Opinião: “Alojamento Local e Sustentabilidade: uma oportunidade para a transformação”
Por Filipa Leitão de Aguiar, vice-presidente da ALEP (Engenheira do Ambiente)
Observa-se uma preocupação crescente, por parte dos viajantes, com as questões de sustentabilidade. O Sustainable Travel Report 2024 da Booking.com refere que oito em cada 10 viajantes (83%) consideram importante viajar de forma sustentável, e 73% manifestam a intenção de o fazer nos próximos 12 meses. A maioria deseja causar um impacto positivo nos destinos, reconhecendo que se tornam melhores versões de si próprios quando viajam de forma responsável, procurando experiências mais autênticas e personalizadas. Estes dados sublinham a importância de integrar práticas sustentáveis nos alojamentos.
Atualmente, os turistas procuram mais do que visitar monumentos ou desfrutar das nossas praias: querem criar ligações emocionais com os locais que visitam. E Portugal tem uma vantagem única — distingue-se pela riqueza da sua história, tradição, gastronomia, vinhos e natureza. Experiências personalizadas, como aulas de culinária, imersões culturais ou rotas históricas, estão a tornar-se motores essenciais do turismo e, ao mesmo tempo, fortalecem as economias locais.
no Alojamento Local (AL), há desafios concretos: a gestão de tempo, o investimento necessário e, em muitos casos, a resistência à mudança.
Todos os alojamentos desejam oferecer uma hospitalidade responsável — proporcionar conforto e qualidade, respeitando o ambiente e criando valor para a comunidade local. Contudo, no Alojamento Local (AL), há desafios concretos: a gestão de tempo, o investimento necessário e, em muitos casos, a resistência à mudança. Além disso, os selos de certificação existentes apresentam frequentemente uma complexidade técnica que não se ajusta à realidade dos microempresários deste setor.
Mas a sustentabilidade tem de ser mais do que um selo visualmente apelativo — deve ser uma cultura, um compromisso diário.
a sustentabilidade tem de ser mais do que um selo visualmente apelativo — deve ser uma cultura, um compromisso diário
Há pequenas ações com grande impacto, fáceis de implementar: medir o consumo energético, optar por fornecimentos de energia 100% renovável, substituir ameneties descartáveis por opções recarregáveis, substituição de lâmpadas por LED ou a troca de autoclismos e torneiras antigas por modelos mais eficientes com redutores de caudal.
A tecnologia também desempenha um papel fundamental. Termostatos inteligentes e sensores de humidade permitem reduzir o consumo de energia e água. A falta de informação acessível sobre práticas sustentáveis pode ser colmatada com guias digitais — ferramentas que fornecem recomendações locais, instruções de reciclagem e comunicação em tempo real, melhorando a experiência do hóspede e reduzindo a necessidade de materiais impressos.
Algumas medidas têm retorno financeiro imediato, outras exigem um maior investimento inicial, como a instalação de janelas eficientes, painéis solares, carregadores para veículos elétricos ou eletrodomésticos com melhor desempenho energético. No caso do Alojamento Local, esses investimentos, mais estruturais, enfrentam desafios adicionais devido à dificuldade de acesso a fundos de apoio por parte dos pequenos operadores exigindo investimentos iniciais desproporcionais, prolongando consideravelmente o retorno financeiro, dificultando a sua viabilização e consequentemente a aceleração da transição energética.
Para que o setor possa avançar neste caminho, é essencial garantir estabilidade e previsibilidade; no entanto, o clima instável e polarizado em que o Alojamento Local tem sido colocado nos últimos anos não tem favorecido decisões de investimento.
A ALEP tem, nos últimos anos, concentrado os seus esforços em criar essa estabilidade, assegurando que os titulares tenham as condições necessárias para investir em práticas mais sustentáveis. Com a relativa estabilidade alcançada através da mais recente versão da regulamentação do Alojamento Local, a associação está agora em posição de orientar a sua ação para apoiar o setor no alinhamento com as metas nacionais e internacionais de Turismo Sustentável.
A ALEP está a desenvolver um plano de formação específico para capacitar os titulares de AL, sendo a sustentabilidade um dos temas-chave
Recentemente, colaborou com o Turismo do Algarve na adaptação do selo “Save Water” ao Alojamento Local, promovendo a eficiência hídrica através da adesão à Plataforma de Monitorização. Assinou também um protocolo com a Câmara Municipal do Porto com vista à qualificação da oferta e criação de um modelo de equilíbrio sustentável do Alojamento Local na cidade.
Para que os operadores se sintam verdadeiramente preparados, a formação é um pilar essencial. Por isso, a ALEP está a desenvolver um plano de formação específico para capacitar os titulares de AL, sendo a sustentabilidade um dos temas-chave.
A procura por opções de viagem que respeitem o meio ambiente e as comunidades nunca foi tão elevada. A sustentabilidade deixou de ser uma escolha: é uma condição para a continuidade. É também uma oportunidade para criar valor, reduzir riscos, aceder a melhores condições de financiamento e conquistar novos mercados.
Existem já muitos projetos inspiradores no AL em Portugal — com modelos circulares, materiais ecológicos, produtos locais, integração comunitária e experiências educativas
Existem já muitos projetos inspiradores no AL em Portugal — com modelos circulares, materiais ecológicos, produtos locais, integração comunitária e experiências educativas. Estes exemplos guiam e inspiram quem está a começar.
O caminho da sustentabilidade não tem de ser complexo, nem reservado a grandes estruturas. No Alojamento Local, cada pequena ação conta. E quando muitos fazem um pouco, o impacto coletivo é significativo.
O Alojamento Local, pela sua natureza de proximidade, tem um papel fundamental na sensibilização e envolvimento dos viajantes, inspirando mudanças de comportamento durante e após a estadia. Na ALEP acreditamos que o sector do AL pode dar um grande contributo a transformação – precisamente por ser um setor próximo das comunidades e viajantes, com a agilidade, criatividade e autenticidade que este desafio exige.
Este artigo foi publicado na edição 353 da Ambitur.