Opinião: “O país que se tornou destino e que já não cabe nas fotografias”
Por Tiago Afonso Pais, General Manager Nau São Rafael Suites | Highgate | ADHP Board Member | Passionate Hotelier Level Up Always!
Entre o orgulho do sucesso e a urgência de reencontrar a alma portuguesa do turismo
Durante décadas, o Algarve foi a moldura dourada do imaginário turístico português: mar translúcido, areia infinita, peixe grelhado e um pôr do sol que parecia feito de luz líquida. Um cenário tão perfeito que acabou por engolir o próprio país, transformando Portugal num postal ilustrado que o mundo inteiro quis pendurar na parede.
O problema é que o postal, de tanto ser partilhado, começa a perder espaço para a realidade. O Algarve continua lindo, é certo — mas também cada vez mais saturado, mais caro, mais exausto. Portugal vende-se bem, talvez até bem demais, e quando todos querem comprar, o produto corre o risco de perder a alma.
“Vende-se Portugal como se fosse um segredo que todos já sabem. E quando todos sabem, o segredo perde o encanto.”
O turismo português é, ao mesmo tempo, uma história de sucesso e um espelho desconfortável. É a locomotiva económica que nos tirou da crise, a máquina de visibilidade internacional que nos colocou no mapa, o orgulho de um país que aprendeu a transformar hospitalidade em estratégia. Mas o sucesso, quando excessivo, tem um preço. As cidades enchem-se de visitantes, mas esvaziam-se de residentes. O número de dormidas cresce, mas também cresce a sensação de que estamos a dormir sobre o mesmo modelo de sempre. E por mais prémios que se acumulem, há perguntas que começam a incomodar: até onde é possível crescer sem romper o tecido social?
Quanto vale um destino que perde os seus habitantes?
No Algarve, este paradoxo é mais visível do que em qualquer outro lugar. A região que foi pioneira no turismo português é hoje uma síntese das nossas contradições. Continua a ser uma marca poderosa, admirada, reconhecida. Mas é também um território que procura reencontrar o equilíbrio entre o visitante e o residente, entre o negócio e a vida real. Há quem veja nisso um sinal de saturação; outros preferem chamá-lo de maturidade. A verdade é que o Algarve — e, por extensão, Portugal — está a chegar à idade em que o sucesso já não basta. É preciso sentido.
Seria injusto pintar apenas o lado sombrio. Há um Algarve novo a emergir, longe da espuma dos dias e das marés de agosto. O turismo de natureza e de interior começa a afirmar-se; o turismo regenerativo, que valoriza comunidades locais, ganha fôlego; e projetos de autenticidade estão a provar que há vida (e lucro) para além do sol e do mar. Há um novo discurso, mais maduro, que fala em equilíbrio, qualidade, sustentabilidade e, sobretudo, coerência. Porque um destino não se mede apenas pelo número de visitantes, mas pela qualidade de vida que oferece a quem o habita.
“Um destino não se mede pelo número de visitantes, mas pela qualidade de vida que oferece a quem o habita.”
Entretanto, o viajante do século XXI muda mais depressa do que as campanhas de promoção conseguem acompanhar. Já não procura apenas descanso — procura propósito. Quer sentir-se parte, não apenas espectador. O turista pós-pandemia viaja com consciência, escolhe com critério e, talvez o mais importante, foge daquilo que parece artificial. É um visitante que quer emoção, mas também ética; conforto, mas também verdade. E Portugal tem aqui uma vantagem preciosa: é genuíno por natureza. A nossa hospitalidade não é fabricada — é cultural. Só precisamos de a proteger do excesso de marketing.
Há algo de poético neste momento de transição. O turismo português, depois de anos a conquistar o mundo, precisa de se voltar a conquistar a si próprio. Durante tanto tempo vendemos o país como um destino ideal, que nos esquecemos de o olhar como um lugar real. É hora de equilibrar o fascínio pelo exterior com o respeito pelo interior — o interior geográfico e o interior humano. O futuro do turismo português não se escreverá em folhetos ou rankings, mas na forma como conseguimos preservar o essencial: a autenticidade.
Portugal tem de aprender a crescer para dentro, e o Algarve é o laboratório perfeito para isso. Um território que já provou tudo o que tinha a provar, e agora precisa de provar algo diferente: que o turismo pode ser regenerador, que o crescimento pode ser sustentável e que o sucesso pode coexistir com qualidade de vida. O desafio não é rejeitar o turismo, é reinventá-lo — deixá-lo respirar fora da temporada alta, fora das margens estreitas da oferta tradicional.
“O futuro do turismo não está em vender mais, mas em vender melhor. Menos entusiasmo cego, mais consciência lúcida.”
Porque, no fundo, o turismo não é apenas uma indústria — é uma linguagem que traduz o modo como um país se mostra ao mundo. E talvez Portugal precise de mudar o tom: menos entusiasmo cego, mais consciência lúcida. O futuro não está em vender mais, mas em vender melhor. Em vez de perseguir o recorde do ano seguinte, talvez devêssemos perseguir o equilíbrio.
Portugal continuará a ser bonito — e o Algarve, provavelmente, continuará a brilhar mais do que o resto. Mas a beleza, se não for cuidada, esgota-se. E a hospitalidade, se não for equilibrada, desgasta-se. O turismo não pode ser apenas uma vitrine: tem de ser uma casa onde os anfitriões também queiram ficar.
O país que aprendeu a receber o mundo talvez precise agora de aprender a receber-se a si mesmo. A redescobrir-se, a respeitar os seus ritmos, a proteger o que o torna diferente. O verdadeiro luxo do futuro não estará no resort, mas na simplicidade do que é verdadeiro — no peixe que ainda sabe a mar, na paisagem que ainda cheira a campo, nas pessoas que ainda dizem “bom dia” sem esperar nada em troca.
“O verdadeiro luxo do futuro não estará no resort, mas na simplicidade do que é verdadeiro.”
No final, o turismo português não precisa de mais filtros — precisa de mais verdade. O Algarve continuará nas fotografias, claro — mas o que realmente o fará eterno será o que as fotografias não mostram: o silêncio depois do pôr do sol, o riso de quem ali vive o ano inteiro, o sentido de pertença que nenhuma campanha consegue inventar. Talvez o futuro do turismo português seja, afinal, o regresso a casa.