Por Luís Martins, Diretor de Operações da cleanup
Nos próximos anos, o ESG vai-se tornar um requisito essencial na atividade do setor da Hotelaria.
Regulamentações mais exigentes, e sanções pesadas para quem não as cumprir, pressionam o setor a agir. Mas o que é que será exigido aos Hotéis e aos seus fornecedores a partir do próximo ano? E como é que estes se podem preparar para esta transformação inevitável?
Um novo quadro regulatório
No setor Hoteleiro, a adoção dos critérios ESG é particularmente relevante, dado o impacto significativo que as operações de um Hotel têm no meio ambiente, na sociedade e na economia local.
A nível europeu, o Regulamento de Divulgação de Finanças Sustentáveis (SFDR) e a Diretiva de Reporte de Sustentabilidade Corporativa (CSRD) exigem que as empresas aumentem a transparência sobre os seus impactos ambientais e sociais. A partir de 2026, qualquer empresa que ultrapasse dois dos três critérios seguintes – 250 trabalhadores, 40 milhões de euros de volume de negócios ou 20 milhões de euros de ativo – terá de apresentar relatórios detalhados sobre sustentabilidade, alinhados com as normas da European Sustainability Reporting Standards (ESRS).
Adicionalmente, a proposta da Diretiva de Due Diligence de Sustentabilidade Corporativa (CSDDD) da Comissão Europeia irá impor obrigações mais rigorosas às empresas em relação à sua cadeia de valor. Isto significa que os Hotéis que trabalhem com fornecedores não alinhados com práticas sustentáveis poderão enfrentar desafios acrescidos. Desta forma, todas as empresas ligadas ao setor Hoteleiro terão de estar alinhadas com os critérios ESG.
Na área da Hotelaria e do Turismo em Portugal já se começam a ver algumas movimentações neste sentido. No ano passado, o Turismo de Portugal distinguiu um número recorde de 486 empresas turísticas pelo seu compromisso com práticas sustentáveis (fonte: Turismo de Portugal). Destas, 100 empresas receberam o selo “ESG Engaged”, enquanto 386 foram reconhecidas com o selo “ESG Committed”. Estas distinções refletem a implementação de medidas concretas e mensuráveis no âmbito da sustentabilidade.
Com o Programa Empresas Turismo 360º, o Turismo de Portugal visa promover práticas responsáveis nos pilares do ESG. Esta iniciativa conta com a Ferramenta Organizacional de Reporte da Sustentabilidade no Turismo (FOREST) para reportar e medir as ações que os stakeholders do setor estão a levar a cabo no âmbito do ESG.
Este é um passo fundamental tanto em termos de comunicação como de medição do impacto das ações implementadas por cada entidade do setor.
Além disso, Portugal tornou-se no primeiro país a estabelecer Observatórios de Sustentabilidade em todas as suas regiões turísticas. Esta rede de observatórios visa monitorizar o impacto económico, ambiental e social do Turismo, promovendo uma gestão mais eficiente e sustentável dos destinos. Ainda não está tudo feito no que respeita ao ESG na Hotelaria em Portugal, mas já está a ser feito algum caminho nesta área.
O impacto na operação dos Hotéis
Há quatro áreas que têm um grande impacto na operação dos Hotéis em termos de ESG:
1. Redução da pegada de carbono
A União Europeia tem metas ambiciosas para alcançar a neutralidade carbónica até 2050 e o setor Hoteleiro será chamado a contribuir. A curto prazo, espera-se que os Hotéis invistam em eficiência energética, energias renováveis e mobilidade sustentável para reduzir as emissões de CO2. Certificações como o LEED (Leadership in Energy and Environmental Design) ou o EU Ecolabel serão cada vez mais exigidas pelos clientes e parceiros de negócio.
Os Hotéis que cumprirem com estes requisitos poderão também ter acesso às linhas de crédito verde, ou seja, direcionadas para o financiamento de projetos sustentáveis e que contam com taxas de juros menores e prazos mais acessíveis.
2. Gestão eficiente da água e dos resíduos
A crescente preocupação com a utilização da água e a necessidade de reduzir desperdícios tornarão essencial a adoção de sistemas inteligentes para otimizar consumos. Tecnologias como sensores de fluxo, sistemas de reaproveitamento de água e a redução de plásticos descartáveis serão práticas cada vez mais valorizadas – e, em alguns casos, obrigatórias.
3. Transparência e comunicação
À Hotelaria não basta “parecer” ESG; é preciso ser. Os Hotéis não podem cair no erro de serem sustentáveis no discurso, mas as suas operações, na realidade, serem contrárias a isso.
E não basta adotar boas práticas – é fundamental também comunicá-las. Os hóspedes procuram Hotéis que demonstrem compromisso com a sustentabilidade. Relatórios de impacto ambiental e social, bem como certificações, como o Travelife, o Green Key, o selo de eficiência hídrica “Save Water” ou o Green Leaders do TripAdvisor, serão fatores determinantes na decisão de reserva.
Na Hotelaria, isto significa adotar práticas de transparência, conformidade com regulamentações e gestão de riscos e compliance. A proteção dos dados dos hóspedes também é uma preocupação crescente, exigindo-se que os Hotéis implementem medidas rigorosas para garantir a segurança da informação. A integridade nas operações e a prestação de contas são essenciais para construir e manter a confiança dos stakeholders, incluindo hóspedes, investidores e a comunidade.
4. Bem-estar dos colaboradores e condições laborais
As condições de trabalho no setor Hoteleiro estão sob escrutínio crescente, com foco na flexibilidade laboral, equidade salarial e diversidade. Iniciativas que melhorem a retenção de talento, como programas de formação contínua, política de benefícios e compensações e bancos de horas, ganharão cada vez mais importância.
Estas quatro áreas não têm apenas um impacto na operação do Hotel, mas também na forma como o Hotel é percepcionado pelos potenciais clientes. O Turismo sustentável tem atraído um número crescente de hóspedes que valorizam práticas ambientais conscientes. De acordo com um inquérito realizado pela Eurostars Hotel Company em 2022, 66% dos viajantes consideram o impacto ambiental dos Hotéis antes de fazer uma reserva. Já o estudo da Booking “Sustainable Travel Report”, de 2024, revelou que 75% dos entrevistados pretendem reservar alojamentos sustentáveis pelo menos uma vez no ano seguinte e 54% dos viajantes planeia usar meios de transporte mais sustentáveis.
Como preparar o futuro?
A pergunta já não é se os Hotéis devem investir em ESG, mas sim como podem fazê-lo de forma eficaz. Há cinco pontos que considero muito importantes para a estratégia de ESG:
1. Avaliação do impacto ESG atual
Antes de implementar mudanças, é essencial conhecer o ponto de partida. Realizar uma auditoria permitirá identificar áreas críticas e definir prioridades. Ferramentas como a Global Sustainable Tourism Council (GSTC) são muito úteis para orientar esta análise.
A análise das métricas, através de auditoria interna, deve ser feita regularmente, para mensurar o impacto das medidas tomadas e atuar de acordo com os resultados. Para isso é fundamental que haja registos e análises dos consumos. Atualmente isto ainda é, genericamente, feito de forma muito manual e, por isso, é algo que ainda consome muito tempo aos Hotéis.
2. Definir uma estratégia de longo prazo
A sustentabilidade não é um projeto de curto prazo, mas sim uma jornada contínua. Os Hotéis devem criar um plano de ação ESG com metas claras e mensuráveis para os próximos cinco a dez anos.
Em Portugal, a BCSD Portugal criou uma ferramenta de uso gratuito, que vai ter um protocolo com a Associação da Hotelaria de Portugal, para que as empresas possam medir o grau de maturidade das suas cadeias de valor ESG e começar a estabelecer metas.
Um bom exemplo de estratégia a longo prazo é o do grupo Accor, que foi o primeiro grupo Hoteleiro a medir a sua pegada ambiental, ao estabelecer o programa “Planet 21”. Este plano tem metas de sustentabilidade para todas as unidades do grupo e foca-se em áreas como a redução do consumo de água e energia e a promoção de práticas sustentáveis.
Para auxiliar neste processo, existem outras ferramentas e modelos que podem ser adotados:
– Certificações de Construção Sustentável: Para novos empreendimentos ou renovações, certificações como a LEED, BREEAM (Building Research Establishment Environmental Assessment Method) e EDGE (Excellence in Design for Greater Efficiency) asseguram que os edifícios são sustentáveis r promovem a eficiência energética e o respeito pelo meio ambiente.
– Ferramentas de Gestão de Sustentabilidade: Softwares especializados, como o Quentic ou a Noytrall, auxiliam na gestão de dados Ambientais, Sociais e de Governança, permitindo monitorizar de forma automática o desempenho e garantir a conformidade das métricas, reduzindo substancialmente o tempo utilizado na recolha e registo dos dados.
– Diretrizes de Sustentabilidade Hoteleira: O “Hotel Sustainability Basics” é um conjunto de indicadores globais que apresentam 12 medidas para a sustentabilidade no setor Hoteleiro. Desenvolvido pela indústria para a indústria, este guia serve como referência para Hotéis que desejam iniciar ou aprimorar as suas práticas sustentáveis.
Para além destes indicadores, a World Sustainable Hospitality Alliance introduziu um conjunto de métricas universais de ESG para impulsionar relatórios padronizados no setor.
3. Investir em Tecnologia
A digitalização e a inteligência artificial são ótimas aliadas numa gestão sustentável. Desde sistemas de otimização energética até plataformas que monitorizam o desperdício alimentar e a poupança de água, a tecnologia permitirá melhorar a eficiência e reduzir custos.
No plano dos investimentos, é fundamental priorizar a aquisição de equipamentos de última classe de eficiência e implementar sistemas de manutenção preventiva.
Investir em tecnologias verdes, como a instalação de painéis solares para o fornecimento de energia, a implementação de iluminação LED e de sistemas de controlo da iluminação, ou com sensores de presença ou com cartão-chave nos quartos, pode melhorar a rentabilidade a longo prazo, ao mesmo tempo que reduz o impacto ambiental. Outro ponto relevante é ter sistemas para controlo do ar condicionado, com sensores nas portas e nas janelas para os equipamentos se desligarem automaticamente. É fundamental investir na manutenção destes sistemas, para garantir que estão nas melhores condições, pois isso reduz muito os consumos.
Outro fator importante é o investimento num sistema de gestão inteligente da água, a instalação de torneiras e chuveiros economizadores de água e autoclismos de dupla descarga. Também na rega dos espaços verdes, que é algo que consome muita água, pode-se utilizar água tratada do próprio Hotel ou reaproveitamento de água das chuvas. Por fim, a instalação de pontos de carregamento elétrico no estacionamento potencia a atração de hóspedes com carros elétricos ou híbridos.
4. Envolver os hóspedes
A sensibilização dos clientes é uma peça fundamental, pois estes também fazem parte do circuito. Iniciativas como programas de incentivo à reutilização de toalhas ou à poupança de água, menus sustentáveis com produtos locais e experiências de voluntariado local reduzem o impacto ambiental e reforçam o posicionamento do Hotel junto dos consumidores.
Sobre este eixo, em conversa com Miguel Clemente, co-fundador da noytrall, uma plataforma que ajuda os Hotéis a terem uma gestão mais sustentável, indicou-me que a tendência é “gamificar” a colaboração dos hóspedes. Isto passa por, através de bonificações e ofertas, incentivar os hóspedes a também eles contribuírem para a sustentabilidade da sua estadia. Ou, no caso de estadias de grupo, promover uma “competição” entre os quartos da reserva para quem consumir menos água e energia receber um prémio.
As recompensas passam por ofertas ou descontos nos serviços do Hotel, seja no bar ou no spa, ou até numa próxima estadia, por exemplo.
O futuro é de quem lá chegar primeiro
O setor Hoteleiro enfrenta um ponto de viragem no que toca ao ESG. Nos próximos anos, o compromisso com estes indicadores de sustentabilidade será um requisito essencial para a operação e crescimento do negócio, e não apenas algo ligado à reputação sustentável de um Hotel. Os Hotéis que anteciparem a mudança e forem proativos terão uma vantagem competitiva significativa, garantindo a sua relevância num mercado cada vez mais exigente e consciente.