Opinião: “Ryanair ou a eficácia do ‘sem outra opção'”

Por Miguel Quintas

A primeira experiência que tive com a Ryanair foi há 6 anos, num voo Madrid-Marraquexe. Não me recordo dos detalhes mas lembro-me de não ter ficado com uma boa impressão da experiência.

6 anos depois e no passado mês de agosto tive que me deslocar aos Açores. Por limitações de tempo embora ligeiramente contrariado pela experiência anterior resolvi então voar novamente com a companhia irlandesa. Desta vez decidi que iria tomar conta, como passageiro, de todos os detalhes que fazem esta empresa tão solicitada por tantos clientes e ao mesmo tempo tão odiada pela distribuição da indústria do turismo.

Chegado o dia de voar, entrei no T2 de Lisboa com mais de 1 hora de antecedência. A fila de check-in era tão grande que ao fim de 15 minutos tinha avançado 2 de 20 metros. Sabendo que àquele ritmo perderia o voo, decidi que o melhor era saltar a fila e dirigir-me à senhora do check-in informando-a do risco de não embarcar.
Simpaticamente a senhora disse que poderia fazer o respetivo check-in sem mala (que era o caso) pela módica quantia de 45 euros. “Como posso evitar pagar 45 euros por um cartão de embarque?” – perguntei, “Não tem outra opção.” Respondeu a simpática senhora. Não tinha. Antes 45 euros que um novo voo, num outro dia. E assim, fiz. A correr, dirigi-me ao balcão das vendas, para esperar mais 10 minutos preciosos de quem está já atrasado, para finalmente passar a segurança e embarcar.

Junto à porta de embarque estavam as habituais 180 pessoas de pé, à espera da entrega do prémio valioso que é chegar primeiro que os outros ao aparelho que nos tira do chão. Com um atraso de 1 hora, lá levantámos voo. E a partir de então entendi que fiquei fechado num aparelho à mercê de uma empresa que me vai querer rentabilizar ao máximo como cliente, incomodando-me no meu conforto e dando-me muito pouco, ou nada, como valor. Durante aquelas 2,5 horas eu não tenho “outra opção”, a não ser… ser um cliente Ryanair.

Começo por ter que esperar 15 minutos pelo “slot” de saída, mas sem ar condicionado. “Ligaremos os reatores pouco antes da partida” diz o comandante. “Com o objetivo de poupar querosene!” penso eu, cheio de calor. Levantámos. 30 minutos depois é-nos colocado um menu à nossa frente. “Quer? Estão aí os preços.”. Com fome, não tenho “outra opção”. Pago. Mais 30 minutos. “Raspadinhas! Quer? É para ajudar instituições de pessoas desfavorecidas.”, afirmam. “Quanto entregam por raspadinha às instituições?”, pergunto. “Não sei!”. Passo. Mais 15 minutos “Vendas a bordo. Quem quer esta revista com os produtos que acabaram de chegar? São mais baratos que nas lojas de conveniência.”, literalmente sinto-me agora em Marraquexe há 6 anos atrás. Não quero. Quero descansar, penso eu já com uma revista na mão que folheio durante alguns minutos. “Desculpe, quer comprar? Ou então terá que devolver a revista pois somos uma empresa ecológica.”, diz a hospedeira. Ou então poupam nas impressões de revistas, penso eu, com vontade de comprar algum produto da dita revista mas devolvendo-a já com má vontade. Mais 10 minutos… ”Por favor ajudem a recolher o lixo para reciclagem, pois somos uma empresa ecológica.”, anunciam a primeira vez. Ou pretendem fazer rotações mais rápidas na placa, penso eu que começo a perder a paciência. Não há descanso no voo. Sinto que tudo tem um significado de poupar tempo à empresa ou ganhar dinheiro, sem cuidado com o cliente. A publicidade nas paredes, no banco da frente, nos encostos, a forma como promovem as vendas… tudo! Mais 5 minutos e… novo aviso “Por favor, ajudem a recolher o lixo.” Pergunto à hospedeira se quando faz um checkout de um hotel lhe questionam se fez a limpeza do quarto?, já bastante incomodado com as pressões veladas. Mais 5 minutos, novo aviso… “Vamos fechar as casas de banho.”, portanto quem quiser, que se despache pois as hospedeiras têm que deixar a casa de banho limpa. O cliente que precise que se aguente até aterrar, claro. Como se não bastasse, apanho a conversa entre colegas de cabine “Não ponhas os guardanapos em cima, pois desaparecem muito depressa.”, o que para mim significa, Clientes, sequem as mãos nas calças. É mais barato.

Finalmente vamos aterrar, mas não sem outro aviso: “os passageiros das filas de emergência desimpeçam a saída.” “E a senhora não confere?” pergunto à hospedeira. É demais para quem ainda não está habituado a este nível de serviço, até porque o meu bilhete não foi mais barato que o de uma companhia regular.

A Ryanair tem imenso mérito no que toca a atrair o cliente à compra do voo. A partir daí, o cliente vira fornecedor e a companhia aérea vira cliente. Com base de “não haver outra opção” a não ser estar dentro de um avião, o passageiro é sujeito de forma direta ou subliminar a pressões de ação que, pessoalmente, me caiem mal.

Entendo que na larga maioria dos casos o preço é um fator decisivo. Mas ele tem que ser transparente para o consumidor. Pessoalmente não sinto que assim seja na Ryanair. Na verdade, senti-me como um cliente a quem se interpela por telefone dizendo que ganhei um fim-de-semana num hotel de 5 estrelas, e que apenas tenho que assistir a uma reunião para ganhar o dito prémio. O fim-de-semana é apenas o voo.