeno, na realidade económica e social da região. Em 1961 vim estudar para Lisboa, onde estive quase um ano, mas as coisas correram de forma imprevista. Envolvi-me no movimento estudantil, acabei por ser preso e
expulso da universidade. Fui para a Itália, para continuar a estudar, e o meu périplo acabou por durar 12 anos, tendo estado também envolvido na atividade política, contra a ditadura. A vivência em Itália foi muito importante porque é um país de turismo há séculos. A diversidade deste país atraiu-me muito e estimulou a minha sensibilidade para conhecer melhor o turismo. Viajei muito pela Europa toda. Foi uma vivência muito rica que me marcou, pois deu-me uma visão do turismo visto de fora. Já quando estava em Itália recebia publicações
de turismo portuguesas, fui acompanhando o desenvolvimento do turismo, e quando cheguei a Portugal foi fácil.

Quando regressei a Portugal, em 1974, ainda estive na atividade política partidária e depois fui para as empresas da minha família, em 89. O meu pai tinha construído um grupo económico de exportação de frutos secos e distribuição alimentar e de bebidas no Algarve, a Teófilo Fontainhas Neto. Quando fui convidado para a secretaria de Estado do Turismo, em novembro de 1997, estava nas minhas empresas, onde sou presidente do conselho de administração. É uma empresa que vai para 78 anos, com dimensão no Algarve, de boa saúde, com quase 100 trabalhadores, e fatura cerca de 15 milhões de euros. Tenho esse ponto de orgulho, o de ter dado continuidade ao trabalho do meu pai. E é um desafio permanente.

Interessa-me o turismo porque me interessa também como atividade económica no Algarve, e para o futuro da economia da região e do país. Não é apenas um interesse cultural, mas porque considero que é um alicerce da economia nacional e da minha região.

Quando é convidado para a secretaria de Estado do Turismo, não hesitou?
Deram-me duas horas para decidir. Tive que decidir ausentar-me da minha empresa (não sabia que seria
por quase cinco anos, entre 1997 e 2002) e aceitei. Coincidiu com a Expo’98, um ano em que o turismo cresceu um milhão de turistas estrangeiros. Calhou-me o problema de saber o que fazer a seguir. E nós crescemos nos dois anos seguintes. Quando saí do Governo tínhamos 12 milhões de turistas, e 10 milhões quando entrei. Cresceu-se com uma aposta estratégica, trabalhando sobretudo em cima dos mercados onde tínhamos crescido. Com isso conseguiu-se consolidar e aumentar os Ingleses, Holandeses e Alemães. Em alguns casos, nunca mais voltámos a ter esses números. Em vez de dispersar “o tiro”, sem deixar de dar atenção aos novos mercados, concentrei a intervenção. Foi uma opção estratégica consciente e fria, e teve resultados. É uma lição que uso também como empresário, uma lição universal da economia. Não é fácil consolidar novos clientes, leva anos. Os clientes não dependem somente do facto de sermos bonitos, bons e simpáticos. Dependem de fatores que não dominamos; no caso do turismo, de fatores como as acessibilidades, transporte aéreo, situação económica… São leis implacáveis.

Entre 2002 e 2012, vivemos um quadro de estagnação e quebra. Porquê? Por opções estratégicas erradas, porque o foco foi dado ao que não era prioritário. O Algarve perdeu um milhão de dormidas de Ingleses neste período. O nosso principal cliente do país e do Algarve… porquê? Porque os descurámos e subestimamos. Foram os anos das «Floridas da Europa, dos allgarves, dos Pin´s, dos Pent´s, das Ryder Cup´s»…

Sempre teve uma educação política?
Pertenço a uma família democrática, com uma visão progressista, solidária, de responsabilidade e sensibilidade social. Nunca houve muitas discussões políticas porque a minha mãe era mais conservadora, mas eu falava muito com o meu pai. Em casa, tínhamos uma biblioteca democrática; todos os livros políticos que na altura era possível ter em Portugal, eu tinha. Nunca tive uma crítica do meu pai, apenas solidariedade total.

Gostou de estar na secretaria de Estado do Turismo?
Não tive tempo para pensar na altura. Foram anos muito intensos. Foi uma experiência muito rica. Aprendi a conhecer melhor o turismo, a parte pública que é importantíssima no turismo, a conhecer o país, a estrutura
empresarial com as suas qualidades e limitações, as diferenças das regiões conheci-as melhor. Foi uma
experiência espetacular.

Como é que se deve fazer a gestão de um interesse próprio (como empresário) e de um bem comum (como titular de um cargo governativo)?
Nessa altura tinha quadros bons na empresa, foi fundamental. Não geria a empresa no dia-a-dia. Foi um momento delicado porque era um momento de transformações. Mas tinha as pessoas certas: competentes,
sérias e trabalhadores. Dediquei-me 100% à causa pública. Havia o sentido de estar a cumprir um dever de cidadania sem necessidade de um reconhecimento; era mais o estar bem comigo próprio. Da mesma
maneira que quando lutei contra a ditadura não foi para obter qualquer reconhecimento, mas porque pensava que era bom para o meu país. E não estou arrependido. Se hoje o meu país precisasse que eu cumprisse um dever cívico, eu estaria lá.

Como vê a classe política hoje?
É uma fase nova, depois de 40 anos de democracia. Tivemos as duas primeiras décadas com políticos que vinham da luta contra o regime, com sacrifícios, com uma grande dedicação à causa pública. Hoje a classe política é composta por netos e filhos de pessoas com outras experiências. O risco que corremos hoje é o de transformar a política numa profissão, e não num ideal social. Como se fosse uma carreira de função pública… e não pode ser. Isso está a enfraquecer a classe e temos uma elite política que não corresponde às necessidades do país numa fase tão complexa da vida mundial. Vejo cada um a viver o dia-a-dia. E isso empobrece o quadro político e não seleciona as pessoas indicadas.

Recorda-se de ter dito, no Brasil, durante o seu mandato, que os Portugueses quando viajavam deviam fazê-lo nas companhias aéreas portuguesas e ficar nos hotéis portugueses? Isso foi mal recebido…
Esta frase não foi dita no sítio certo (risos). Era acreditar no fundo que a nossa estratégia política passasse
muito pelos empresários. Estou muito satisfeito que os grupos como o Pestana e o Vila Galé e outros tenham uma presença em todo o país, no Brasil e na Europa. Na área do turismo, o facto de termos alguns grupos com consistência económica é muito bom. E seria muito bom que o Governo tivesse um diálogo com esses grandes grupos. Se o Governo tem uma visão estratégica e propostas concretas deve apresentá-las aos investidores. Se não tem, cada investidor luta pelo seu interesse específico. É o que está a acontecer hoje. O Estado é «dono» ou controla a matéria-prima que é a base da atividade económica do turismo. Território, Património,
etc. Se o Estado se demite disso, demite-se do papel de gestor de bens públicos.

Hoje temos uma estratégia de turismo sobretudo no papel. Temos o ET27. Mas é um papel. Uma verdadeira estratégia é outra coisa, temos que definir os objetivos, as prioridades, os meios para os atingir e o instrumento político para executar. O papel do Estado no turismo é, por razões objetivas, o de ser dono ou condicionante da utilização e ter o dever de zelar pela sustentabilidade, e pela utilização correta de recursos que são públicos.

Como vê esta nova geração de empresários?
Vejo bem, mas estamos num momento muito complexo e perigoso. Se olharmos para a comunicação social, não se fala das empresas que existem. Temos um milhão de empresas em Portugal, que dão trabalho a milhões de pessoas, mas são consideradas ultrapassadas. É um erro tremendo. Temos certamente falta de novas empresas, temos falta de avançar em todos os setores possíveis e imaginários na área da inovação, temos falta que os jovens pensem nisso e atuem nisso. Mas não podemos esquecer as empresas que temos e como é que as podemos melhorar, modernizar, atualizar e prepará-las para os desafios que aí vêm. Essas já dão trabalho e produzem grande parte do nosso PIB. E isto está ligado à parte política, uma classe que já não é “filha” de empresários, industriais, comerciais e agrícolas, mas que é “filha” dos quadros do Estado e da Função Pública, que podem não ter sensibilidade para entender a importância de determinados setores económicos.

*Esta é a 2ª Parte da Grande Entrevista publicada na Edição 315 da Ambitur.

Leia aqui a 1ª Parte desta Entrevista.