Por João Ferreira da Silva, Growth Manager da cleanup
O setor do turismo em Portugal é, desde há vários anos, um dos pilares fundamentais da economia nacional. Segundo dados do INE, em 2023 o turismo teve um peso de 12,7% no PIB nacional, gerando 33,8 mil milhões de euros. No entanto, enquanto o foco mediático tende a destacar o impacto das grandes ondas de turistas internacionais, existe um segmento frequentemente negligenciado, mas crucial para o crescimento sustentável do setor hoteleiro: o turismo doméstico. Compreender e valorizar esta realidade é uma oportunidade por explorar e que os gestores da hotelaria devem capitalizar.
o turismo doméstico representa, aproximadamente, 75% dos gastos com turismo em todo o mundo
Os dados globais indicam que o turismo doméstico representa, aproximadamente, 75% dos gastos com turismo em todo o mundo (“The state of tourism and hospitality 2024”, McKinsey&Company). Em Portugal, esta tendência ainda não se verifica, tendo o turismo doméstico representado apenas 30,2% das dormidas em 2023, num total de 23,3M de dormidas (fonte: Turismo de Portugal). Desde 2020, de acordo com dados do Turismo de Portugal, o turismo doméstico cresceu 71,5% em termos de dormidas, ao passo que as dormidas de turistas internacionais cresceram 341,5%.
A pandemia evidenciou o valor do turismo doméstico, à medida que as fronteiras se fecharam e os portugueses foram incentivados a redescobrir o seu país, mas Portugal continua ainda a depender muito do turismo internacional. Em 2020, o turismo doméstico foi responsável por 53% das dormidas registadas em Portugal (13,6M dormidas). Contudo, à medida que as restrições globais foram levantadas, Portugal voltou a depender fortemente dos mercados internacionais, como os Estados Unidos, Reino Unido, França, Espanha e Alemanha, que são os principais emissores de turistas para o país (fonte: INE).
por que é que os portugueses optam por destinos internacionais ao invés de escolherem Portugal para as suas férias? E o que é que pode ser feito para inverter esta tendência?
A verdade é que, durante a pandemia, de norte a sul de Portugal e ilhas, os destinos nacionais experimentaram uma revitalização impulsionada por uma crescente procura interna. Contudo, esta realidade não deve ser vista apenas como uma resposta temporária a uma crise global, mas sim como uma oportunidade estratégica de longo prazo. Há também uma questão que se impõe: por que é que os portugueses optam por destinos internacionais ao invés de escolherem Portugal para as suas férias? E o que é que pode ser feito para inverter esta tendência?
A preferência pelos destinos internacionais
A escolha dos portugueses por destinos internacionais é motivada por vários fatores. Em primeiro lugar, há uma perceção de que uma viagem ao estrangeiro oferece uma experiência mais diversificada e enriquecedora, dando resposta ao desejo de explorar novos ambientes e culturas.
Destinos como Espanha, França, Itália, e até países fora da Europa, como Marrocos e Brasil, têm atraído os portugueses pela sua oferta diversificada, que muitas vezes inclui uma combinação de praias, cultura e aventura (Turismo de Portugal; “Travel Trends 2024”). Além disso, a sazonalidade também desempenha um papel importante, uma vez que muitos portugueses procuram destinos com clima mais quente durante o inverno, como ilhas tropicais ou países no hemisfério sul.
A popularidade crescente dos voos low-cost e a proliferação de pacotes turísticos acessíveis tornaram algumas viagens internacionais tão ou mais baratas que uma estadia prolongada em Portugal. Por exemplo, uma viagem para um destino europeu como Barcelona ou Roma pode ser mais barata do que uma estadia de igual duração no Algarve durante a época alta.
Competir com destinos internacionais
Para competir com os destinos internacionais preferidos pelos portugueses é fundamental igualar a oferta e criar produtos turísticos que atendam aos mesmos critérios de qualidade, diversidade e preço que fazem os portugueses optar por destinos internacionais. Por exemplo, muitos portugueses são atraídos pela combinação de cultura, gastronomia e clima ameno que encontram em Itália. Portugal pode criar produtos turísticos semelhantes, combinando visitas a regiões vinícolas com experiências culturais e gastronómicas em cidades próximas.
é fundamental igualar a oferta e criar produtos turísticos que atendam aos mesmos critérios de qualidade, diversidade e preço que fazem os portugueses optar por destinos internacionais
Outro exemplo é o turismo de natureza e aventura, um setor que tem atraído turistas portugueses para destinos como os Alpes Suíços ou os parques nacionais da Noruega. Para igualar esta oferta, Portugal deve promover mais os seus parques naturais, como o Parque Nacional da Peneda-Gerês, Serra da Estrela ou Serra de S. Mamede, e criar rotas de caminhada e cicloturismo bem sinalizadas, acompanhadas por alojamentos ecológicos, operadores especializados e experiências sustentáveis. Os Passadiços do Paiva são um bom exemplo de uma atração que tem sabido promover-se no contexto nacional. Neste âmbito, valorizar atividades aquáticas também é fundamental, aproveitando a extensa linha de costa do nosso território continental, bem como os diversos rios que atravessam o nosso país.
Outra forma de competir com destinos internacionais na hora de os portugueses tomarem uma decisão quanto ao local das suas férias é criar pacotes turísticos integrados para viajar dentro de Portugal. Este tipo de propostas, que agregam estadia, restauração, atividades culturais e de lazer, podem dar resposta a uma das componentes da tomada de decisão, o preço, e devem ser articulados com operadores turísticos, agências de viagens, hotéis, restaurantes, empresas culturais e até empresas de transportes.
Exemplo de sucesso: o caso dos Açores
A Região Autónoma dos Açores tem-se promovido como destino turístico de forma bastante eficaz ao longo dos últimos 15 anos, com foco na sustentabilidade, na natureza e na autenticidade. O posicionamento do arquipélago tem sido o de um destino de turismo sustentável, com um grande foco na preservação ambiental e na oferta de experiências ligadas à natureza e ao turismo de aventura.
De acordo com dados do Serviço Regional de Estatística dos Açores (SREA), em 2010 o no de dormidas do Turismo nos Açores foi de 1,03M, em 2016 esse valor ascendeu a 1,54M e em 2023 cifrou-se em 2,11M. Em pouco mais de 10 anos, a região autónoma dos Açores duplicou o número de dormidas do Turismo, cimentando-se como um local de culto tanto para viajantes nacionais como internacionais.
Para esta evolução muito contribuiu a liberalização do espaço aéreo, com o início da operação das companhias low-cost, mas também a promoção dos Açores como destino turístico de eleição pelas singularidades que indiquei acima. A conquista de várias distinções a nível nacional e internacional conferiram também um selo de qualidade ao arquipélago, que serviu de fator de atração na hora dos viajantes escolherem um destino para as suas férias.
Os Açores foram distinguidos como um dos destinos mais sustentáveis do mundo pela EarthCheck e pelo Global Sustainable Tourism Council, sendo o primeiro arquipélago do mundo com a certificação de “Destino Turístico Sustentável”. Também a prestigiada National Geographic destacou os Açores na categoria “Natureza”, enquanto que a Organização Mundial do Turismo premiou a Madalena do Pico como uma das “Best Tourism Villages”. Já este ano, a Região Autónoma dos Açores renovou o galardão Quality Coast, prémio internacional atribuído pela Green Destinations, que distingue a qualidade ambiental costeira para um turismo sustentável.
Em termos de campanhas de Marketing e parcerias, o governo regional, juntamente com entidades como a Associação de Turismo dos Açores (ATA), tem investido em campanhas de marketing direcionadas para mercados internacionais e nacionais. Utilizam slogans como “Açores: Certificado pela Natureza” (2015), “Descubra os Açores” (2018) e “Nine Islands, One Azores (2020), para sublinhar a sua oferta única de paisagens intocadas, sustentabilidade, experiências ao ar livre, contacto com a natureza e biodiversidade rica, sem esquecer também a mobilidade inter-ilhas.
Nos últimos anos, houve um investimento significativo na melhoria das infraestruturas turísticas, como aeroportos, hotéis e serviços de transporte. Além disso, a já mencionada liberalização do espaço aéreo em 2015 facilitou o acesso aos Açores, resultando num aumento substancial de turistas, tanto nacionais como internacionais.
Para além do turismo de natureza, os Açores têm promovido outras áreas como o enoturismo, a gastronomia e o turismo de saúde e bem-estar, atraindo diferentes perfis de turistas. Segundo dados do SREA, os proveitos dos Açores com o Turismo cifravam-se nos 48,9M€ em 2010 e em 2016 atingiram os 70,6M€. Após um decréscimo natural durante a pandemia, em 2022 a região recuperou para valores acima da pré-pandemia (128,1M€ vs 104,5M€ em 2019) e em 2023 os proveitos dos Açores com o Turismo chegaram a um valor recorde de 158,5M€.
Mitigar a sazonalidade
Promover o turismo doméstico pode também ser uma solução eficaz para combater a sazonalidade que afeta muitas regiões portuguesas. Uma forma de mitigar este problema é explorar o conceito de “bleisure” (a combinação de negócios e lazer) e o turismo para trabalhadores remotos.
Com o aumento do trabalho remoto, Portugal tem uma oportunidade única para atrair profissionais que desejem trabalhar em ambientes atrativos e de alta qualidade de vida
Com o aumento do trabalho remoto, Portugal tem uma oportunidade única para atrair profissionais que desejem trabalhar em ambientes atrativos e de alta qualidade de vida. Programas que incentivem estadias mais longas em regiões como as ilhas ou o interior do país podem ajudar a distribuir o fluxo turístico de forma mais equilibrada ao longo do ano.
Além disso, investir em infraestruturas digitais de alta qualidade e criar espaços de co-working em destinos turísticos pode tornar Portugal um destino ideal para o turismo de trabalho remoto. Regiões como a Madeira e os Açores já estão a começar a explorar este potencial, oferecendo pacotes para trabalhadores remotos que incluem alojamento, espaços de co-working e atividades ao ar livre.
A oportunidade para os gestores hoteleiros
Para os gestores de hotéis, a adaptação às necessidades e desejos do turista doméstico é uma questão muito importante. Os portugueses estão cada vez mais exigentes e dispostos a investir em estadias que ofereçam conforto, exclusividade e, sobretudo, uma ligação autêntica com a cultura e tradições locais. Aqui reside a grande oportunidade: capitalizar esta tendência através da personalização das ofertas, de modo a criar experiências que falem diretamente ao coração do turista nacional
.
Além disso, o turismo regional desempenha um papel vital na desconcentração do fluxo turístico dos destinos mais procurados, como Lisboa, Porto e Algarve, para outras áreas menos exploradas, mas igualmente ricas em património e beleza natural. Regiões como o Alentejo, o Douro ou a Costa Alentejana têm-se destacado como destinos emergentes, oferecendo experiências que aliam tranquilidade, enoturismo, gastronomia local e património cultural. O crescimento destas áreas não só promove a sustentabilidade do setor, ao aliviar a pressão sobre os destinos saturados, como também contribui para a economia local, criando empregos, dinamizando comunidades e divulgando produtos regionais.
muito importante investir em campanhas de marketing dirigidas ao público nacional, sublinhando as particularidades únicas que cada destino tem para oferecer
Os gestores de topo no setor da hotelaria devem, portanto, adotar uma abordagem estratégica e visionária. É muito importante investir em campanhas de marketing dirigidas ao público nacional, sublinhando as particularidades únicas que cada destino tem para oferecer. Mais do que um mero apelo ao patriotismo, estas campanhas devem ser construídas sobre a ideia de que o turismo doméstico pode ser tão sofisticado e enriquecedor quanto qualquer viagem internacional.
A comunicação do destino “Portugal” deve destacar experiências únicas que não podem ser replicadas no estrangeiro, como a autenticidade das tradições regionais, a qualidade do nosso vinho, as experiências na natureza ou a singularidade de paisagens naturais como o Douro Vinhateiro, a Ria Formosa ou a Serra da Estrela.
a adaptação da oferta para o turismo doméstico não deve ser apenas uma resposta reativa, mas parte integrante de um plano de negócios abrangente
Por outro lado, a adaptação da oferta para o turismo doméstico não deve ser apenas uma resposta reativa, mas parte integrante de um plano de negócios abrangente. Os hotéis devem investir em infraestruturas que atendam às necessidades deste segmento – como pacotes familiares, promoções de fim-de-semana, experiências que incluam atividades locais e promoção de produtos regionais – enquanto permanecem atentos à sazonalidade, que pode ser mitigada através da atração de turistas internos em períodos tradicionalmente mais fracos.
Uma campanha de marketing estratégica que promova a diversidade de experiências nacionais – desde o enoturismo no Douro, ao surf na Costa Vicentina, passando pelas aldeias históricas de Trás-os-Montes – pode ajudar a mudar a perceção de que o turismo nacional é menos diversificado ou interessante do que o internacional.
Além disso, é importante aumentar a oferta de pacotes que tornem o turismo interno mais acessível. Hotéis, operadores turísticos, restaurantes e entidades culturais devem criar ofertas integradas que combinem estadias com experiências locais autênticas, desde visitas a vinhas, aulas de culinária, tours culturais e passes para museus e edifícios históricos.
Em suma, o turismo doméstico apresenta um potencial tremendo para o futuro do setor hoteleiro em Portugal. Cabe aos responsáveis da hotelaria reconhecer esta oportunidade e direcionar os seus esforços para criar uma oferta que cative este público, garantindo assim a sustentabilidade e prosperidade do setor a longo prazo. Apostar no turismo doméstico não é apenas uma opção, é uma estratégia sagaz que pode assegurar a estabilidade num cenário global de grandes incertezas.