O futuro da hotelaria é “back to the basis”: O testemunho de três hoteleiros em época de crise

A partir de fevereiro/março as reservas começaram a diminuir e os cancelamentos a aumentar, dando o alerta aos hoteleiros portugueses. O vírus, de início tão longínquo, tinha percorrido a China e espalhava-se pela Europa e resto do Mundo. “Os hotéis não vão ser como antes” e o seu futuro passará pelo “back to the basis”. Estas foram algumas das conclusões da 2.ª Quasetudo Talks, ontem, sobre o “Impacto do Covid-19 na hotelaria na perspetiva de Grupos Hoteleiros e Hotéis Independentes”.

Antes da Organização Mundial de Saúde (OMS) ter decretado a pandemia do surto de Covid-19, já os hotéis portugueses adotavam planos de contingência: no check in eram feitas recomendações, fora colocado gel desinfetante nas áreas comuns e até um quarto reservado para a possibilidade de uma quarentena.

O diretor geral do Internacional Design Hotel, Luís Santos, começou por notar receio da parte da sua equipa em contactar com os hóspedes e preocupação com os seus postos de trabalho. Hugo Gonçalves, diretor geral do Tivoli Marina Vilamoura, atenta que o “medo é difícil de controlar” mas que “deu lugar à certeza de que todos estão a fazer tudo ao seu alcance”. No seu caso, o diretor geral do Meliá Setúbal, José Brito, revela que os colaboradores “nunca abandonam o barco” e que “senti logo uma enorme responsabilidade e um grande compromisso”.

Como lidar com a falta de reservas e aumento dos cancelamentos?

Depois veio a redução das reservas e o aumento dos cancelamentos pelo que os hotéis tentaram evitar cancelamentos “projetando as reservas para o futuro”, explica José Brito. O responsável considera que devia ter sido criado um Decreto-Lei que permitisse “a confirmação de alteração de reserva para 18 meses e não fosse efetuada, devolvia-se o valor”, que ajudaria a “estabilizar os fluxos de tesouraria”.

Na opinião de Hugo Gonçalves “foi importante a mensagem que os hoteleiros passaram da remarcação”. No Tivoli Marina Vilamoura “conseguiu-se cativar cerca de 80% dos depósitos de pré-reserva e reagendamento” apesar do segmento MICE ter sido o maior desafio pois implicou restrições de outros países e foram “inevitáveis” certas penalizações.

No Internacional Design Hotel, no centro de Lisboa, 70% das reservas não são reembolsáveis pelo que a solução foi atribuir “crédito para utilização futura” que começou por ter uma validade de seis meses e depois se prolongou até um ano. Luís Santos assegura que “os cancelamentos eram inevitáveis, não tínhamos forma de contornar”. Acrescenta ainda que “não existe uma grande união dos hoteleiros e estão muito dependentes das OTA’S” e que “as regras não podem ser unilaterais”.

O diretor geral do Meliá Setúbal, José Brito, afirma que “os hotéis não vão ser como antes”, estando muito mais vulneráveis em contexto de globalização e de economia de guerra, e o seu colega do Internacional Design Hotel, Luís Santos, equaciona que “o futuro da hotelaria é back to the basis”.

Poderia ter havido alguma preparação para este tipo de situação?

O diretor geral do Meliá Setúbal conta que pertence a “uma geração de hoteleiros que já passou por três crises”: os ataques terroristas do 11 de setembro, em 2001, a crise financeira de 2008 e agora a pandemia do Covid-19. O diretor geral do Tivoli Marina Vilamoura acrescenta ainda as erupções do vulcão Eyjafjallajökull, em 2010, na Islândia, cujas cinzas se espalharam pelos céus chegando à Europa e paralisaram o transporte aéreo, incluindo em Portugal. “Este é um caso que podemos equiparar ao surto porque foi uma força da natureza, na qual o hoteleiro não tem qualquer tipo de intervenção”, defende Hugo Gonçalves.

O responsável brinca que o “ABC do turismo nos diz que é para ir do A para o B” e, de repente, todas estas crises nos disseram que “as pessoas têm de ficar no A” pelo que ninguém no setor está preparado para isso mas, na atual crise, Hugo Gonçalves considera que “reagimos bem e vamos continuar a reagir bem”. “Tivemos de nos adaptar e estamos mais preparados para reagir pró ativamente ou reativamente”, adiciona.

Já o diretor geral do Internacional Design Hotel concorda que “não havia preparação possível”, na medida em que “sempre pensámos que esta questão do coronavírus ia ficar muito circunscrita à China” e a “OMS não declarou logo o estado de pandemia”. Contudo, concluiu-se mais tarde que seria “inevitável chegar à Europa” e aí os hoteleiros começaram a tomar as devidas precauções.

As medidas apresentadas pelo Governo são suficientes?

Luís Santos frisa que as medidas apresentadas pelo Governo “não se traduzem num benefício real para as empresas”, visto que as linhas de crédito vão ter de ser pagas e com taxas de juro em benefício dos Bancos, servem apenas para “possibilitar um cash para reiniciar a operação”.

“As medidas estão adequadas ao momento que vivemos”, contrapõe José Brito, para quem tanto o Governo como o Turismo de Portugal “agiram com rapidez e foram assertivos”. Mas é preciso começar já a pensar no pós-Covid para o qual o responsável sugere incentivos à comunicação e publicidade, incentivo fiscal ao segmento MICE nacional, aposta no turismo sénior e a revisão do regime do IVA na restauração. “Esta recessão passa muito pelos IVA’s”, diz Hugo Gonçalves, pelo que deveria ser também dado um “peso maior no IRS de todas as famílias” a nível da hotelaria e restauração.

“O pós-Covid já devia ser delinear a estratégia do mercado nacional”

José Brito admite que o seu plano, enquanto diretor geral do Meliá Setúbal, para 2020-2021 “não vai passar pelo mercado internacional” mas antes pelo mercado interno e pelo espanhol, defendendo que “o pós-Covid já devia ser delinear a estratégia do mercado nacional” pois é isso que “nos vai salvar as receitas” este ano. O diretor geral do Tivoli Marina Vilamoura segue a mesma lógica e comenta que “durante os próximos tempos devemos apelar ao que é nosso” para que “Portugal, no seu mercado doméstico, faça gerar a sua economia”.

Todavia, Luís Santos alerta que “a retoma vai ser lenta e o mercado nacional vai-se retrair muito” com salários reduzidos e perda de emprego. Ainda assim, o responsável acredita que “as pessoas vão continuar a viajar” e, se a situação estiver resolvida em junho, “os portugueses vão querer sol, praia e Spa” o que pode constituir uma oportunidade. No seu caso, com um hotel no centro da capital, o Internacional Design Hotel recebe apenas cerca de apenas 7% de hóspedes portugueses.

A estratégia agora é manter o contacto com os clientes habituais, mantendo-os informados e apresentando algumas novidades, no fundo, fazendo-lhes “um convite para regressar”, confia José Brito, e o responsável do Tivoli Marina Vilamoura adianta que Portugal “continua a ser um excelente destino”, até pela segurança, e que pode utilizar o exemplo das boas práticas que adotou em altura de crise para atrair visitantes.