“Não podemos apostar no «fast food», temos que vender o que é genuíno”

Se tivesse que “vender” o destino a um turista o que destacaria?
A diversidade, a tranquilidade, a segurança. O Algarve tem opções diferentes: sol, mar, praia, montanha, trilhos, bicicletas, turismo de natureza, vinhos, gastronomia. No fundo, o Algarve é um resort em ponto grande. Temos gastronomia diferenciada ao longo de toda a região. Dos 18 milhões de dormidas tivemos mais de 14 milhões de dormidas do estrangeiro. Mas para podermos garantir que os estrangeiros continuem a vir não podemos apostar no fast food, temos que oferecer o que é genuíno.

Tem tempo para ser turista no Algarve?
Não. O que procuro fazer é, como viajo pelo Algarve, devido às minhas funções, conhecer bem e intervir bem nos locais onde vou, perceber o que estou a ver e a sentir, e quando tenho de intervir dizer coisas em função da minha experiência e da minha visão do território.

Sou uma pessoa que, ao longo da minha vida autárquica, não sou de fazer muitas férias; quando me vim embora da Câmara de Albufeira deixei lá 300 dias de férias para gozar…

Ou seja, é viciado em trabalho…
Não é bem viciado… Mas se vou a um local, aproveito um dia ou dois para tentar perceber onde estou. Ao fazer uma viagem de trabalho procuro desfrutar da viagem. E no Algarve é exatamente assim. Não sou uma pessoa que ande a dormir pela região, porque moro em Albufeira. Aproveito as praias, mas normalmente ao fim-de-semana. Vivo em Albufeira desde sempre e portanto a praia que aproveito é sempre aquela que está perto de casa. Nem sequer vou fazer quilómetros no verão para ir a uma praia. Se é para descansar, não faz sentido.

Ao longo deste seu trajeto no turismo que momentos poderia destacar no turismo do Algarve?
Quando vim para o Turismo do Algarve, em 2013, estávamos em crise, os números da região não eram bons. Até 2016 tive a sorte de irmos crescendo todos os anos. Estando num cargo onde os números foram crescendo, onde houve um esforço muito grande para procurar valorizar a região no seu todo e não apenas uma parte, como era costume, houve que fazer aqui um caminho de aproximação das várias entidades da região, para começarem a ver o Algarve de uma forma diferente, mais organizada. Isto fez com que eu, independentemente das dificuldades financeiras, no âmbito da gestão dos meios, acabasse por ter a sorte de desbloquear alguns desses caminhos com a minha persistência e a minha intervenção, nesse caso política, sim, junto dos Governos, quer do anterior quer do atual. A minha experiência de autarca ajudou-me a abrir portas. Quanto mais volume de negócios temos, menos verbas temos para investir, ou seja, não se semeia o suficiente onde sabemos que há semente. E às vezes vai-se semear em locais onde a semente tem muita dificuldade em nascer. Não sei se é a melhor opção. Mas num contexto da valorização da região, acho que o que procuramos fazer é dar notoriedade e aquilo que a região precisa: mais dormidas mas também mais proveitos, mais economia, mais emprego e mais estabilidade nas pessoas que trabalham. E há um problema que está em cima da mesa, a questão da qualificação, dos recursos humanos, da qualidade do serviço, e esse é um ponto que tem de ser abordado e muito bem trabalhado em conjunto com o Governo.

Como foi crescer numa região alterada pelo Turismo?
Nasci e vivi numa Vilamoura que nada tem nada a ver com o que é hoje. Era uma propriedade agrícola, com vinhas, amendoeiras, oliveiras, zonas de agricultura, furos. Era uma vida rural. Comecei a ver aquela movimentação toda, desde a marcação dos hotéis ao nascimento dos campos de golfe. Acompanhei tudo. Sempre percebi que Vilamoura era algo diferente, que ia ser preparada para, ao fim de 30/40 anos, ser uma cidade para 20 ou 30 mil habitantes. Para mim era quase algo utópico. Mas foi tudo tão natural, tão pensado, que as pessoas acabaram por aceitar. Foi tudo trabalhado de uma forma positiva, evoluindo de uma forma estruturada. Eu próprio fui acompanhando isso, já internamente.

Em algum momento de todo este trajeto se apercebeu de alguma estranheza da população para os turistas?
Não. Na altura o que havia era a questão entre Vilamoura e Quarteira, uma barreira entre o “turismo rico” e o “turismo pobre”. Mas essa barreira foi esbatida, melhorou. Neste momento as coisas estão de tal maneira interligadas que Vilamoura e Quarteira estão num processo de complementaridade. Hoje não há nenhum constrangimento nem barreira.

Falou-nos há pouco de remodelações, mas de certeza que em pipeline estarão novas unidades prontas a arrancar no Algarve, algumas das quais começam a ser conhecidas…
Os investimentos que forem feitos agora têm que ser acautelados, já não são feitos como há 10/15 anos atrás. Os hotéis e os empreendedores hoje já não vão de olhos fechados. Os bancos também já têm algum cuidado nas aprovações. E os próprios fundos também têm algum cuidado porque querem valorizar o seu produto. Estou convicto de que estes novos hotéis, alguns deles, são marcas novas mas não construções novas. São marcas que vão aproveitar algumas construções existentes, de regeneração. Tudo o que vier tem que ser produto forte e que venha nivelar o Algarve por alto. Se as marcas fortes, no contexto competitivo, forem aliciadoras dos nossos mercados emissores, não vejo qualquer problema. Mas têm que ser diferenciadoras, de qualidade, e o mercado faz o resto.

Por outro lado, temos a noção que há uma procura pelo Algarve mais abrangente do que os quatro ou cinco meses habituais, e isso pode ajudar. Porque esses hotéis, sendo de referência nos mercados emissores, podem alavancar pessoas em função da marca.

Ao nível das rotas aéreas, é satisfatório o que se está a conseguir para o Algarve?
Confesso que, nos últimos dois anos, o aumento significativo de lugares de inverno – foram mais de 150 mil, quase 200 mil lugares – o aumento das rotas para várias cidades, a subida do número de passageiros no Aeroporto de Faro – que no ano passado atingiu quase 20% e este ano, entre janeiro e fevereiro, estamos próximos dos 30% – são sinais muito positivos.

 

Relativamente à animação, o Algarve 365 era o que se pretendia?
Não é ainda o programa ideal. Parece-nos que pode vir a fazer o seu percurso. O Algarve tem milhares de residentes estrangeiros e toda a oferta que se for construindo vai somando sempre valor. Hoje há concertos, cinema nas igrejas, jazz nas adegas, as coisas vão começando a criar uma cultura. É natural que dentro de dois a três anos já haja aqui um assumir de uma série de atividades. Talvez seja depois necessário encontrar dois ou três eventos de referência que possam alavancar mais a oferta.

Quer deixar-nos um desafio ao Governo, às autarquias do Algarve e aos empresários?
Ao Governo para que olhe para as Regiões de Turismo com um olhar diferenciador, que veja aquilo que são as suas capacidades de intervir em termos de promoção, de estruturação do produto. As Regiões de Turismo têm, perante a lei, dois objetivos: qualificar produto e promover a região. Para isso é preciso autonomia e financiamento. Hoje, a nossa economia perante a lei e o nosso financiamento têm sido reduzidos ou, pelo menos, não têm sido aumentados, e com isso é muito difícil levarmos a cabo os nossos objetivos.

Em relação às autarquias, o que peço é que, tendo em conta o retomar financeiro das autarquias, que a qualidade do espaço público e das suas envolventes às unidades hoteleiras, as acessibilidades, têm que ser claramente melhoradas, porque elas fazem a imagem, a perceção de um território.

Quanto aos empresários penso que, neste momento, vão aprendendo que têm que trabalhar em parceria. O hotel já não é uma “ilha”, a parceria é cada vez mais o futuro. E essa parceria tem a ver com trabalhar com empresas com ofertas diferenciadoras. O hotel tem que ser capaz de fazer um trabalho em parceria que faça com que a oferta melhore e que os turistas saiam mais agradados quando saem do destino.

É difícil criar um Turismo de Lisboa no Algarve, uma entidade que seja diferente?
Os territórios são diferentes, e a forma de gestão dos territórios, o próprio modelo, tem que ser adaptado ao território e cada região tem as suas dificuldades. O Algarve é uma região que, neste momento, está fora dos fundos comunitários. Só por aí é inibidor mas, mesmo assim, fazendo muito pouco, vamos ter resultados brutais. Em 2016, dormiram mais estrangeiros no Algarve do que somando Lisboa e Porto; esses números são arrasadores. Os nossos meios são muito pequenos para aquilo que é o retorno da região e portanto temos que nos adaptar. Mas devia haver um olhar diferenciador para cada uma das regiões… Sabemos que o turista que vem para Lisboa, não é o mesmo turista do Algarve. Nós queremos é complementaridade.

 

O segmento dos congressos e reuniões tem potencial para o Algarve?
O problema do Algarve é que depende do espaço, das salas, das ofertas. Se for um evento muito grande, não se consegue fazer no Algarve, Lisboa é que tem condições. O Tivoli Marina Vilamoura inaugurou o Centro de Congressos e tem uma capacidade para 3800 pessoas, já é um bom sinal. Depois há alguns que não têm hotelaria associada. E temos aqui outro elemento: os pedidos à região são em contraponto com a Andaluzia e o Governo da Andaluzia é facilitador e, às vezes, até oferece os espaços para os congressos, algo que o Algarve não pode fazer. É uma questão difícil mas vamos fazendo alguma coisa.

Pode ler aqui a 1ª parte desta Grande Entrevista.