Marta Sotto-Mayor volta a oferecer aos leitores da Ambitur a sua coluna, onde aborda temáticas atuais do setor da Hospitalidade. A profissional conta com mais de 25 anos de experiência internacional, vários prémios e reconhecimentos ao longo da carreira. É graduada pela Escola de Hotelaria e Turismo do Porto em Gestão Hoteleira, obteve o Strategic Hospitality Marketing Certificate na Cornell University, e fez Licenciatura em Gestão Hoteleira no ISEC Lisboa – Instituto Superior de Educação e Ciências e Pós-Graduação na Glion Hotel Management School. Leia aqui mais um artigo.
Por Marta Sotto-Mayor, Formadora & Consultora Internacional – Especialista Hotelaria,
Turismo e Restauração
O livre-arbítrio é a capacidade humana de fazer escolhas de forma autónoma. No setor dos serviços, especialmente nas profissões do turismo, essa capacidade torna-se um ponto crucial de reflexão. Todos os dias, os profissionais da Hospitalidade têm um superpoder: decidir como irão atender, interagir e servir os clientes.
Mas surge uma questão inquietante: porque tantos optam por entregar um serviço mecânico e impessoal, em vez de proporcionarem uma experiência verdadeiramente humanizada e memorável?
Aponto três ingredientes que formulam a resposta: intenção, formação e motivação.
Tudo começa com a vontade própria, ou seja, decidindo que: não faço só o que o meu chefe pede… faço melhor!
A excelência no atendimento reside em algo aparentemente simples, mas profundamente complexo: empatia e assertividade. Estas capacidades, longe de serem meras palavras, representam um conjunto de comportamentos, com atos intencionais, baseados em boas práticas e competências. Desde logo é preciso treino e brio para se praticar a escuta ativa, adaptar as interações a cada cliente e manter um sorriso cordial ao longo de um turno de oito ou mais horas.
Não é novidade que a formação contínua em metodologias de inteligência emocional e a aplicação de técnicas de comunicação assertiva são soluções para reverter a tendência do serviço indiferenciado. Então qual é o motivo de tantos profissionais, munidos de intenção, conhecimentos, habilidades e ferramentas, não adotarem sempre uma abordagem mais atenciosa e personalizada? Será a pressão para acelerar, a falta de motivação ou a incapacidade de perceber o impacto emocional que um serviço humanizado tem?
Todos sentimos que as atitudes que suportam o serviço de excelência são vezes demais sacrificadas em prol de uma execução rápida e automatizada, sem qualquer valor emocional. A imposição de mais eficiência transforma os profissionais em “calhaus”. Não o são por falta de inteligência, mas pela ausência de cortesia e indiferença que acabam por demonstrar. O foco do negócio desloca-se, propositadamente, para a velocidade dos processos. Quando um check-in que passa de três para cinco minutos é considerado ineficaz, as interações tornam-se forçosamente mais mecânicas. O foco principal deixa de ser o cliente para se concentrar apenas na tarefa. Por outras palavras: toca a aviar.
A excelência no atendimento requer intenção, capacitação e incentivos, e a desculpa de que leva mais tempo a fazer melhor nem sempre é válida. Sorrir e olhar nos olhos cada cliente não acrescenta minutos ao processo e cria de imediato uma conexão positiva.
É reconhecido que a qualidade dos serviços nos EUA é melhor, em grande parte devido ao sistema de gratificações e prémios, que incentiva os profissionais a oferecerem um atendimento mais personalizado e atencioso, com o objetivo de garantir a satisfação do cliente e, consequentemente, uma recompensa financeira imediata. No contexto europeu, este tipo de incentivos é menos comum, e os profissionais não sentem de imediato benefícios ou vantagens.
Vivemos em 2024, e quer se queira quer não, a intensificação do imediatismo é inegável. Enquanto os hotéis e restaurantes ganham com melhor reputação, os colaboradores não sentem diretamente a sua recompensa, é necessário incentivar mais. A implementação de sistemas de partilha de resultados e/ou de compensações baseadas nos elogios dos clientes é chave para motivar os colaboradores e reforçar o interesse em oferecer um serviço mais humano e personalizado.
A Hospitalidade consistente não acontece nem por sorte nem por acidente – é uma escolha consciente que requer técnica, treino e tem de ser valorizada a todos os níveis. E a questão permanece: estamos prontos para fortalecer os nossos profissionais a escolherem servir de modo mais humanizado?
Para transformar verdadeiramente o setor da Hospitalidade e elevar o nosso destino ao mais alto nível da excelência, é essencial que cada profissional reconheça que o seu papel principal não é ser executor de tarefas. É ser o criador de interações positivas, daquelas que ficam na memória porque tocam emocionalmente cada cliente. Trabalhar com a mentalidade de “Para mim, faz toda a diferença a forma como te faço sentir, e o objetivo é sempre deixar-te melhor“.
Os mestres da Hospitalidade Danny Meyers e o Will Guidara sabem disso e mostram-nos o caminho. Recomendo vivamente a leitura dos seus livros, respetivamente, Setting the Table e Unreasonable Hospitality.
A excelência não é obra do acaso, mas sim uma escolha deliberada e constante. Estamos todos dispostos a fazer essa escolha, dia após dia? Até porque um bom dia, um obrigado, um sorriso ou um por favor, têm muito valor e ainda não pagam imposto.