O valor dos recursos humanos no turismo

Há muito que estão identificados vários desafios mas, afinal, do que se fala nas empresas quando abordamos a questão da gestão de ativos humanos? Foi para percebermos melhor esta temática que falámos com empresas e profissionais do setor do turismo, do recrutamento e da formação. Empresas tão variadas como a nacional TAP e a multinacional Europcar, cadeias hoteleiras como a Vila Galé e o PortoBay Hotels, unidades independentes como o Bairro Alto Hotel ou o Convento do Espinheiro, e ainda com os operadores Nortravel e TQ Travel Quality, ou a Parques de Sintra, que representam, por si só, um universo de mais de 15 mil colaboradores e conseguiram apontar-nos alguns dos seus caminhos e soluções, bem como desvendar-nos o que se desenha em termos de futuro dos recursos humanos no setor turístico em Portugal. A estas empresas do setor juntámos a Talenter e a Michael Page, que todos os dias lidam com o recrutamento, e João Pronto, professor da Escola de Hotelaria do Estoril, que pôde dar-nos uma visão mais académica desta temática.

Quanto vale um currículo no mercado de trabalho?

O debate em torno deste tema continua aceso. Mais do que nunca até. Porque se houve um tempo em que as empresas reservavam maior importância à técnica dos colaboradores, agora essas aprendizagens já não são suficientes e são exigidos outros atributos, as chamadas soft skills. Abrem-se, assim, portas a uma nova
realidade de recrutamento e seleção.

João Figueiroa, Europcar

Encontrar as pessoas ideais para as funções certas: é este o principal desafio que as chefias de recursos humanos enfrentam. Quando questionado sobre as vias de recrutamento mais utilizadas na Europcar, João Figueiroa, diretor de recursos humanos da empresa de aluguer de automóveis em Portugal, afirma que têm estado a utilizar “todas as possíveis e imaginárias”. Não só feiras de emprego, imprensa e estágios, como também online, redes sociais, LinkedIn, entre outras. No setor do turismo também se começam a sentir os efeitos de uma geração permanentemente conectada e, como tal, as empresas foram forçadas a olhar para a internet como uma nova forma de captar talento. E os exemplos recolhidos pela Ambitur corroboram isso mesmo.

João Figueiroa constata que a principal dificuldade na seleção de candidatos para o negócio de rent-a-car é encontrar colaboradores para funções de frontline, que implicam relação direta com o cliente. “Não é fácil”, admite. Ou pelo menos, não tem sido até aqui, porque necessitam de “características muito fortes em pessoas E para quem, tradicionalmente, se pagam salários menos bons. E essa imagem existe no mercado”, lamenta. A estratégia desta multinacional com presença em Portugal tem também passado pelo equilíbrio entre funcionários de ambos os sexos, diferentes religiões ou políticas, sendo que atualmente cerca de 49% dos trabalhadores da Europcar são mulheres.

Quando se trata de procurar novos colaboradores, a rent-a-car tem privilegiado os jovens recém-licenciados, de preferência sem experiência na área comercial. Dá-se preferência a quem demonstre competências como a facilidade e capacidade de comunicação com diferentes públicos e o conhecimento de línguas – no mercado português o mandarim, por exemplo, começa a ser uma língua já importante, bem como o alemão.

Margarida Pereira, Bairro Alto Hotel

No Bairro Alto Hotel, em Lisboa, o “capital humano” também é valorizado pois “acreditamos que a qualidade de serviço que prestamos aos nossos clientes é o objetivo principal numa unidade de cinco estrelas”, sublinha Margarida Pereira, responsável pela direção de recursos humanos do hotel. E é por isso que aqui se promove o espírito de equipa, a comunicação, a sinergia entre as forças individuais, a lealdade e a confiança mútua, explica a mesma responsável, “para, em conjunto, prestarmos um serviço de excelência”. Isto porque a satisfação e a motivação de um colaborador se reflete, necessariamente, na satisfação dos clientes.

Também no cinco estrelas lisboeta, o colaborador é o elemento mais importante para o sucesso da unidade e, por isso, além da unidade incentivar o desenvolvimento profissional e pessoal, promove um bom ambiente de trabalho, seguro e saudável, boas condições contratuais e salariais, e outros benefícios que incluem seguro de saúde, prémios de incentivo e desempenho ou protocolos com diversas instituições. E, frisa Margarida Pereira, “acreditamos que temos uma boa taxa de retenção de talentos”, sendo que atualmente, os efetivos da hotel representam cerca de 56% da equipa, constituída por um total de 67 colaboradores. As maiores dificuldades de recrutamento sentidas no Bairro Alto Hotel relacionam-se com as áreas de F&B e Housekeeping.

Nesta unidade considera-se que “as competências comportamentais são tão importantes como as técnicas”, afirma a responsável, Pelo que, sublinha, “ambas têm o mesmo peso quando estamos numa situação de avaliação e seleção de candidatos, bem como na avaliação de desempenho dos colaboradores”. Também aqui a formação é uma forte aposta, tanto a nível interno como externo. A formação interna passa pelo acolhimento e integração de novos colaboradores e estagiários, situações de transferência interna de colaboradores e também Gestão de Qualidade. Com a formação externa, o Bairro Alto Hotel pretende garantir o desenvolvimento de competências técnicas, a formação constante de colaboradores no âmbito da saúde, segurança e prevenção de incêndios. Há ainda um investimento na formação mais específica, como nas áreas de Yield & Revenue Management ou Vinhos.

Joana Ferreira, Vila Galé

Na Vila Galé o mantra é “Sempre perto de si” e assenta em sete eixos – atrair, integrar, retribuir, desenvolver, motivar, avaliar e comunicar. “Cada um destes eixos é mais uma forma de estarmos mais perto dos nossos colaboradores, valorizando-os e dignificando o seu trabalho no grupo para que, por sua vez, possam estar mais perto dos nossos clientes”, explica Joana Ferreira, do departamento de Recursos Humanos da cadeia hoteleira. Considerada uma das 100 melhores empresas para trabalhar em 2016, de acordo com uma análise da consultora Everis, da AESE e da Revista Exame, a par das soft skills, a Vila Galé privilegia, sobretudo, a disponibilidade para aprender e crescer na empresa, a formação na área ou, por exemplo, o domínio de línguas. Numa lógica de progressão de carreira, as vagas que vão surgindo são, primeiro, comunicadas internamente.

A responsável admite que a nível de recrutamento, “não existe propriamente uma área em que sintamos dificuldades”, já que dispõem dos meios internos para suprir essas necessidades. E exemplifica com a iniciativa “Traz um Amigo Também”, que funciona através de recomendações, ou o Programa 365º, que permite a candidatos internos e externos estagiarem em todas as áreas operacionais da cadeia, ao longo de um ano. No caso dos trabalhadores com um vínculo de trabalho precário, é-lhes entregue um guia de acolhimento. Embora Joana Ferreira esclareça que, “no dia-a-dia e na aplicação das normas internas, não há diferenciação entre colaboradores permanentes e temporários”, sendo que, existe, inclusive, a possibilidade de integrarem os quadros.

Victor Vale, TAP

E as histórias repetem-se. “Damos sempre oportunidade às pessoas que já cá estão”, refere Victor Vale,
diretor de recursos humanos da TAP. E vai mais longe: “Numa empresa tão grande existem, naturalmente, talentos espalhados”, defende, acrescentando que, anualmente, entre 70 a 100 contratados passam por diferentes áreas dentro da empresa. Só no passado, a nível de admissões, a TAP recrutou 309 pessoas e, já em 2017, foram contratados cerca de 30 novos colaboradores, sobretudo em Portugal mas também no exterior; a maioria para as funções de pilotos, comissários e assistentes de bordo, mas também para pessoal técnico e de manutenção. No que diz respeito à mobilidade interna, Victor Vale refere que, em 2016, houve 71 mudanças dentro da própria companhia, de diferentes áreas, desde profissionais que foram de uma área de manutenção para a comunicação interna, da área dos recursos humanos para comissários de bordo. Uma vez esgotadas todas as hipóteses internas, transferem a responsabilidade de recrutamento a headhunters. Ou ainda anúncios em plataformas online, publicações especializadas em recrutamento e empresas de trabalho temporário.

Uma vez recrutados, há que os manter e aqui, “a responsabilidade das empresas é tornar o ambiente capacitante para que as pessoas se possam motivar”, esclarece o responsável da TAP. Isso pode passar por salários, condições de trabalho, higiene e segurança, mas também por elementos como aqueles que encontramos na transportadora área nacional: um clínica médica, por exemplo, à qual os colaboradores têm acesso a um custo simbólico; um infantário aberto todos os dias do ano, 24 horas por dia que, neste momento, tem cerca de 400 crianças; um ginásio; um Clube TAP com papelaria, cabeleireiro, entre muitas outras condições que acabam por marcar a diferença, reconhece Victor Vale.

No PortoBay Hotels & Resorts, onde atualmente trabalham 835 colaboradores, em Portugal, com exceção da
região do Algarve, onde a sazonalidade continua a ser mais acentuada e, por isso, requer um maior recurso a trabalhadores temporários, as equipas são, maioritariamente, constituídas por colaboradores do quadro. “A nossa preferência está claramente na manutenção de um quadro estável de colaboradores”, garante Teresa Rodrigues, diretora de recursos humanos do grupo português, embora sublinhe que “os colaboradores temporários são tão importantes e necessários como qualquer outro colega”.

André Eira, Nortravel

A Nortravel tem também insistido em contratualizar vínculos com um prazo alargado. “A nossa taxa de rotatividade é bastante baixa”, constata André Eira, diretor financeiro do operador turístico, sublinhando que há ainda quem lá trabalhe desde a data de fundação do operador turístico. O responsável faz questão de frisar que “os nossos colaboradores são a espinha dorsal da empresa”, o seu principal ativo, pelo que a política é “valorizar os recursos humanos”. Como? Motivando-os, não só através da constante atribuição de novos desafios e responsabilidades, como também através de atribuição de ‘fringe benefits’. André Eira reconhece porém a dificuldade que resulta da sazonalidade da operação. “Manter uma equipa oleada e formada para dar resposta às necessidades da época alta cria sobre-dimensão durante o período baixo”, admite, acrescentando que, desse ponto de vista, “o trabalho temporário tem algumas vantagens”. Mas logo realça que estas vantagens são “facilmente suplantadas pelo facto de conseguirmos manter em permanência uma equipa coesa, experiente e bem formada, que nos garante um serviço de qualidade e de excelência”, concluindo que “com o trabalho temporário, não o conseguiríamos”.