Opinião: “Falta de mão de obra ou falta de condições?”

Por Guilherme Brito de Matos, Sales Manager na IHCP – Marriott International.

Tenho lido várias vezes on-line que o setor do turismo está em crise e pensei para os meus botões que a COVID-19 ou qualquer outra pandemia tinha, do dia para a noite, voltado a atacar o planeta. No entanto, depois de abrir uma tão gritante manchete de um jornal online reparei que afinal a crise é na escassa mão de obra – que existe, mas diluiu-se noutros setores económicos com melhores condições.

[blockquote style=”1″]Ora, a falta de mão de obra já há muito que paira sobre o nosso sector – veja-se que há mais de 30 anos que se fala nisso no Algarve.[/blockquote]

Ora, a falta de mão de obra já há muito que paira sobre o nosso sector – veja-se que há mais de 30 anos que se fala nisso no Algarve. Já em Lisboa, desde os meus tempos de universidade, os professores gabavam-se que “temos das taxas de empregabilidade mais altas de todos os setores” e, nós enquanto estudantes com 18/19 anos, ficávamos de olhos arregalados e entusiasmados com a possibilidade de crescer na carreira, entrando pelos melhores hotéis do mundo adentro e tendo o mundo aos nossos pés. O que nunca nos foi dito é que é também o setor com os salários mais baixos.

Lembro-me do meu primeiro trabalho em hotelaria em 2014, enquanto ainda estudava, estava a trabalhar cerca de 12 horas por dia (devido à falta de staff já sentida na altura) e o meu primeiro ordenado foi à volta de 475€. Destaco que se trata de um hotel localizado no centro de Lisboa.

[blockquote style=”1″]Quase 10 anos passaram e quando falo com os poucos jovens que ainda querem trabalhar no sector percebo que os ordenados pouco aumentaram.[/blockquote]

Quase 10 anos passaram e quando falo com os poucos jovens que ainda querem trabalhar no sector percebo que os ordenados pouco aumentaram. Vejo que agora a maior parte dos salários ronda os 780€ que, depois de pagar o aluguer de um quarto no centro de Lisboa, sobram uns incríveis 250€.

Ou, voltando ao Algarve, colegas meus que lá trabalham e onde os seus chefes de “peito cheio” afirmam que pagam acima da média (portanto, um pouco mais de 1000€), tendo em conta que estes têm uma renda de 1200€ por um T2 a 30km do local onde trabalham.

No entanto não tenho lido só queixas, também leio artigos do patronato a dizer que vão aumentar salários de forma geral, que agora também oferecem outros benefícios, li até que muitas empresas subiram o salário de entrada para 900€ brutos ou seja 707€ líquidos. Fazendo as contas, temos funcionários a receber por mês o que muitos turistas pagam em 3 noites.

E qual está prestes a ser a solução encontrada para resolver este problema?

A criação de uma “via verde” para se facilitar a contratação em países da CPLP – que é como quem diz “continuar a pagar pouco”.

[blockquote style=”1″]Ou seja, a forma encontrada para combater a precariedade, os baixos salários, a falta de valorização, o emprego sazonal e todos os problemas estruturais do setor é contratar mão de obra pouco qualificada, que desconhece a realidade do nosso país e que está disposta a trabalhar por pouco dinheiro.[/blockquote]

Ou seja, a forma encontrada para combater a precariedade, os baixos salários, a falta de valorização, o emprego sazonal e todos os problemas estruturais do setor é contratar mão de obra pouco qualificada, que desconhece a realidade do nosso país e que está disposta a trabalhar por pouco dinheiro.

Por exemplo, em Angola, um país onde o ordenado mínimo é cerca de 32 181Kz ou, feito o câmbio, 75€, eu também ficaria contente se me acenassem com a possibilidade de vir para Portugal ganhar 900€ (brutos).

Atenção que não me oponho de todo a que façam isto, mas pergunto, vão pagar um subsídio de habitação a estes funcionários?

Vão apostar na formação destes funcionários?

E quando já não precisarem destes funcionários? O que lhes irá acontecer?

São precisas medidas para combater esta crise, mas não é tapando o buraco com mais areia que o vão conseguir fazer.

Sentem-se à mesa com sindicados, negoceiem com o Ministério da Segurança Social e do Trabalho medidas para aumentar salários, baixando alguns impostos e taxas, entre outras soluções. Estou certo de que se o patronato se unir na negociação o Estado terá que encontrar medidas para ajudar um sector que representa 15% do PIB.

Deixo as últimas recomendações para o patronato:

  • Valorizem e promovam os trabalhadores.
  • Qualquer salário abaixo de 1000€ limpos não é digno.
  • Ofereçam prémios a cada 4 meses para fidelizar trabalhadores.
  • Não procurem lá fora aquilo que existe cá dentro, mas se tiverem que procurar no estrangeiro lembre-se de oferecer condições dignas.