Opinião: “Humberto Delgado – O Aeroporto com medo”

Por Miguel Quintas

O alvoroço em torno da capacidade do aeroporto de Lisboa revela muito da nossa forma portuguesa de estar na sociedade. Falo em específico da simbiose estado e particulares. Este episódio vai acabar por ser mais uma crónica cujo desfecho já era conhecido há alguns anos, talvez mesmo desde a privatização da ANA em 2012. Confesso que é uma situação que me constrange enquanto português e por várias razões:

A primeira, pelo “lusitanismo” típico de deixar para a última hora o que se podia ter resolvido ontem;
A segunda, porque às entidades públicas e privadas a que tal decisão diz respeito ou afeta economicamente, apenas recentemente se têm levantado “vozes de tenor”. Até meados de 2016 não me recordo de ler ou ouvir praticamente nada a respeito. Foi uma timidez geral;

A terceira, porque existe um acordo entre o estado português e ANA/Vinci que define os critérios necessários para obrigatoriamente estudar uma expansão, alguns deles já amplamente ultrapassados. Ninguém se preocupou em assacar responsabilidades. E parece que finalmente tudo vai bem porque, agora sim, estamos a pensar em assinar acordos de entendimento para começar a solucionar o problema;

A quarta, porque todos gritam e ninguém tem um estudo digno desse nome, mesmo depois de já se terem gastos milhões de euros sobre se devíamos construir um aeroporto na Ota ou num “deserto”, sem pensar muito sobre o tema;

E finalmente a quinta, porque se falharmos nos tempos de construção/expansão de uma plataforma aeroportuária a culpa não vai ser de ninguém, já se sabe. No entanto todos, sem exceção, vamos ser prejudicados – públicos e privados.

A capacidade que temos de sacar da pistola da crítica e alvejar quem agora se atravessa à frente é fantástica, embora raramente nos perguntemos o que podemos fazer sobre isso. Tenho a certeza que quando, neste ano de 2017, ultrapassarmos a barreira dos 23 milhões de passageiros de capacidade máxima no aeroporto Humberto Delgado e tivermos turistas zangados, a ANA vai dizer que já tinha avisado. Os privados idem. O estado dirá que a culpa não é dele, porque existe algum contrato assinado em algum momento. Ninguém saberá exatamente a origem do problema, mas será nesse momento, quando soar o alarme de que os turistas (o nosso ganha-pão) estão frustrados e desencantados ao chegar ao nosso país, o botão “FAÇA-SE DEPRESSA” será pressionado. Com todos os transtornos que tal irá causar.

Para chegar ao tal máximo de 23 milhões de passageiros, será apenas necessário crescer metade do que se cresceu em 2016… e eu digo que vai acontecer.

Finalmente, há uma sexta razão que me incomoda neste processo. Todos os intervenientes diretos e indiretos neste tema já têm uma solução apontada sobre a questão do aeroporto. As variáveis estão lá todas: o espaço de estacionamento das aeronaves, a eliminação da pista 17-35, a extensão da zona de embarque, o handling, a rapidez na rotação de passageiros, estudos de impacto ambiental, etc. O que nos falta ainda para avançar e quebrar o medo da decisão?

Este artigo foi publicado na Edição 298 da Ambitur.