“O sucesso deve ser repartido”

Depois de alguns anos o Brasil, onde criou com êxito um novo operador turístico, e após a “desilusão” do Club Vip onde esteve 23 anos da sua vida, José Manuel Antunes está de volta ao mercado com a Sonhando e tem vindo a apostar em destinos novos, garantindo já a presença desta entre as 10 primeiras empresas do setor do Turismo, conforme faz questão de sublinhar nesta grande entrevista. Sem “atropelar ninguém”, assume ser ambicioso e, sobretudo, gostar de parcerias e de pôr equipas a trabalhar.
jose manuel antunesComo se inicia a sua vida profissional ligada ao setor do turismo?
Comecei com 16 anos a fazer transferes na agência Havas. Um primo meu, José Carlos Paulino, trabalhava lá e fazia transferes para Espanha e outros países, o que me seduzia bastante. Tendo em conta que vinha de famílias humildes, seduzia-me muito a capacidade de viajar, que para mim era muito reduzida. Trabalhando no turismo havia essa hipótese. Continuei a estudar. Aos 19 anos começo a trabalhar a tempo inteiro, sendo que aos 20 era chefe de departamento do primeiro operador que houve em Portugal, a Politur. Éramos uma equipa de três pessoas e começámos então a organizar viagens, sendo um das primeiras para Osaka, onde havia uma exposição mundial. Começámos a organizar programas de autocarros principalmente para Espanha. Em 1972, com 20 anos, fiz a primeira série de charters que houve em Portugal. Caso de Zurique, com quatro charters com programas de 10 dias pela Suíça, Áustria e Baviera.
A Politur era formada por cinco grandes agências de viagens – a Wagonlit, Meliá, Havas, Europeia e Star, as cinco maiores agências de viagens depois da Abreu em Portugal, que se juntaram precisamente para consolidar alguns tipos de grupos. Depois do 25 de abril houve algumas alterações e um certo vazio, tendo havido algumas séries de charters para o Funchal, mas para operários. Entretanto também fui cumprir o serviço militar.
Em 1979 nasce o primeiro operador, a sério, em Portugal, Viagens Horizonte, onde fui diretor de programação até outubro de 1981. A seguir surge um outro operador, do qual já era sócio, juntamente com a CTM – Companhia de Transportes Marítimos, que foi liquidada pelo Governo, o que obrigou ao fecho da empresa. Fui então trabalhar para a Ivo Tours, como diretor geral, em dezembro de 1983, e estive lá até outubro de 1986. Depois fui para o Club Vip, que foi um projeto de 23 anos.

Como aparece o Club Vip?
Inicialmente fui diretor comercial do Club Vip. Comecei em novembro de 1986 e em janeiro de 1990 fui nomeado diretor geral e, a partir daí, começou uma nova era no Club Vip. Quando cheguei, este tinha seis empregados. Quando foi vendido/consolidado pelo Grupo da ES Viagens, tinha 118. Foi uma “cavalgada” extraordinária. O Club Vip foi o maior operador turístico que alguma vez houve em Portugal. Era um operador generalista. Chegámos a ter 56 charters semanais e penso que não vai voltar a haver outro operador dessa dimensão, com essa penetração no mercado. Lançámos tudo em Portugal.

Quem são os acionistas iniciais do Club Vip?
Meliá, Wagonlit e Turopa, esta sai em 1987. Eu tinha 31,4% de quota da empresa quando foi vendida ao Grupo Espírito Santo.

E como prossegue a sua caminhada?
O Club Vip teve uma história triste no seu final, as coisas começaram a de cair bastante, a partir da direção da empresa principalmente, que começou a ser gerida por outras pessoas. Continuei com um contrato de venda, tinha obrigatoriedade de ficar mais cinco anos na empresa, e fiquei seis, mas, de facto, já não era “a minha praia”. Tentei cumprir o melhor que podia dentro da nova situação mas era outra empresa, não era a que eu geria, com o meu estilo e, por isso, em 2009, saí. Fui para o Brasil, onde tenho um hotel, em Maria Farinha, com um sócio, Mário Matos. Fui com a intenção inicial de gerir o hotel e acabei por montar um operador turístico que, num espaço de um ano, passou para o Top 10 dos operadores do Brasil. Os outros nove tinham mais de 200 funcionários e nós tínhamos 18,e eram todos de São Paulo e nós de Recife. Foram três anos de inovação do turismo no Brasil. Começámos as operações charter para as Caraíbas, com grande sucesso. Chegámos a ter três charters semanais.
Não havia, por exemplo, voos para Orlando, fizemos charters continuados, anualmente, com um tal impacto que as companhias regulares brasileiras começaram a colocar também charters para o destino. Aí a sociedade era 50% minha e 50% da White. A White entendeu regressar a Portugal e eu achei que não fazia nenhum sentido continuar porque a empresa deixou de ter conteúdo, e tive pena. Regressei convencido que vinha para a reforma até que o Dr. Tomás Metello me desafiou recuperar a Sonhando e aceitei o desafio que, felizmente, tem corrido maravilhosamente bem. Repusemos os destinos que estavam acabados no mercado, como Cuba e Malta, com um sucesso extraordinário. Temos também Porto Santo, para onde este ano fizemos 31 charters.
A Sonhando, em 2013, quando cheguei, tinha cinco funcionários e vendia 2 milhões e 200 mil euros. Agora somos 14, e este ano vendemos 9 milhões e 900 mil euros.

José Manuel AntunesDestes desafios quais o marcaram mais?
Pela negativa marcaram-me dois: a obrigatoriedade que tive de vender a minha participação no Club Vip, foi compulsiva. Pensava que era a minha vida, que ia acabar ali, era uma empresa até semifamiliar e tinha sido pensada dessa forma. Depois assisti ao declínio da empresa sem nenhuma autoridade para mudar o rumo dos acontecimentos, foi muito mau. Foram 23 anos, uma parte essencial da minha vida. No Club Vip havia muito respeito, um entusiasmo permanente e quotidiano, os sucessos eram coletivos, distribuíam-se os lucros por todos os funcionários e era quase uma cooperativa, foi uma vivência muito boa, que durou uma década e meia com esse estímulo e formato.
O segundo mau momento foi a saída do Brasil, não propriamente porque eu gostasse muito de viver lá. Custou-me porque estava a correr bem, do ponto de vista comercial e operacional.
Agora, com 60 anos, na Sonhando, já não estava à espera, sinceramente, de ter força e capacidade de retomar as coisas com tanto sucesso, e tem sido muito grande a surpresa. Tem custado trabalho, claro. Não é só sorte. A sorte dá muito trabalho e felizmente tem corrido muito bem. Ao princípio houve um certo “contravapor”, com pessoas, com formatos de trabalho com os quais não concordava, mas hoje é tudo magnifico. Temos uma equipa muito boa, as pessoas esforçam-se pela empresa e os resultados estão à vista. Têm sido três anos galopantes de resultados, quer de vendas, quer de penetração do mercado. Não tenho dúvida nenhuma que do ponto de vista de rácio/benefício é a melhor empresa de Portugal no setor do Turismo, mas até em termos relativos seguramente que está entre as 10 primeiras. O ano passado, pela primeira vez, deu lucro.

É ambicioso?
Ás vezes, dizer que se é ambicioso pode ter uma carga negativa. Sou ambicioso, mas nunca atropelei ninguém para fazer as coisas. Já tenho 44 anos de mercado e nunca tive necessidade de fazer isso, antes pelo contrário, gosto muito de parcerias. Acho que o sucesso deve ser repartido e devemos ter a missão de ter sucesso todos juntos para crescermos todos juntos.

É visto no setor como um génio e uma referência, pelos dois lados, o bom e o mau…
Penso que tive sempre uma grande imaginação e criatividade, o que dá trabalho. E procurar coisas novas é algo que ainda continuo a fazer hoje. Considero-me uma pessoa que trabalha muito e tenho sobretudo capacidade de formar equipas e de as pôr a funcionar. A parte negativa é que nunca liguei muito ao dinheiro, do ponto de vista pessoal. Tenho trabalhado mas também tenho gozado em coisas que me dão prazer, a mim e à minha família.

Qual o destino que o mais marcou ao longo destes anos?
Cuba e também o Nordeste Brasileiro. Há um com o qual tenho uma ligação afetiva muito grande, e tenho andado triste pela situação em que está, a Tunísia. Estamos a tentar retomar o destino da Tunísia mas não é fácil.

Os seus filhos também estão ligados ao turismo. Que valores lhes tentou transmitir?
Um dos grandes orgulhos da minha vida são os meus filhos, são seres humanos extraordinários. Os valores principais são os da honestidade, da sinceridade, do respeito pelas outras pessoas, da humildade e do trabalho. Eles sabem bem que nada se consegue sem trabalho. Chegaram a trabalhar comigo no Club Vip. O meu filho mais velho é licenciado em Literatura Inglesa e é chefe de vendas na Abreu online. O meu filho mais novo teve sempre a ambição de ser piloto e tem tido um extraordinário sucesso. Começou como piloto na SATA e há dois anos foi para a Etihad Airways. Passado um ano conseguiu ir para os A380, neste momento é o piloto mais jovem do mundo a pilotar um A380.

 

Esta é a segunda parte da Grande Entrevista publicada na Edição Nº286 da Ambitur.