Opinião: “Reflexão sobre a gastronomia nas nossas Ilhas”

Por Gilberto Vieira, presidente das Casas Açorianas e proprietário da Quinta do Martelo

Esta minha reflexão sobre a gastronomia e o turismo surgiu na sequência do encontro “Saborea: Gastronomia e Vinhos”, realizado pela Câmara do Comércio de Angra do Heroísmo. Procuro com este artigo deixar algumas ideias e princípios que há muito defendo.

Um amigo meu, chef de cozinha dizia-me há uns anos que, se uma refeição não o deixar satisfeito também não irá satisfazer o cliente/turista satisfeito, e acrescentava que o segredo de uma boa refeição está, em primeiro lugar, nos ingredientes que lhe servem de base e só depois na confeção e na apresentação do prato. Ou seja, acima de tudo há que escolher bem os produtos a partir dos quais se prepara uma refeição e só através deles, da sua frescura, da sua genuinidade, conseguimos manter a nossa gastronomia mais tradicional, uma gastronomia que é simples e complexa a um tempo.

Aqui na nossa ilha Terceira, e em toda a região dos Açores, temos todas as condições para oferecer uma gastronomia de qualidade se utilizarmos os produtos locais, e quando me refiro a usarmos nos nossos restaurantes e nos nossos hotéis produtos locais, não estou a referir-me a colocar umas raspas de queijo das nossas ilhas a decorar um prato, ou meia rodela de ananás dos Açores junto de uma perna de pato que chegou congelada às nossas ilhas.

Estou a falar em construirmos refeições com os melhores, os mais genuínos, produtos das nossas ilhas, da nossa terra e do nosso mar, com as receitas das nossas avós. Estou a referir-me a que os chefs devem pegar nessas receitas e recriá-las, dando-lhes, como costumo dizer, um ar mais guloso, mas respeitando no essencial a receita e utilizando os produtos frescos como nesses tempos antigos.

Quando falamos em comida típica – eu prefiro chamar-lhe comida com história -, vêem logo aqueles que a tentam denegrir. As referências, até há pouco tempo, eram de que se estava a fazer uma gastronomia sem “delicatesse”, com demasiadas gorduras, pouco cuidada, que se tornava pesada no estômago e indigesta. Que se estava a fazer uma gastronomia com produtos “pobres” e pouco apelativos por isso pretendia-se dar ao turista a mesma comida que ele tinha na sua terra, ao invés de o induzir a conhecer melhor a nossa cultura através da nossa gastronomia.

Hoje está comprovado através de estudos de opinião que os turistas são apreciadores da nossa gastronomia, do nosso peixe fresco, das nossas carnes certificadas e dos nossos legumes que podem ir diretos da quinta para o prato. Gostam da nossa gastronomia porque é genuína, com sabores que só se encontram numa comida que não é pré-cozinhada ou cheia de conservantes para ter durabilidade.

Os Açores e o seu turismo têm muito a ganhar se assim se fizer, complementamos assim, através dos sabores, a genuinidade do acolhimento que o povo açoriano dá a quem nos visita, mantemos as nossas raízes e tradições, ganhando assim a nossa identidade de sermos ilhéus e Açorianos, e por último, e não menos importante, estamos a contribuir para a sustentabilidade das nossas ilhas.

A sustentabilidade é uma bandeira da região e em todas as áreas temos de a defender para podermos honrar a certificação de “Destino Turístico Sustentável” que nos foi atribuída. Os chefs, ao usarem os nossos produtos de qualidade, estão a dar um enorme contributo a essa sustentabilidade, e também à economia regional.

A sustentabilidade também passa por cuidarmos para que não desapareçam produtos que nos caracterizam, diferenciam e nos tornam mais genuínos face à oferta de destinos concorrentes. Dou como exemplo a escassez dos cavacos, e não pensem que falo deste assunto sem uma preocupação genuína. Dois visitantes que recebi em final do ano passado confessaram-me o desejo de não sairem da ilha sem fazerem uma refeição de cavacos e a verdade é que “vi-me grego para conseguir os ditos”, mas lá consegui dar aos visitantes algo que em termos gastronómicos identificavam como uma refeição genuinamente açoriana.

A sustentabilidade também passa pela pegada ecológica, que os alimentos podem deixar desde que são colhidos até que chegam ao prato, para a devida degustação e satisfação de quem come uma boa refeição. Por isso temos cada vez mais de utilizar os produtos dos Açores na confecção dos pratos nos nossos restaurantes, evitando os produtos importados com dias e dias de transporte, que passam por temperaturas baixíssimas para se manterem comestíveis ou vêm cheios de produtos conservantes.

A preservação das nossas raízes gastronómicas tem agora uma oportunidade de ser potenciada, quando os turistas que nos visitam (e esse número tem crescido nos Açores), estão em busca de novas experiências onde se incluem as gastronómicas.

Para que tal aconteça é necessário que todos, sem exceção, se envolvam neste esforço, cabendo às entidades oficiais, regionais e locais, um papel importante, apoiando e promovendo iniciativas: criando rotas gastronómicas, promovendo visitas a quintas com produtos gastronómicos regionais como, por exemplo, a degustação do vinho dos Açores, dos ananases ou dos nossos maravilhosos queijos e apoiando iniciativas promocionais em torno dos nossos produtos e da nossa gastronomia.