Opinião by Maria José Silva: E depois da crise?

Por Maria José Silva, CEO RAVT*

Primeiro temos a crise sanitária a resolver que salvar vidas que não se podem recuperar é o urgente, e depois então a crise económica que será sem precedentes até porque nunca se passou por nada assim, quanto mais não seja pela sua abrangência mundial e por vivermos circunstâncias geopolíticas muito distintas de outras pandemias, ou guerras ou crises.

Acredito que após esta primeira etapa de crise em combate a um inimigo quase invisível, teremos uma outra crise, a económica, uma que perdurará mais tempo. O setor do turismo é dos mais afetados e assim continuará uma vez que vive com margens muito pequenas, necessita de grande cash flow que não está a existir e não o terá tão depressa. O setor é composto na maioria por micro e pequenas empresas que se, por um lado, são mais flexíveis, ágeis de estrutura para tomarem medidas e com mais celeridade, também são mais frágeis, com menos poder financeiro, sem conseguirem acessos a medidas de ajuda ou lay-offs por não conseguirem cumprir vários parâmetros que exigem.

A sociedade será outra após tudo isto, com desemprego, redução salarial, lay-off, baixas, será uma fase de menor capacidade financeira e menor vontade de correr riscos seja lá de que natureza forem. Existirá menos confiança para se lançarem destinos que podem ficar mais abalados em estruturas e capacidades, mesmo que os consigam operacionalizar, a confiança do cliente estará abalada e, como vimos na crise 2008 e 2009, as pessoas preferiam fazer viagens curtas em trajeto e em duração de estada, para destinos mais seguros na sua perceção. Existirão menos rotas a implementar até porque a reconstrução do que quer que seja se faz step by step, algumas rotas serão agora repensadas e reanalisadas, retiradas algumas que já antes pensavam fazê-lo, várias companhias aéreas se não existirem apoios e mudança de regras irão estar à beira de falência e sem capacidade nem para as operações, mesmo que as queiram colocar em operação. A hotelaria, se já antes estava a sofrer baixas ocupações, a necessitar algumas de reajustes na estrutura, nos espaços, a necessitarem a obras e até de recursos humanos qualificados, ficarão mais abaladas e algumas creio demorarão a reerguer-se. A banca não vai conseguir suportar o colosso que ficará a nível económico durante largos meses, pelo menos.

Contudo, o setor é dos que tem mostrado capacidade para se reconstruir, renovar e adaptar a uma enorme velocidade e com muita capacidade. O ser humano, depois de tanta pressão, necessitará de aliviar e mudar de ares, algo talvez bom para alimentar o turismo doméstico mais que externo. No incoming não me parece que, com países emissores principais até aos dias de hoje muito afetados, tenhamos a afluência dos últimos anos, pelas mesmas razões. Mas será um momento de muita instabilidade, volatilidade, incerteza, que obriga a repensar e a reinventar, a criar e aproveitar novas oportunidades. Isso é bom e necessário em tudo na vida, fazer sempre reflexão, introspeção, reajustes.

A aprendizagem para o mundo, com tanta dor e algo desta envergadura, será forte e abundante, revelam-se muitas verdades, debilidades, erros, necessidades. Mais do que nunca, com relações que sairão beliscadas pelas posturas e atitudes com poucos valores, muita ganância e egoísmo, os agentes passarão a escolher melhor os parceiros com quem vão trabalhar, não entrarem em loucuras de descontos e de facilidades extra para clientes que deixem as suas casas abananadas ao menor tremor, irão saber agora quem é quem e quem e como esteve quando mais necessitaram. Existirá uma limpeza de “lixo” e “ruído” a todos os níveis, por toda a cadeia de valor, por todos tipos de empresas, em todas as áreas, em todos os setores. Muitos players serão arrastados por outros e pelas circunstâncias e cairão. Porém quem se aguentar sairá mais forte do que nunca. Destes, os agentes com toda a certeza sairão dos mais fortes, porque estiveram ao lado dos seus clientes em todos os momentos, desdobraram-se no que podiam, deviam e não deviam para os ajudar e acalmar, têm mostrado, há décadas de tanta irregularidade pelo mundo, que já lhes conferiu mais experiência de sofrimentos, que são como o Bambu, abanam mas nunca caem e nem perdem as suas raízes, não perdem os seus valores, são de uma enorme resistência, flexibilidade, capacidade, resiliência que aqui não será diferente.

Demorará a reconstrução, talvez seja mais profunda do que noutras épocas de crises, mas sairemos mais ajustados e melhores. O sofrimento e a dor são as maiores e mais fortes lições de vida. E… eu acredito na humanidade, eu acredito na natureza, logo acredito que iremos reerguer-nos com toda a força, passo a passo, mais solidificados e mais conscientes do que nunca.

* A opinião foi solicitada por Ambitur.pt no âmbito de um conjunto de artigos que estamos a elaborar com empresários e responsáveis do setor sobre a atual situação que o país/mundo vice no âmbito do Covid-19.