Opinião: “O peso da TAP decorre de ser uma companhia com hub em Lisboa”

Por Pedro Siza Vieira, advogado sócio da PLMJ.
(Artigo publicado na edição 341 da Ambitur, dezembro 2022)

Em Portugal, o turismo representa cerca de 20% das exportações e 9% a 12% do PIB. Portugal é praticamente uma ilha, e tirando o caso de Espanha, a acessibilidade ao país depende da via aérea. O crescimento da nossa competitividade passa pela orientação para os mercados externos, e essa exige o reforço das ligações diretas ao resto do mundo. Ora, cerca de 75% dos visitantes que chegam a Portugal vêm por via aérea, e quase metade destes são transportados pela TAP.

Com a Covid, e TAP e as demais companhias de aviação ficaram imobilizadas e os respetivos Governos concederam subsídios para assegurar a sua sobrevivência. Nos Estados Unidos, cerca de USD 75 mil milhões de apoios; na Europa, praticamente todas as companhias foram apoiadas. O Estado procedeu à recapitalização da TAP, num montante de 3,9 mil milhões de euros.

A ajuda à TAP é questionada de várias perspetivas. Desde logo, fala-se de uma “renacionalização” da empresa, que havia sido privatizada e cujo capital voltou a ser detido quase a 100% pelo Estado. Ora, a TAP não foi “renacionalizada”. A entrada de fundos públicos obrigou a uma reestruturação imposta pela União Europeia, na qual os créditos concedidos pelo Estado foram convertidos em capital, diluindo significativamente os acionistas privados. Na TAP, o acionista privado – sem capacidade de acompanhar o investimento público, como todos os acionistas de companhias aéreas – não quis aprovar um plano de reestruturação cuja consequência seria a sua perda de controlo. Preferiu por isso transmitir o capital ao Estado em vez de aguardar pela sua futura diluição. Não houve por isso “renacionalização”, mas aumento de capital subscrito pelo Estado por conversão dos seus créditos e saída pactuada de um dos acionistas.

Há quem diga que não valia a pena evitar o desaparecimento da companhia. Ora, os países que concederam apoio público fizeram-no considerando o valor das mesmas, que no caso da TAP é particularmente significativo. O valor estratégico de uma empresa para efeitos de apoio público transcende o retorno direto sobre o capital, e afere-se com recurso a critérios objetivos: contributo para cadeias de valor (na TAP, cerca de € 1 000 milhões em compras a 1.300 empresas nacionais); para a balança comercial (€ 2.6 mil milhões em exportações, evitando cerca de € 700 milhões em importações); para o emprego; para a fixação de atividades de alto valor acrescentado, como a manutenção aeronáutica; para a atividade turística; para as finanças públicas (€ 350 milhões em impostos e contribuições para a Segurança Social); para a conectividade transcontinental do país. Contra estes argumentos tem-se dito que outras companhias poderiam continuar a assegurar as ligações internacionais. Mas a verdade é que o peso da TAP decorre de ser uma companhia com hub em Lisboa, dando-lhe uma escala que outras companhias não assegurariam. Uma companhia estrangeira não faria cá manutenção nem colocaria encomendas, não geraria o movimento que o hub proporciona, e passaria a contribuir negativamente para a balança comercial (um português que deixe de usar a TAP e viaje numa companhia estrangeira é uma importação a mais; um estrangeiro que faça o mesmo é uma exportação a menos). Sobretudo nas ligações transcontinentais, o país perderia frequência e capacidade, e os consumidores veriam uma redução da concorrência.

Finalmente, discute-se se não haveria intervenções menos dispendiosas: por exemplo, a insolvência e criação de uma nova empresa ao lado. Essa hipótese foi estudada e afastada. Por um lado, porque poderia acarretar a perda da frota – na sua maioria, aviões em leasing – a perda de slots e a responsabilização do Estado por dívida histórica que seria imediatamente vencida. Além disso, as atuais regras europeias sobre transmissão de estabelecimento implicam que os trabalhadores transitem para uma nova companhia com todos os seus direitos.

A intervenção na TAP foi um investimento que o país fez numa empresa que muito tem contribuído para Portugal e na qual o Estado não fez entrada de quaisquer fundos desde 1995! O que se quer é que a empresa retome o caminho da viabilidade e encontre um acionista de referência num prazo relativamente curto, mantendo um hub próprio em Lisboa. Esse é um investimento cujo retorno para a economia e o turismo nacional não se mede exclusivamente pela recuperação dos fundos públicos investidos.