O desafio de gestão é “convidar as empresas a abrirem ao mercado de uma forma disciplinadamente perdedora”

Sob o tema “Turismo: Desafios e Oportunidades Covid-19”, a WORX Real Estate Consultants desafiou, esta quinta-feira, vários players a partilharem a sua perspetiva face ao panorama atual e possíveis caminhos para o setor.

O momento é de incerteza para o investimento e para os investidores. Mas pior que a pandemia são duas as novas incertezas que pairam no ar: a “possibilidade de termos um novo surto” e a “existência de uma vacina”. Este é o ponto de partida do político e advogado, Luís Marques Mendes, que não tem dúvidas de que o país só vai “estar descansado quando tiver” uma vacina. Para o responsável, esta incerteza dificulta em muito as empresas e os investidores a “programar e a investir de forma segura”, pelo que é fundamental “saber gerir a incerteza”.

Em matérias de apoios, Marques Mendes considera a medida do lay-off “interessante, necessária, obrigatória e virtuosa”, acreditando na sua renovação. Já sobre as linhas de crédito, embora seja uma “medida importante do ponto de vista de recursos” e com carácter de emergência, o responsável prevê dificuldades: “Para um país em que as suas empresas estão profundamente endividadas, nós estamos a acrescentar mais endividamento”. E vai mais longe: “Portugal, na Europa, tem vindo a defender, e muito bem, que os apoios da Europa não agravem as dívidas públicas de cada país. Mas depois, cá dentro, faz o oposto daquilo que defende lá fora”. O advogado defende que “uma parte deste apoio seja convertido em fundo perdido”.

Relativamente à retoma da atividade, as previsões são claras e Portugal vai assistir uma “recessão profunda”. Marques Mendes evidencia um aspeto menos referenciado, mas que, do seu ponto de vista, é positivo: “As previsões do Fundo Monetário Internacional são muito duras relativamente ao ano em que vivemos mas a leitura política que eu faço das medidas são de recuperação rápida em 2021”. Por seu turno, o turismo deverá ser dos últimos setores a recuperar em pleno. No entanto, o responsável identifica um “trunfo” que pode e deve ser aproveitado: “A ideia que existe de que Portugal soube reagir na saúde pública. Não entrámos em rutura”, diz o político, reiterando que deve ser um ativo “bem trabalhado, desenvolvido e potenciado” em termos internacionais. “O turista vai ter medo e receio. A segurança e a saúde podem ajudar a minimizar estas dificuldades”, precisa.

Montijo poderá ser uma “solução de médio e longo prazo definitiva para a Portela”

Incerteza e imprevisibilidade andam de mãos dadas e é assim que o diretor do jornal “Expresso”, João Vieira Pereira, descreve a atual situação económica do país. “Não sabemos até onde vai chegar. Sabemos que o impacto é grande, mas não sabemos até quando é que vai durar”, afirma, evidenciando que “não há um modelo económico para esta crise” e “não se sabe se os apoios serão suficientes”. O mundo é uma incógnita e tudo é motivo para interrogações a começar pela mudança dos comportamentos da sociedade, das viagens, na quantidade de turistas que vai haver ou até na economia de partilha, uma questão muito defendia nas questões ambientais no sentido de adotar transportes partilhados. Nestas incógnitas, o jornalista acredita que muitas empresas serão obrigadas a ter uma “capacidade de reação muito rápida”. E, neste aspeto, Portugal tem uma oportunidade enorme: “Temos a capacidade nos adaptar quer às novas tecnologias quer a outras formas de trabalho”. O facto de “sermos uma economia pequena” pode ser uma “vantagem”, diz.

Já sobre o futuro, o diretor do Expresso atenta que no caos há sempre oportunidades. E aqui, o tempo é uma variável fundamental: “Nós ganhámos tempo”, diz. Nesta matéria, o responsável atenta na construção do aeroporto do Montijo: “Fui defensor no sentido de ser um anexo ao aeroporto da Portela para não estrangular o crescimento do turismo em Portugal”. A recuperação do turismo e, neste caso, da aviação, não será de um dia para o outro: “Será gradual e adequada à nova realidade”. E aqui, além do tempo, “temos o dinheiro que a Europa está planear para investimentos no futuro”. Por isso, “aquilo que não tínhamos antes, temos agora. Temos de o usar de uma forma lógica e racional”, afirma, destacando que o momento pede para “parar e pensar” a situação do Montijo, no sentido de ser uma “solução de médio e longo prazo definitiva para a Portela”, construindo um “aeroporto de raiz” e que seja uma verdadeira infraestrutura, capaz de “criar movimento e gerar cada vez mais turistas”. Mas, há outras infraestruturas que podem ser repensadas, como a “ligação rápida para Madrid”, ou “novas auto-estradas que são necessárias serem criadas”, exemplifica.

Recessão disciplinar será o novo desafio de gestão

Já a visão do CEO do Novo Banco, António Ramalho, é de que no final deste período surgirá um novo problema: “Convidar todas as empresas, todos os cidadãos e todo o Estado a partilharem a mesma questão, chamada do ponto de vista económico de ‘recessão disciplinar’”. O desafio de gestão agora é outro: “Convidar as empresas a abrirem ao mercado de uma forma disciplinadamente perdedora”, isto é, “pequenos comerciantes a abrirem as suas portas para venderem um a um, as companhias aéreas a manterem voos com 25% da operação ou os hotéis abertos com 40% da taxa de ocupação”, exemplifica, referindo ser um “conjunto de disciplinas estruturadas que não tornem em nenhum caso rentáveis as operações”. António Ramalho diz que estas medidas vão trazer uma novidade: “Não é na capacidade de gerar procura que vamos conseguir ou não tornar rentável as nossas operações, mas também da própria regulação e da regulação da saúde”, consoante a evolução da vacina.

Já na análise do turismo, o CEO do Novo Banco considera que é uma das atividades em que o processo de recuperação pode ser mais “imprevisível”. No entanto, a verdade é que tem algo notável: “Uma dependência de ativos inatacáveis, isto é, preservam-se no sistema”, como, por exemplo, o ativo estável e duradouro que é o setor do alojamento. Já a mobilidade é aquela que tem tido mais “perda do ponto de vista estratégico”, refere, acreditando que “há uma espécie de dimensão adicional de desafio no futuro do turismo” que passa por juntar “ativos de qualidade e de permanente valor com aquilo que são dificuldades de mobilidade que importa colocar” nestas circunstâncias.

“Regressar à vida rapidamente” é fundamental

Num discurso otimista, o presidente da Vila Galé Hotéis, Jorge Rebelo de Almeida, não tem dúvidas das potencialidades do turismo e acredita que, se os outros setores tivessem crescido tanto quanto o turismo, Portugal estaria muito bem a todos os níveis. Além disso, o hoteleiro refere que o setor soube profissionalizar-se ao longo dos tempos, sendo fulcral, numa altura em que o medo paira, “transmitir confiança às pessoas”. Motivo de confiança é também a postura que o Governo tem assumido, no sentido de conseguir “controlar a situação” e transmitindo uma “imagem de tranquilidade e serenidade”, afirma o responsável.

No entanto, Jorge Rebelo de Almeida tem a consciência de que a sociedade está perante um problema de saúde grave: “Ninguém o conhece e nenhum país estava preparado”. O responsável recorda que, na crise de 2008, foi o mercado interno que “nos ajudou a manter a operação”. Contudo, a “oferta hoteleira era menos de metade da de hoje”. Para este hoteleiro, “regressar à vida rapidamente” é fundamental, caso contrário, “morremos da cura. Aquilo que perdemos este ano nunca mais vamos recuperar este ano. Vamos é tentar recuperar a situação”, destaca. No entanto, Jorge Rebelo de Almeida considera que a hotelaria vai ter um desafio em cima da mesa: “As pessoas vão querer grandes reduções de preços” que os hotéis poderão não suportar. “Se os hotéis trabalharem apenas 50% e tiveram que baixar os preços” dificilmente irão aguentar, diz, optando, em vez de baixar os preços, pela “criação de um pacote” que facilite o hóspede.

Face ao cenário, o empresário diz que a “abertura controlada” é o caminho a seguir, sem nunca perder a expectativa de que “há vida para além desta crise”.

“O vírus mais perigoso é o desemprego”

Quem parece concordar da mesma visão é o administrador do Grupo Pestana, José Roquette, que corrobora a ideia da reativação: “É hora de começar a ter coragem e de estabelecer um plano ambicioso”, caso contrário, “o vírus mais perigoso é o desemprego”.

Os desafios são uma certeza mas o responsável é contra a ideia de que “tudo vai mudar”. Um aspeto positivo realçado por José Roquette é que, ao contrário das outras crises, esta acontece noutro contexto: “Temos a comunidade científica mobilizada como nunca; temos os governos de todos os países focados como nunca estiveram; temos o sistema financeiro preparado, que não estava na última crise; e temos o custo de capital mais barato da história”. Para o responsável, o grande desafio de médio e longo prazo será o transporte aéreo: “Temos aqui uma grande incógnita e talvez o maior ponto de interrogação”. José Roquette atenta que o “transporte aéreo barato” foi responsável pela “explosão do turismo no mundo”, ressaltando a importância da interdependência: “Podemos ter o país preparado do ponto de vista do controlo da pandemia, mas os nossos clientes não estão. Estamos longe de ter ingleses a virem para Portugal, independentemente do selo de qualidade”.

Em relação ao futuro, a visão do hoteleiro é que, na Europa, “vai faltar criatividade ao nível da política monetária”. Na questão das infraestruturas, José Roquette considera que esta é uma altura de se “pensar no tema dos comboios e do TGV”, acreditando que “daria um contributo importante”. Embora a recuperação do turismo seja lenta, o responsável destaca que se trata de um dos setores mais “resilientes” do país. “Foi assim em todas as últimas crises”, sustenta, acreditando que as mudanças que surgirem ao nível da segurança e higiene serão importantes.

“Esta não é a última crise e mais virão”, diz o responsável, acreditando que, em “cinco anos de glória” para o turismo, houve oportunidades para as empresas se prepararem. A “austeridade” ao nível empresarial é inevitável e José Roquette atenta que “tempos difíceis” virão com “mais endividamento e menos procura”.

“No futuro as pessoas vão procurar cada vez mais o país para viver” 

Na vertente do imobiliário, José Cardoso Botelho, diretor executivo da Vanguard Properties, afirma que o projeto da Comporta não sofreu qualquer alteração: “Temos um longo período para desenvolver a infraestrutura”. Além disso, os “1400 hectares de área” respondem aos requisitos debatidos nos últimos tempos, podendo “acomodar muito daquilo que se fala hoje”, refere, acreditando que “tem todas as razões para ser um projeto viável”.

A imagem que Portugal transmite lá fora leva o responsável a afirmar que, no futuro, as pessoas vão procurar cada vez mais o país para viver e visitar. Partilhando da mesma visão de José Roquette, o responsável acredita que a “mudança” não será drástica: “Nas vendas diretas que fazemos, verificamos que, desde o início do mês de abril, já começamos a receber muitos pedidos de informação e a fazer transações”.

Relativamente a infraestruturas, José Cardoso Botelho, considera que a questão do aeroporto continua a ser fundamental, pelo que “devemos aproveitar este momento para continuar com esse investimento”, assim como “pensar como aproveitar uma infraestrutura que já existe que é o aeroporto de Beja”.