“Nasci dentro da aviação”

Foi com um sorriso tímido nos lábios mas sempre disponível para responder a qualquer questão que Fernando Pinto recebeu a Ambitur no seu escritório. O presidente da TAP recordou os tempos de infância e a sua paixão pela aviação, que o levou a crescer dentro da Varig até chegar à presidência, e que acabou por trazê-lo a Portugal, para assumir o comando da companhia aérea nacional. Fernando Pinto fala-nos de como encontrou a TAP quando chegou com a sua equipa e do futuro que está agora a preparar com os novos acionistas.
Fernando PintoA aviação foi sempre uma paixão?
Nasci dentro da aviação, o meu pai foi piloto durante 40 anos, foi também diretor da Varig, no Brasil. Fiz os meus primeiros voos muito pequeno. E é interessante que desde novo me apareceu a veia de construtor. Queria que o meu projeto de fim de curso, com um colega, tivesse sido o desenvolvimento de um avião, mas o nosso professor não autorizou por isso acabámos por criar um barco que voasse, e assim surgiu o hovercraft, que foi um sucesso. Mas as duas coisas estão muito ligadas para mim, a engenharia mecânica e a aviação. Fiz pilotagem durante muitos anos, depois segui o curso de Engenharia Mecânica e as duas coisas uniram-se naturalmente na gestão de uma empresa aérea.

O que o fascina num avião?
Por um lado, o simbolismo do homem a tentar imitar os pássaros. Por outro lado, o fascínio pela máquina elegante que temos pela frente, até se diz em aviação que “avião que não é bonito não voa bem”. E é verdade, as formas aerodinâmicas são graciosas. A aviação é um mundo que fascina, porque une povos, permite uma nova dimensão para as pessoas. Se o transporte aéreo não existisse o mundo seria completamente diferente.

O seu percurso profissional iniciou-se na Varig, onde o seu pai era piloto…
Sim. Foi ele que me apresentou à empresa, depois dependeu de mim crescer ou não na empresa. Comecei bem de baixo, como ajudante e estagiário na área de rodas e travões. Fui-me desenvolvendo, fiquei responsável por toda a parte de oficinas e manutenção. Em paralelo, fui-me desenvolvendo em Gestão. Tive uma experiência muito importante, em que estive um ano na Airbus a receber os A300. Quando retornei à Varig, fiquei como diretor técnico de uma empresa de aviação regional, que perdia muito dinheiro. Conseguimos fazer uma reestruturação completa, passando a ser uma empresa extremamente rentável, e quatro anos depois, passo a presidente desta empresa.
Por causa deste projeto sou chamado à Varig, que tinha os seus problemas na época. Fiquei quatro anos na Varig, com uma equipa excelente e parte dela veio para a TAP. Conseguimos ali também mudar indicadores financeiros importantes. Quando saímos da Varig esta era das empresas mais eficientes financeiramente a nível mundial, éramos comparados com grandes empresas multinacionais em termos de EBITDA, onde estávamos entre as melhores. Precisávamos na altura de capital, eu saí antes dessa capitalização.

Fernando PintoDe engenheiro mecânico a gestor de topo, esta transição foi natural?
Muito natural. O engenheiro é muito preparado para ser gestor. Há uma semelhança muito grande entre ambos: procuramos sempre construir. Na engenharia eu fazia projetos para construir alguma coisa. A alegria que tenho como gestor de uma empresa quando concluímos o que foi projetado é a mesma que a que tenho quando concluo um projeto de engenharia: ver alguma coisa nascer do zero, ou ser desenvolvida. É assim que eu procuro gerir os vários projetos que tenho em mãos.

Mas já tinha o “bichinho” da liderança…
Sim, isso depende muito da maneira de ser de cada um. Assumi uma posição de liderança aos 17 anos, num aeroclube, onde fazia parte da direção técnica, na qual tinha de cuidar da manutenção dos aviões, instrutores, alunos, pilotos. Isso deu-me uma experiência muito grande. Foi uma forma de trazer para cima a liderança.

Em 2000 é então convidado para vir para a TAP…
Conheci o presidente da Swissair quando era presidente da Varig. Mais tarde, a Swissair entrou num processo de aquisição de uma participação na TAP e precisava de uma liderança para a transportadora. Entretanto saio da Varig e consideraram que eu seria a pessoa certa, porque falava o idioma, conhecia o transporte aéreo, tinha uma experiência no Brasil ao nível da gestão dos recursos humanos. A minha entrada estava prevista só para depois da privatização, mas a situação da companhia começou a deteriorar-se muito rapidamente e pediram-me para assumir antes. Foi assim que trouxe uma equipa para ajudar e aqui encontrei uma belíssima equipa.

Este terá sido o maior desafio da sua carreira profissional?
Ainda está a ser, com certeza. A Varig foi um projeto muito difícil, mas foi algo que durou quatro anos, na minha gestão como presidente, e que foi a implantação de um projeto que era muito simples, com cinco pontos básicos.

O mesmo não se pode dizer em relação à TAP…
Cheguei aqui com a certeza de que não ficaria mais do que um ano, no máximo dois. E quando fomos recebidos na TAP a mensagem era de que não éramos bem-vindos.

Fernando PintoFoi uma entrada difícil?
Sim, as pessoas estranhavam a nossa postura. Eu sempre fui uma pessoa de muito diálogo. Cheguei a fazer reuniões com 60/ 70 pessoas, a pedir ideias. Fazia reuniões com os trabalhadores, chegando a juntar mil pessoas no refeitório. Isso marcou muito o meu início na TAP, a parte da comunicação, que foi muito importante pois a crise era muito grande na companhia. A empresa tinha três meses de vida, nesta altura, ao nível de tesouraria.

Esta equipa de gestão da TAP, vinda do Brasil, e a gestão da seleção nacional de futebol por Luiz Felipe Scolari, coincidiram no tempo, e marcam uma mudança na sociedade portuguesa e do Brasil face a dois países que pouco se conheciam?
Eu acredito que sim. Houve um maior conhecimento dos dois lados. Em termos de gestão surge um grupo de brasileiros que traz uma nova vida e cara à TAP, o que na época foi uma revolução. E o técnico Scolari também trouxe uma vida nova à seleção. No Brasil aparece uma TAP com uma cara diferente, uma empresa portuguesa a assumir-se, a dar a conhecer a cultura de Portugal, mas de uma forma nova, moderna, agressiva, dominando o mercado brasileiro para a Europa. Ninguém jamais imaginaria uma coisa dessas, que a porta principal do Brasil para a Europa seria novamente Lisboa, e Portugal. Como a Varig desaparece nesta altura, a TAP passa também a ser a empresa aérea internacional dos brasileiros para voarem para fora do país. Tudo isso marcou um momento. Sendo que nós (equipa de administração) passámos a divulgar no Brasil um novo Portugal, até pelo respeito das pessoas que encontrámos aqui. Uma coisa que sempre referi muito no Brasil é que não tinha ideia da capacidade técnica dos portugueses. Nós demos as direções do que queríamos para a TAP, mas a execução foi dos profissionais da companhia, isso foi uma ótima surpresa.

 

Esta entrevista pode ser lida na íntegra na Edição Nº 287 da Ambitur.