Opinião: “A Taprobana”

Dia 10 de julho de 2016. Estádio de Saint-Denis. Final do Campeonato da Europa 2016 – Portugal contra a França. Minuto 108. Éder marca o primeiro e único golo da partida. O estádio treme. Treme pelos gritos de loucura, pelos saltos, pelas lágrimas, pela felicidade e êxtase de 20 mil portugueses presentes. E também treme pelas outras 60 mil almas, pelo medo, pelo fantasma da derrota, pela sobranceria deitada por terra e pelo silêncio humanizado pela cor azul nessa noite. Foi assim. Eu estava lá. Eu vi. Eu senti.
Nos muito poucos espaços de descanso que se conseguiram nos últimos 12 minutos infernais, os meus pensamentos voavam para a nossa história. Para os momentos de glória da nossa nação. Para os feitos inalcançáveis de todos os nossos heróis. Para aquilo que nos instruem durante toda a vida e que todos queremos ou gostaríamos de ser em algum momento da nossa curta existência. Os minutos passavam devagar e inevitavelmente devolviam-me de regresso ao jogo e à realidade. Quantas vezes estivemos lá quase? Quantas vezes saímos com vitórias morais? Quantas vezes dissemos que fica para a próxima?

Pessoalmente perdi a conta. Sempre foi assim a nossa história. E sempre nos resignamos. Desculpamo-nos com o fado. E pronto.
Mas naquela noite, não.
No preciso momento do apito final iludimos a história. Trocámos-lhe as voltas, tal como Adão frustrou o seu criador quando fugiu com o seu bem mais precioso – Eva – para a Taprobana. Enganámos o mundo que dificilmente nos via como favoritos. A Seleção enganou o mundo. E, de alguma forma enganou também muito portugueses.
Nessa noite a Seleção mostrou ao povo português que ninguém ganha sem ser pragmático. Ninguém ganha sem espirito de equipa. Sem sofrimento e esforço. Ninguém ganha deitando abaixo melhor jogador da seleção e o seu Capitão. Ninguém ganha deitando abaixo um “patinho-feio”, como foi apelidado o herói do remate vitorioso. A Seleção iludiu quem achava que não era assim. Foram os Adões na Taprobana, pois quiseram mais que todos os outros. Poder.
Mais que uma vitória em campo, os portugueses assistiram a que podemos não ter os melhores jogadores da Europa. Que a nossa equipa tem limitações. Que o nosso capitão Cristiano não tem paralelo. Que os mal-amados “Éderes” da vida são tão importantes numa equipa como um Ronaldo. E assim, a lição tremenda desta nossa Seleção ajude, pela via do exemplo, que para se passar para além da Taprobana é preciso mais que vencer Adamastores. É preciso vencer aqueles que ao verem as caravelas partir, já vão derrotados.