“Não estamos a acompanhar a expectativa do cliente”

Como é que a sua vida se cruzou com o setor do turismo?
Foi uma coincidência. Acabei o curso em 1987, no ISCTE, fiz a minha formação académica em Gestão de Empresas, e fui trabalhar para empresas de auditoria, na altura a Deloitte e a Ernst & Young. Mas não queria ficar em Lisboa, queria voltar para a Madeira. Voltei e comecei a trabalhar na área de turismo da João de Freitas Martins, uma empresa centenária e que desenvolvia um projeto para uma parceria com um operador internacional. Começam então a estabelecer-se contactos com a TUI, que entretanto compra 50% da Miltours, com direito de opção do remanescente capital. Pensei que tinha “o caldo entornado” pois a Madeira iria fazer parte dessa parceria mas não fazia. E a TUI disse-me que era para contactar com a Miltours. Quando o faço a TUI já tinha bem definido o que queria: queria fazer negócio comigo e não com a João de Freitas Martins.

Entrei como sócio minoritário e comprámos a Via Galo, em 1989. Essa empresa era detida por uma família que tinha hotéis na Madeira e que representavam a TUI Alemanha na Madeira, na zona do Caniço. Após três anos comprei a quota dessa família. Sou então convidado para vir liderar a Miltours Portugal, no Algarve, que a TUI compra, e fico eu com 25% do capital da empresa da Madeira, gerindo o negócio em Portugal. Em 1991/92 assumo a liderança do grupo em Portugal e fazemos a fusão das duas empresas, da qual mantive a liderança até junho de 2015.

Entretanto, em finais de 2007 a TUI AG estava a procurar soluções em termos de futuro e é quando faz a joint venture com a First Choice. Em 2008 perguntam-me se quero vender as minhas ações, porque passaram a ter outra estratégia. Vendo as minhas ações em 2008, com a obrigatoriedade de continuar mais três anos e permaneci até 2015, altura em que abandono o projeto da TUI, porque já era tempo. Não estive sequer um ano parado quando, em 2016, abraço este projeto da World2Meet.

Ao longo da sua carreira profissional certamente que houve momentos que o marcaram mais, quais destacaria?
O momento mais alto foi a abertura de um novo destino, a começar do zero. Deram-me Cabo Verde para arrancar do
zero, em 2005, sensivelmente. E em 2015 acabo por sair da TUI com 280 mil clientes em Cabo Verde, o que é muito. Foi o momento mais alto da minha carreira. O momento mais difícil foi abandonar um projeto de 24 anos. Muita raiz, muitas amizades e custou, mas estou vivo. Saí sabendo que não queria ficar lá mais. Há muita parte minha vida que lá ficou, a cor dos meus cabelos ficou lá toda (risos) mas fiquei contente pelo trabalho que fiz. Tenho pena que não quisessem continuar com a mesma perspetiva, porque dividiram o negócio. Nós abrangíamos várias áreas de negócio – online, offline, o operador, os especialistas – e o grupo acabou por dividir tudo.

O que considera essencial para gerir um destino turístico?
É uma questão muito abrangente. Acima de tudo há que considerar as infraestruturas, a começar pelo aeroporto, depois entender uma situação que é de extrema importância, relacionada com a “health and safety”. Tudo o que tem a ver com a segurança, higiene… Primeiro que tudo, o destino tem que ser apelativo e depois há que criar as condições. Sem camas não se constrói destino nenhum, sem aeroporto também não. Tem que haver uma sincronia destes dois parâmetros e depois o “health and safety” é fundamental, porque a segurança e a saúde estão interligadas.

O que é para si servir o turista?
Servir o turista é ir ao encontro das expectativas que foram criadas pelo mesmo. Não é servir mas retribuir o que ele
pagou. Não podemos dar nem mais nem menos do que ele merece, e isso liga-se ao hotel. Um bom hoteleiro não deve dar nada a mais ao cliente do que o cliente pagou. É difícil mas essa é que deve ser a referência.

Portugal consegue fazê-lo bem neste momento?
Neste momento a expectativa é muito grande, esta é a minha leitura, quando os preços são altíssimos. Portugal não é um destino barato, e estou a falar de resorts, comparativamente a outros destinos como a Tunísia e o Egito. Portugal é extremamente caro. Oferecemos segurança, mas isso não é tudo, porque hoje em dia as coisas podem mudar. E tanto acontece em Bruxelas, em Paris, em Londres, aqui em Lisboa ou no Algarve. A verdade é que, até à data nada aconteceu e nos outros países foi o oposto, e isso veio em nossa vantagem. Agora vai continuar assim? Não, não vai de certeza absoluta.

Então algo mudou. Há dois anos eram expectativas baixas e preços baixos e agora expectativas altas e preços altos?
Exatamente, porque com um preço alto a expectativa sobe. E nós não estamos a acompanhar a expectativa do cliente com o preço elevadíssimo. Não quer dizer que seja justo ou não, estou a dizer é que é alto para as expectativas do cliente. Agora com os novos destinos a abrirem, a situação fica mais difícil, porque a retoma na Turquia, a abertura da Tunísia ao mercado inglês, estamos a falar de impactos valentes.

Neste momento, o que eu acho mais perigoso em termos de destinos é a Tunísia e a Turquia. A Turquia porque é o segundo maior destino, com uma componente que os países europeus não podem ter, que é o preço. É tudo muito mais barato. O preço não se compara aos países europeus. Não podemos concorrer. Talvez tenhamos que tentar diferenciar o produto, é a única alternativa. Tenho quase a certeza absoluta que este ano vamos ter algum decréscimo de produção por parte do mercado da operação.

Hoje em dia está a acontecer ao online e ao offline o mesmo que aconteceu com as low cost: são todos híbridos, todos vendem da mesma forma. Uns por um lado e outros por outro. Isto para dizer que o Algarve teve muitos anos preso à operação turística e conseguiu libertar-se do problema. Hoje no Algarve é marginal, tem o seu peso, mas não tem o peso que tinha há 10 anos. Podíamos ter feito de outra forma, podia ter sido menos doloroso. Há espaço para todos e, na minha opinião, devíamos trabalhar com todos. Todavia, o mercado da tour operação para destinos de resort é cada vez mais pequeno.

Eu vejo isto a três níveis. O Algarve conseguiu, de certa forma, libertar-se definitivamente dos operadores, e ganhou a sua independência, mas a Madeira não. A Madeira tem um problema gravíssimo, que já não têm os Açores. Os Açores comparativamente à Madeira na produção de room nights e número de turistas está muito aquém, mas não sofre do mesmo problema em termos de operação. Os tours operadores e os charters na Madeira têm um peso enormíssimo. A tour operação é um grande mal, mas também não vejo o setor nem público nem privado com apetências para mudar o status quo da situação.

 

Esta é a 2ª Parte da Grande Entrevista publicada na Edição 309 da Ambitur. Leia aqui a 1ª Parte.