“Na vida é preciso ter sorte, e eu farto-me de trabalhar para ter sorte”

Foi nos escritórios provisórios da Barceló Viajes em Lisboa, no Parque das Nações, que Diamantino Pereira recebeu a Ambitur para uma entrevista exclusiva sobre o seu percurso de cerca de 45 anos no mundo do Turismo. Depois de ter sido o “rosto” da Viagens Abreu durante 37 anos, da qual fala com evidente gratidão e não nega ter sido “uma escola extraordinária”, o profissional assume agora o grande desafio de desenvolver o negócio do gigante espanhol em Portugal. Afirma não vir com sentimentos imperialistas de “chegar, ver e vencer” e que tem consciência de que terá de lutar para conquistar quota de mercado, mas acredita na marca que tem por trás de si e que reflete valores essenciais como a seriedade e credibilidade no mercado. Esta é a 1ª Parte desta Grande Entrevista.

Como chegou ao turismo?
Tinha 14 anos quando comecei no turismo, como paquete, numa agência de viagens que já não existe, TurExpresso. Depois convidaram-me para ir para os Capristanos e depois para a Nortur, a MTurismo, tudo antes do 25 de abril. Mais tarde fui para a Paneuropa, onde estive três anos, e quando tinha uns 24 anos, fui convidado para ir para a Viagens Abreu, onde entrei como guia. E aí me mantive durante 37 anos.

Eu sempre estudei de noite, dos 14 aos 23 anos, e tirei muitos cursos – de Guia, de Marketing, de Vendas, alguns na APAVT, também no Instituto Americano. Tinha que conciliar pois não tinha possibilidades económicas de estudar de dia, apesar de ter uns pais maravilhosos. Sou de uma família muito humilde.

O turismo surgiu acidentalmente. Na altura, não tínhamos muitas opções. Depois gostei e foi quase uma paixão. Comecei a viajar, com 16/17 anos fiz a minha primeira viagem, e o “bichinho” ficou. Na Paneuropa dei o meu grande passo, tinha 22 anos mas já era responsável pelo balcão e pela área de vendas. Desde miúdo que sempre gostei muito das viagens. Sou de Alvalade, sou um Sportinguista muito convicto, nasci muito próximo da Igreja e fui ali criado, e costumo dizer que a minha primeira grande viagem não foi aos 16/17 anos – essa foi a Málaga, Torremolinos – mas do Largo Frei Artur Pinto, em Alvalade, até aos Restauradores, de autocarro, sem os meus pais saberem. Tinha uns seis anos. Apanhei o autocarro sozinho, cheio de medo, fiz o percurso, e rapidamente regressei. A minha primeira viagem começou com seis anos, era o “bichinho” de viagens.

Na Viagens Abreu começou portanto como guia…
Sim, depois passei para a área da Programação, do Produto, trabalhava muito com o António Passeira, um grande mestre que tive, um homem de carácter muito bom e que me ensinou muitas coisas, aprendi muito com ele. Na área de Produto ele era um excelente vendedor e “fazedor” de produto.

Estive sempre ligado à Programação e Vendas, mas essencialmente Produto. No final da minha carreira era o responsável pela Contratação. Estive sempre muito envolvido com as operações da companhia aérea Yes. Comecei a dar mais a cara pela Viagens Abreu quando fui promovido a Diretor, e aí comecei a ter alguma notoriedade dentro da empresa, e fiquei com a área do Produto e da Contratação. Depois surge o Mundo Abreu, há 15 anos, que deu alguma notoriedade à empresa e a mim próprio. É um percurso muito simples. E entretanto fartei-me de aprender com gente que se atravessou na minha vida, sob o ponto de vista profissional. A Abreu foi para mim uma escola extraordinária. Foi lá que me fiz profissional, e da minha parte há um sentimento muito grande de gratidão. Saí da Abreu com todo o “fair-play” e fui muito bem tratado. A empresa foi muito generosa para comigo. Tudo aquilo que consegui na minha vida privada, todo o meu património, os 115 países que conheço… é graças à Abreu. Seria de uma ingratidão extraordinária ficar com esse mérito todo. A minha evolução teve muito a ver com aquilo que a empresa me proporcionou porque há muitos profissionais em Portugal que não tiveram a mesma notoriedade porque não tiveram a oportunidade de trabalhar numa empresa como a Abreu. São bons mas nunca lhes foram proporcionadas condições para evoluir. E eu evoluí muito por causa do que a Abreu me proporcionou. Dá-nos muitas condições de trabalho; condições económicas, financeiras, é uma empresa com muita credibilidade em qualquer parte do mundo, e isso facilita muito o trabalho de quem está a contratar produto. Tenho uma carreira bastante interessante mas tem muito a ver com o que a empresa me proporcionou.

Mas é ambicioso?
Sempre fui ambicioso, não nego. Sob o ponto de vista financeiro não sou nada ambicioso, sou desligado de dinheiro, tenho um controlo muito grande sobre a minha situação financeira mas não tenho metas de ter mais. Mas sempre gostei de ter uma vida profissional e uma carreira bastante interessante, e sempre lutei por isso. Com todo o apoio das empresas em que trabalhei, e de colegas que me ajudaram, mas eu trabalhei muito. Costumo dizer que na vida é preciso ter sorte, e eu farto-me de trabalhar para ter sorte. Porque chegar a diretor da Abreu, no meu tempo, não era fácil, era preciso muita luta, muito trabalho. No meu tempo, nenhum diretor da Abreu era admitido vindo de fora. Todos os diretores eram recrutados dentro da própria empresa. E tinham que demonstrar fazer parte da escola e da cultura da empresa, demonstrar valor, trabalho, empenho, audácia… A minha ambição de chegar a um lugar de topo dentro da empresa significa que me fartei de trabalhar. O meu esforço foi reconhecido. Há muitas pessoas que trabalham durante toda a vida e não têm empresas que reconheçam o seu valor. No meu caso, a empresa reconheceu o meu esforço mas também tenho consciência que me fartei de trabalhar.

Recordo-me que o primeiro e o segundo anos do Mundo Abreu não foram nada fáceis. Acredito que só a Abreu conseguiria fazer o Mundo Abreu, nenhuma outra empresa em Portugal tem condições para o fazer. Devo reconhecer que a Abreu me proporcionou condições extraordinárias, nomeadamente financeiras e apoios, para fazer o Mundo Abreu. Mas deu-me muito trabalho, muitas noites sem dormir. Nunca mais me esqueço do primeiro dia do primeiro Mundo Abreu, realizado no Pavilhão do Futuro, foi dos piores momentos da minha vida. A feira abriu às 10H00 da manhã e o primeiro casal que chegou foi às 12H30, mas a feira estava repleta de fornecedores. E depois lá começaram a aparecer os primeiros clientes e, ao fim de uma hora, havia filas intermináveis, e tivemos de fechar as portas porque já não se conseguia caminhar dentro da feira. A entrada fazia-se à medida que as pessoas iam saindo. Mas a partir daí nunca mais parou, foi um sucesso extraordinário. Mas as primeiras horas foram angustiantes. Depois rapidamente o Mundo Abreu conquistou crédito junto dos fornecedores e do público, e é um evento que tem todas as condições para durar.

Mas tenho que reconhecer que só foi possível porque estava a Abreu por trás, e porque eu tinha uma equipa extraordinária. Tinha uma equipa de 30 pessoas que estavam diretamente envolvidas no Mundo Abreu e que foi a melhor equipa que tive na minha vida. Houve alguém que teve a ideia, e fui eu, mas depois houve uma equipa de pessoas que se envolveram de uma forma tão apaixonada que acabou por ser um sucesso. E se eu não tivesse essa equipa, teria sido um fracasso.

Terminando o seu percurso na Abreu, como foi virar a página?
Foi muito simples. Quando saí da Abreu, dia 30 de novembro de 2016, foi por iniciativa própria, fui eu que decidir sair, o momento fui eu que o escolhi, saí a bem, sem conflitos. E saí para me reformar. Durante anos deixei de fazer coisas de que gosto muito, por questões profissionais. A vida pessoal acabou por ser muito afetada. O meu sonho quando saí era voltar a tocar bateria, que toco mal porque não pratico. Tenho um professor excelente. Também queria voltar a fazer mergulho, tenho um excelente curso de mergulho que tirei em Cuba, e deixei de fazer. Queria compilar os meus blocos de viagem, não é fazer um livro, mas adicionar-lhe alguns desenhos. Consegui entrar para um curso de Desenho Artístico. Queria produzir uns 100 a 120 exemplares e dá-los aos meus amigos. Compilar tudo aquilo que observei durante estes anos todos, nos 115 países que conheci. E deixei para último o mais importante: viver mais com a minha neta, Carolina, que tem oito anos, e a quem infelizmente não tenho podido dar a atenção que ela merece e que quero dar. Estava cheio de planos. Sou um estudioso do povo judeu e queria fazer um levantamento; outra das minhas paixões são as motas, e queria pegar na minha mota e ir por Portugal descobrir, com um “roadbook”, os vestígios da cultura judaica no nosso país, contactar com comunidades judaicas. E ver um pouco das aldeias portuguesas, que conheço muito mal. Eram estes os meus grandes planos.

Entretanto, a vida prega-nos algumas partidas e virou-se tudo de pernas para o ar. Nada fazia prever o que aconteceu e que eu ingressar na Barceló Viajes.

Mas não hesitou…
Não hesitei mas quis saber o que era o projeto.

E teve convites de várias empresas…
Sim, é verdade. Tive alguns convites. Mas não me convenceram. O outro projeto, da minha vida privada, era muito importante. Porque tudo aquilo de que falei representa para mim uma paixão, não é um hobbie. Os convites que recebi não foram suficientemente fortes para abdicar deste projeto…

Exceto o da Barceló…
Nada fazia prever mas a vida dá muitas voltas. Mas quis saber mais detalhes do projeto, e fiquei convencido. É uma empresa que tem marcas muito fortes e que proporciona o que qualquer profissional com vocação para tour operação gostaria de trabalhar. Trabalhar uma Catar, uma Jolidey, uma Jotelclick, uma Special Tours, uma Quélonea, uma LePlan, acho que é o sonho de qualquer profissional ligado à tour operação. E depois com uma companhia aérea a apoiar-nos, com uma cadeia de hotéis como a Barceló. Acho que todos os profissionais desta área gostariam de ter o meu lugar. Quando me perguntam o que é que me seduziu… seis marcas extraordinárias, uma marca credível associada a uma família, Barceló, uma empresa familiar, privada, com capitais próprios.

A Special Tours acredito que seja o primeiro operador de circuitos europeus em Portugal, a Catai será a maior empresa ibérica ligada às grandes viagens, depois a Jolidey que proporciona para Portugal oito charters para as Caraíbas e sete charters para as Baleares, tenho a LePlan com a Disney, e depois a Orbest, uma companhia aérea com cinco aviões (dois A320 e três A330) que proporciona credibilidade, muito fiável, e que dá um serviço muito superior ao de muitas companhias regulares, com um tratamento muito familiar mas sem esquecer a parte profissional. É um motivo muito forte para eu ter abraçado este projeto.

Entrevista publicada na Edição 301 (maio) da Ambitur. Leia aqui a 2ª Parte desta Grande Entrevista.