“O hoteleiro tem que ser o primeiro agente de turismo do seu país”

A Associação da Hotelaria de Portugal (AHP) “prepara o Amanhã” no seu 31.º Congresso, que começa hoje, dia 20, até 22 de novembro, em Viana do Castelo. Ambitur esteve à conversa com Raul Martins, presidente da associação, sobre o que tem mudado no setor e os desafios que tem pela frente.

Desde a nossa última conversa, há um ano, o que considera que mudou no turismo em Portugal, em concreto para a hotelaria?
Neste último ano o balanço é positivo, de uma forma geral, nomeadamente no aumento de turistas – que se verificou em cerca de 7% – apesar dos constrangimentos do aeroporto de Lisboa e graças ao Porto, zonas Norte e Centro, que aumentaram substancialmente o número de turistas. O turismo dispersar-se por todo o país é um objetivo do Turismo de Portugal e nosso porque existem capacidades hoteleiras em outras regiões que são muito interessantes e portanto nós conseguimos fazer com que os turistas aumentassem nas zonas onde havia de facto menos procura turística.

Relativamente à tour operação, alguma coisa foi feita mas insuficiente até porque entretanto houve companhias, nomeadamente que voavam para a Madeira e Algarve, que faliram. Essas empresas estão agora a ser, pouco a pouco, substituídas por uma outra que tomou esses slots em seu benefício e portanto têm estado a recuperar. Todavia, o Algarve manteve uma ocupação equivalente à do ano passado, não chegou a sofrer com isso. Poderia era ter tido melhores resultados se isso não tivesse acontecido. O balanço é positivo e certamente teremos mais um recorde em termos de número de turistas.

Quanto ao aumento da receita e preço médio, aquilo que tem sido difícil de aumentar e que era importante, um recado para o Turismo de Portugal é a estadia média no país. Essa situação em termos futuros é muito importante conseguir porque, como somos muito dependentes do transporte aéreo, podemos aumentar a ocupação com o mesmo número de turistas. Esse é o desafio para os próximos anos.

Há quem diga que hoje em dia são novamente necessários alguns anos para se aprovarem projetos hoteleiros nas grandes cidades. Isto é um problema para os investidores?
Digamos que isso acontece mas que não é impeditivo de abrirem hotéis. O crescimento médio da oferta hoteleira foi de cerca de 6% nos últimos anos e prevemos que este ano seja superior. Portanto o facto de haver demora não tem impedido que haja abertura de hotéis.

Ana Mendes Godinho chegou a avançar que seria este ano colocado em circulação o resultado dos contributos para a revisão da portaria da Classificação dos Empreendimentos Turísticos, mas isso não aconteceu… A AHP sente necessidade da revisão desta lei? Em que pontos?
Certo. Muita [necessidade]. Sentimos necessidade em especial na classificação dos edifícios que são apartamentos turísticos que não são considerados empreendimentos turísticos. Têm apartamentos turísticos e são considerados alojamento local. Quando há um edifício todo com alojamento local, porque tem habitação, ainda que mantendo a sua licença para habitação devia ser considerado um empreendimento turístico porque tem todas as características e condições.

Quando os edifícios têm as características que de facto um empreendimento turístico tem, não lhe chamar empreendimento turístico não é bom para ninguém. Nem é bom para a oferta, nem para o proprietário. Essa é a maior alteração que consideramos ser necessária. E portanto vamos continuar a pedir à nova secretária de Estado que implemente essa situação. Nós apresentámos oportunamente a nossa proposta de revisão há dois anos e este ano. Essa revisão continua a ser necessária e urgente.

Quais deverão ser as temáticas em cima da mesa deste Governo no que respeita ao turismo?
A desregulação das OTAs, das plataformas de reserva, que têm vindo a aviltar a relação comercial, uma vez que aparecem a comprar mais barato do que aquilo que têm contratado por via de terceiros. E a cláusula de paridade que ainda não foi proibida em Portugal, apesar da diretiva da Comissão Europeia, sendo que já apresentámos o problema ao ministro no sentido de isso vir a ser legislado.

A situação do aeroporto já deu mais um passo e, para nós, vai ser muito importante para podermos sustentar o crescimento e podermos continuar a crescer. O aumento da capacidade aeroportuária de Lisboa permitirá aumentar o turismo em cerca de 30% no país. Claro que isso não acontecerá num ano mas é muito importante que se venha a conseguir, ao longo dos próximos anos, para compensar o crescimento da oferta e responder ao aumento da procura.

Como é que a falência da Thomas Cook deve ser encarada pelas autoridades nacionais e europeias? E pelos empresários hoteleiros?
A falência da Thomas Cook resulta de uma situação tradicional de créditos sobre as agências de viagens. Os hotéis e as empresas hoteleiras têm que ter cada vez mais cuidado no crédito concedido. Esse crédito por vezes atinge valores enormes. Há um seguro de crédito, há empresas hoteleiras que o têm, felizmente, e podem recorrer a esse seguro para fazer face a um não pagamento. O Governo também disponibilizou uma verba para apoiar essa situação. O nosso receio é que outras situações semelhantes possam vir a acontecer. Os hoteleiros têm de se precaver com o seguro e com a redução de crédito, e não ficarem tão dependentes dessa situação.

Onde pretendem chegar com o vosso 31.º Congresso?
O Congresso tem o tema de “Preparar o Amanhã” porque o crescimento que tem vindo a ocorrer nos últimos anos não vai continuar. Como qualquer produto que está em crescimento, chega uma fase onde fica mais maduro. Estamos convencidos que esse crescimento vai continuar, pelo que as maiores cadeias hoteleiras portuguesas vão dizer o que pensam. É uma resposta daqueles que vão à frente, daqueles que têm mais investimento.

Outra questão é a situação da capacidade aeroportuária, que é importante para sustentar a capacidade do turismo e continuar a contribuir de forma decisiva para que o PIB nacional aumente. Prevemos que o aumento da capacidade aeroportuária de Lisboa possa contribuir com três a quatro pontos percentuais para o PIB nacional, a médio e longo prazo.

Estamos a olhar para a nossa vizinha Espanha, por todas as razões e mais alguma, porque apesar de ser vizinha não é aquela que contribui com maior número de turistas. Entendemos que é importante fazer maior captação em Espanha até porque torna-nos menos dependentes do transporte aéreo. Os espanhóis, na sua maioria, vêm muito de carro portanto é muito importante aumentar a sua contribuição para o turismo em Portugal.

Olhar para o crescimento do Centro e Norte, que tem sido exemplar, e fazer com que ele se torne mais sustentável. O Porto contribui muito para o turismo da região e, a pouco e pouco, certamente que o Norte, além da cidade do Porto, vai contribuir mais. Ao estarmos em Viana do Castelo com o Congresso estamos também a chamar a atenção nesse sentido.

Depois temos a parte das novas tendências do mercado, como estar no mercado de luxo e também o desafio da comercialização digital, que hoje não se pode viver sem ele. São tudo formas de olhar para o amanhã.

Os hotéis em Portugal já ajudam o turista a descobrir o destino? Falávamos há um ano nesta temática e apontava-a como sendo uma das tendências mundiais.
Mantém-se e ajudam cada vez mais. Há hotéis que pedem ao cliente para lhes dizer quais são as suas preferências e, na sequência disso, propõe-lhes ofertas concretas. Se for a parte histórica, poderão inventariar os principais monumentos em cada região; se for a parte de aventura, que cada vez mais cresce, há muitas coisas que hoje em dia existem em Portugal e não são conhecidas, não só as caminhadas mas também a aventura nos rios e toda essa parte de turismo de Natureza. Às vezes há falta de informação e isso é muito importante que os hoteleiros transmitam. O hoteleiro tem que ser o primeiro agente de turismo do seu país.