Ana Jacinto nasceu em Lisboa, cidade onde sempre viveu. Filha única durante algum tempo, ganhou uma irmã mais nova quando o pai voltou a casar já que a sua mãe a deixou ainda cedo. Boa aluna desde que se recorda, Ana reconhece ter no sangue a vontade de “ter sempre a décima acima de todos os outros” o que a tornava bastante competitiva a nível académico. Quando chegou a altura de escolher o curso, acabou por conseguir entrar na Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra mas o pai trocou-lhe as voltas e preferiu que continuasse perto de si, ingressando antes na Universidade Lusófona.
Como é que o seu percurso se cruzou com a AHRESP?
Os meus desejos de infância eram Turismo e Direito. Questionava-me sobre como iria cruzar estas duas áreas. Acabei por seguir Direito pois sempre fui muito teimosa e argumentativa, achava que podia mudar o mundo (risos). E também porque era um dos cursos que me dava uma visão mais macro. Mas sempre com o vício do Turismo, também muito por questões familiares. O meu pai esteve sempre ligado ao Turismo e passou-me este “bichinho”. Quando estava a fazer o estágio, já conhecia o nosso diretor-geral, José Manuel Esteves, e perguntei-lhe se não precisavam de uma estagiária. Na altura, como estava ainda a fazer a formação na Ordem de Advogados, disse-me que teria de vir a tempo inteiro. Como eu não podia nesse momento, decidimos adiar. Acabei então o estágio na Ordem, formei-me como advogada, ainda abri um escritório, fui trabalhar para um Cartório e para a Edideco. Ou seja, ainda tive algumas experiências profissionais no âmbito jurídico e da advocacia, mas sempre com a necessidade de procurar qualquer coisa no Turismo.
Então voltei a bater à porta da AHRESP, resiliente e, por coincidência, havia uma vaga. Entrei para o Gabinete Jurídico da associação por volta de 2000. O percurso cá dentro começou por aí, a dar consultas aos nossos associados, o que foi determinante para melhor conhecer a Atividade Turística. Como sou muito inquieta, procurei continuar a conhecer ainda mais. Na altura, fazíamos parte da Comissão de Vistorias do Licenciamento da Atividade de Restauração e Bebidas e nesse sentido aproveitei para também fazer visitas aos associados. Isso deu-me, de facto, um maior conhecimento da realidade. Contei sempre com a ajuda do José Manuel Esteves. Muito do que sei hoje a ele o devo, foi uma aprendizagem diária muito gratificante.
Quais os principais desafios que teve de enfrentar na AHRESP?
Eu diria que aqui na AHRESP os desafios são constantes. Acabei por ter o privilégio e a felicidade de poder conjugar os conhecimentos que obtive no âmbito da licenciatura em Direito, que foram muito úteis para o meu percurso e para lidar com os inúmeros desafios que o Turismo tem. E isso faz com que cada dia seja um dia diferente, repleto de estímulos, ao que acresce uma particularidade única que só a AHRESP tem, diria que é singular no mundo associativo, que é o facto de representarmos oito grupos de atividade distintos, no âmbito da atividade turística: desde a restauração de serviço rápido à restauração tradicional, pastelarias, animação, hotelaria, alojamento local, parques de campismo, restauração coletiva, até ao comércio alimentar… Nem sempre é fácil juntar estes interesses todos à mesma mesa para sair daqui uma única voz. Eu diria que desafios como este não encontro em lado nenhum.
A “luta” do IVA foi, de facto, um momento marcante. Os empresários envolveram-se todos nesse desiderato. Tudo se moveu para uma causa, e foi difícil, quem vê o resultado final não sabe o trabalho que houve por trás, diário e constante. Há muito trabalho que a AHRESP faz que o empresário não se apercebe. Há um trabalho diário e constante de lobbying, no bom sentido, que é desafiante.
Como é o seu dia-a-dia na associação?
Todos os dias são diferentes, o que me faz vir para aqui sempre a sorrir e sair a sorrir. Temos sede em Lisboa e 11 delegações pelo país, que é preciso acompanhar. Estamos organizados em departamentos chave, e eu procuro auxiliar todos os seus coordenadores no dia-a-dia, naquilo que são as questões mais críticas. Em todos os setores eu “meto o nariz” (risos).
É uma atividade que exige grande atenção, preocupação e uma grande dose de bom senso. A AHRESP elegeu uma nova Direção, que tomou posse há cerca de um ano e tem um mandato com um plano de trabalho ambicioso, sendo que, um dos três grandes eixos prioritários que elegemos para este mandato, em paralelo com a já referida Gastronomia e as Pessoas, é crescer no território, porque o nosso associado continua a ser muito micro. Queremos pois abrir uma delegação em cada capital de distrito. Isso significa que temos que ter equipas preparadas e responsáveis que acompanhem de forma muito próxima os nossos associados. Tudo isto obriga a um grande e intenso acompanhamento.
É ambiciosa? Onde se vê daqui a 10 anos?
Sou ambiciosa. Espero continuar aqui na AHRESP. Enquanto conseguir fazer coisas diferentes todos os dias e tivermos projetos… Como tenho esta paixão pelo turismo e pelo trabalho que a AHRESP faz, se continuarmos a ter estes desafios que temos todos os dias, vejo-me a continuar por aqui… desde que me queiram.
Que princípios norteiam a forma como trabalha em equipa?
Procuro sempre seguir os grandes princípios que o meu pai, em casa, e na AHRESP, o meu diretor-geral sempre me incutiram: honestidade, lealdade, espírito de sacrifício e perseverança. E, acima de tudo, ter todos os dias esta paixão. Se não tivermos paixão por aquilo que fazemos, os resultados positivos não acontecem e é isso que eu tento também incutir às equipas. A paixão reflete-se no trabalho que executamos. Recebemos muitos alunos finalistas de cursos de Turismo e, muitas vezes, não vejo essa paixão naquilo que transmitem quando acabam uma licenciatura nesta área. São poucos, e quando são evidenciam-se logo, mas a maioria não tem esse brilho, essa vontade, e isso faz toda a diferença.
Na sua visão, qual deve ser hoje o papel de uma associação em Portugal?
É um papel muito difícil. As associações têm de se centrar naquilo que é essencial: ajudar quem representam, e no caso da AHRESP falamos maioritariamente de microempresas. São tantos os constrangimentos que estas empresas têm, são tantas as dificuldades, os custos de contexto, os entraves, que pouco lhes deixam tempo para tratar do seu core business. As associações têm que se focar em dar aos seus representados tudo aquilo que lhes facilite a vida. E esse é cada vez mais o foco da instituição. O empresário tem que perceber que na AHRESP encontra tudo o que precisa, de uma forma ágil, rápida e fácil. Este é o nosso desafio constante: prestar cada vez um melhor serviço, de proximidade, e que eles sintam que estamos a cuidar deles, não só nas questões que são mais difíceis de percecionar, mas também no seu dia-a-dia.
Fala-se numa estagnação económica na Europa, e também em Portugal. Isso preocupa a AHRESP e deve preocupar os empresários do setor?
Preocupa-nos a todos. Não podemos é cair em grandes alarmismos e criarmos um discurso negativo. Não é isso que os números nos indicam. Nós continuamos a crescer. Não crescemos é à mesma velocidade. Temos que estar preparados para os desafios que vamos e já estamos a ter. Temos mercados que, pela insegurança, canalizaram muitos turistas para Portugal, e que já estão num outro momento de recuperação. É um desafio que temos de enfrentar. Vale a pena falar das questões das acessibilidades e do aeroporto. É mais um desafio, porque Portugal é um país periférico e a maior parte dos turistas chega através do aeroporto. Todas as questões dos fluxos de turistas, principalmente nos centros históricos de Lisboa e Porto, também são um desafio que temos de saber superar. Temos necessariamente de trabalhar muito a gestão dos fluxos turísticos nas cidades. Não é admissível que toda a gente vá para a Torre de Belém à mesma hora, por exemplo, com filas intermináveis. A visitação pode ser programada, tratada online. Os horários destes monumentos também podem ser alargados. Tudo isto pode ser melhorado. A tecnologia está nas nossas mãos. Então temos de trabalhar para gerir melhor as cidades. Nós não temos turistas a mais, temos é que gerir os fluxos. Desafios temos muitos, não acho é que a mensagem seja pessimista. Temos é que ter condições para ter um turismo cada vez mais sustentável e mais organizado.
*Esta é a 2ª Parte da Grande Entrevista a Ana Jacinto.