“Não me vejo a sair de Portugal tão cedo”

A liderar a equipa da Amadeus em Portugal desde o verão de 2017, Cláudio Santos afirma que a sua missão passa por trazer ao mercado nacional uma visão diferente para conseguir que a empresa seja reconhecida como o melhor provedor de tecnologia para a indústria do turismo. E admite que o facto de ter uma “concorrência muito competente” apenas o motiva “a trabalhar mais e melhor”. “Não me vejo a sair de Portugal tão cedo”, garante em Grande Entrevista à Ambitur.

Como foi o seu percurso profissional?
A minha vida profissional começou há cerca de 23 anos, no Brasil e ao longo destes anos trabalhei sempre para grandes empresas de tecnologias. Comecei na IBM. Ao longo destes anos tive várias funções: nos primeiros 10 anos muito relacionadas com Vendas e, nos últimos 10 anos, já em funções de gerência, tanto a nível local como regional. Na minha última função era o responsável da América Latina para uma das unidades de negócio da IBM. Mas eu tinha um sonho, por raízes familiares, de fazer a transição para Portugal. Embora tenha trocado de empresa algumas vezes ao longo destes 23 anos, trabalhei para empresas americanas: trabalhei muito tempo para a IBM, estive quase quatro anos na Microsoft, depois voltei para a IBM através de uma aquisição, mas sempre em empresas americanas. E fazer essa transição para a Europa não era trivial. Quando esse sonho se tornou mais forte, eu e a minha esposa percebemos que ou era agora ou perdíamos essa oportunidade. Por isso, de há dois anos para cá, comecei a procurar oportunidades no mercado de tecnologia. Isso acabou por me trazer uma boa coincidência: a Amadeus, embora seja uma empresa muito focada no turismo, procura cada vez mais áreas diferentes de inovação e cada vez mais a tecnologia se funde com o mundo real. Não há indústria que não dependa ou vá depender cada vez mais da tecnologia. Essa transformação do perfil da Amadeus coincidiu com o meu perfil de tecnologias. Nunca tinha trabalhado diretamente com o turismo, o meu foco sempre foi mais na indústria financeira, e a empresa acabou por ver isso como algo positivo, para trazer também não só a experiência de tecnologia mas também a experiência de outras indústrias. Portanto, saí da IBM em julho de 2017 e entrei na Amadeus, em Portugal, a 7 de agosto de 2017.

Não hesitou em abraçar essa mudança?
Não hesitei. Muitos dos valores que prezo enquanto trabalhador, e que dão segurança, identifiquei durante os processos de entrevista e validei nos primeiros meses com a minha equipa. A Amadeus é uma empresa que valoriza e investe nos funcionários; que entende que apesar de sermos uma empresa tecnológica, no fundo a empresa resume-se às pessoas e aos talentos que somos capazes de atrair e de reter. Foi essa coincidência de valores que me motivou a tomar esta decisão. É um risco profissional, já tenho 46 anos, e fazer uma mudança deste nível não é fácil, mas após nove ou 10 meses, estou 100% seguro de que foi a decisão certa.

Qual foi a primeira imagem que o nosso país lhe deixou?
O meu pai e a minha mãe são portugueses, tenho contacto com a cultura desde sempre, já tinha visitado Portugal umas três vezes, mas é diferente vir como turista e viver aqui. O que senti é muito do que se fala: é um povo extremamente acolhedor e aberto – talvez essa seja a maior característica de atração de pessoas para Portugal, não só como turismo, mas até como destino para reformados, estudantes, para quem quer mudar de vida, como eu quis, porque as pessoas sentem-se bem acolhidas. Eu fui extremamente bem acolhido pela minha equipa em Portugal. Dizem-me que existe uma simpatia especial pelos Brasileiros mas eu diria que vai mais além. Acho que é difícil alguém vir para Portugal e não se sentir bem acolhido.

Outra coisa que me impressionou muito é como as pessoas aqui são bem formadas e educadas. É um mérito também do Governo, pois não é fácil educar uma população de um país inteiro, e a visão que tenho é a de que o povo português é muito bem-educado, não só no trato com as pessoas mas todos falam línguas, sabem comportar-se em todas as situações. Isso não se encontra em qualquer lugar: a tolerância, o aceitar o outro.

O que diria a quem queira vir para Portugal?
Diria para estudar bem. Passei dois anos e meio a estudar. Portugal já não é tão barato como era, especialmente nos grandes centros; encontrar uma casa com um custo acessível é um desafio; a questão dos salários também é ainda um desafio. Portugal tem uma condição excecional de ser um grande conquistador de mão-de-obra qualificada, que quer não só prestar bons serviços mas ter boa qualidade de vida. Isso para as novas gerações é fundamental: o equilíbrio com a qualidade de vida. E, nesse ponto, Portugal é um dos principais países, na minha visão, em capacidade de atrair a mão-de-obra, mas claro a qualidade de vida não paga tudo. O ajustamento em termos de remunerações, de qualidade do trabalho também precisa de ser desenvolvido. Mas já vejo que existe essa preocupação. As pessoas têm que estar bem qualificadas, bem remuneradas, felizes, para prestarem um bom serviço ao cliente final.

Do que sente mais falta?
O que faz falta é a família. Conseguimos ter a praia em Cascais, era a segunda coisa que muita gente diz que faz falta, e é por isso que não estou a viver em Lisboa. O calor faz um pouco de falta em alguns momentos… Nunca é fácil manter essa distância por mais que as tecnologias hoje em dia nos permitam estar quase todos os dias em contacto. Mas faz parte de uma experiência e de uma maneira de vida que quisemos adotar. Tínhamos consciência de que esse preço teria de ser pago.

O que é necessário para se ser um bom gestor?
Entender que nada se faz sozinho. É o trabalho de equipa que gera resultados. O gestor que consegue entender isso consegue entender as pessoas, conciliar os interesses das pessoas, pôr as pessoas certas na função correta. Muitas vezes, quando o foco do gestor começa apenas no resultado ele esquece-se de que é a equipa que vai gerar o resultado. É algo que eu sempre procurei fazer com as minhas equipas, e fui sempre bem-sucedido. Enquanto a teoria se provar na prática eficaz vou continuar a seguir esse caminho.

Que princípios devem nortear um profissional integrado numa multinacional?
O primeiro é entender que fazemos parte de um todo. Para dar um exemplo prático, muitos perguntam-me qual o market share da Amadeus em Portugal? Essa é uma informação que não dou porque hoje, como empresa global, decidimos que não divulgamos essa informação localmente, divulgamo-la todos os trimestres a nível de market share mundial. Ter esse equilíbrio entre o que é global e local faz parte do dia-a-dia de uma multinacional.

Por outro lado, temos a possibilidade de trazer muitas experiências de outras partes do mundo. Este é um pró extremamente importante. A minha cultura de ter sempre trabalhado em multinacionais, de ir buscar aquilo que já se resolveu em outras partes do mundo, de não estar a querer reinventar a roda, mas estar sempre a olhar à nossa volta e ver como outros resolveram os seus problemas. Cada mercado tem algo para ensinar, e quando estamos em mais de 190 países como a Amadeus não é possível que ninguém tenha passado por um problema específico antes. Não é preguiça, é resolver o problema de uma forma mais rápida para o nosso cliente.

Como planeia gerir o futuro da sua carreira?
Estou praticamente a começar do zero novamente. Algo que dá para perceber dentro da Amadeus é que não é uma empresa, é um mercado. Vejo-me aqui por muito tempo, identifiquei-me totalmente com a empresa, não só em termos de presença global como em termos de valores. É uma empresa que trabalha com ética, que valoriza as pessoas. Certamente que vejo outras oportunidades a surgirem ao longo do horizonte, todo o profissional quer evoluir. Não me vejo a sair de Portugal tão cedo. Vim para ficar. Cada vez menos a mobilidade geográfica é um problema, as tecnologias ajudam-nos a trabalhar para o mundo inteiro, em qualquer lugar. Ainda estou numa fase de adaptação, de conhecer muito a empresa, mas certamente por ver-me aqui muito tempo também me vejo a encarar novos desafios daqui a alguns anos.

Gosta de viajar? Como costuma planear as suas viagens?
Gosto, quem me dera poder viajar mais. Na verdade sou tecnológico mas mais por indisciplina, por não conseguir fazer as coisas com antecedência. Faço muitas viagens em família. A última vez que vim a Portugal éramos um grupo de 19 pessoas e, quando fazemos esses grupos, tratamos sempre com uma agência de viagens. A complexidade da viagem faz-nos ter uma segurança muito maior. Eventualmente se faço uma viagem simples, reservo diretamente com a tecnologia. Para uma viagem complexa não há canal melhor do que a agência de viagens.

*Esta é a 2ª Parte da Grande Entrevista publicada na edição 312 da Ambitur.