Opinião: “De um Portugal paraíso a um Portugal inferno e o desgoverno da inexistente gestão pandémica”

Por Isabel Vaz Freitas, diretora do Departamento de Turismo, Património e Cultura da Universidade Portucalense

Ainda há bem pouco tempo Portugal marcava lugar no panorama internacional pelos bons motivos. País de clima acolhedor, seguro, diverso na sua paisagem e na sua cultura, com património identitário de grande relevo, vistas de lugares aprazíveis onde experiências culturais, vínicas, criativas se proporcionam a cada recanto. Um mar incrível, os rios e albufeiras plenas de encanto, o famoso vinho que cativa e surpreende… mensagens lindas, que realmente mostram o que somos e quem somos.

Mas, em poucos dias este paraíso transformou-se num verdadeiro inferno. Câmaras frigoríficas que guardam corpos que esperam destinos à porta dos hospitais, oxigénio que falha como se de um país de terceiro mundo se tratasse, hospitais em estado de catástrofe, doentes que saltam de hospitais para hospitais à procura da sobrevivência à morte, ajuda internacional por colapso interno, vacinas mal distribuídas ou outras que se perdem… Um sem fim de situações calamitosas que assolam a imprensa internacional e que em poucos dias nos levaram à ruína da imagem internacional de país acolhedor e saudável, bom para viver e visitar…

A ajuda internacional, é bem-vinda, claro, pois neste momento os nossos profissionais de saúde que trabalham diretamente ou indiretamente com a pandemia estão em plano burnout com turnos duplicados, com a presença da morte massificada, emocionalmente desgastados, longe das famílias a quem temem contaminar, desagaste absoluto que nos é verdadeiramente difícil imaginar. A ajuda internacional não é criticável, pelo contrário, é bem-vinda. Criticável é o desgoverno, a desorientação, o desnorteio a que chegamos. Criticável é a falta de gestão e de planeamento que deveria ter iniciado no verão e deveria ter sido reforçada no início do inverno, exatamente como muitos especialistas em infeciologia e outros de saúde pública clamavam, bradavam e gritavam, sem sucesso. Nada foi feito então. Pelo contrário, na expectativa do voto, abriu-se a quadra natalícia, as compras para a família, como se não vivêssemos em pandemia, as festas da passagem de ano passaram sem qualquer motivo para dramas, as escolas e universidades não fecharam pois não era necessário. Neste não era necessário nem dramático, afinal escondia-se a falta de programação para o ano letivo online e a teimosia de que o ensino é presencial. Nada contra o ensino presencial, todos os professores, onde me incluo, concordam que é o sistema ideal, associado, claro, às novas tecnologias das quais não será possível o afastamento, sob pena de continuarmos na senda do país mais pobre da Europa. Mas em pandemia, é necessário abandonar atitudes teimosas, inflexíveis, atitudes que se mantiveram apesar dos esforços enormes e múltiplos de pais e professores para criarem o melhor ambiente para os nossos estudantes. E os professores encontraram inúmeras soluções.

Não vamos lá com atitudes teimosas, nem vamos lá com uma continuidade de má gestão da pandemia. Nem vamos lá culpando, apenas, reforço, apenas a sociedade de má conduta. As pessoas entendem mensagens e a mensagem que passou em finais de dezembro e inícios de janeiro era de tranquilidade e não de descalabro. Quando nos disseram para recolher e que a situação era dramática, quando fecharam as escolas e universidades, a situação mudou. Estamos todos em casa como foi pedido. Cansados da pandemia, alguns a sobreviver à custa da solidariedade, mas estamos em casa. A mensagem foi entendida, mas o cansaço é muito, a pobreza aumentou significativamente e o futuro ainda não chegou…

E aqui chegamos ao inferno dantesco de uma imagem internacional, a imagem mais desastrosa, mais grave, mais nociva, com enorme impacto negativo para quem acredita que o turismo é e pode ser uma das grandes alavancas para o nosso país. Aqui chegamos a uma imagem de um país pobre, aflito, inseguro, caótico, reduzido à sua pequenez, onde nem as belas paisagens nem a sua cultura tão diversificada lhe vai valer no futuro próximo. Recuamos cerca de 30 anos, recuamos para a imagem de país na cauda da Europa. Será que vamos conseguir nos próximos tempos mudar esta imagem de terror que circula na Europa e nos meios internacionais? Só com muito, muito, muito esforço, não tenhamos dúvidas.