Picos de Aventura: “Os cetáceos não são nossos e não têm fronteiras”

A Picos de Aventura tem como um dos seus principais focos dar a conhecer a fauna do mar dos Açores através dos passeios de observação de cetáceos ou natação com golfinhos. Mas Pedro Miguel, responsável por esta vertente na empresa, realça que “a Picos de Aventura está muito comprometida e envolvida em vários projetos de conservação ambiental, estudo e preservação do recurso que nós exploramos.” Relembra o responsável que “ se os incomodarmos (cetáceos) eles vão-se embora e depois o que fazemos? Nós queremos que eles continuem no seu território.”

Este artigo está enquadrado numa série de textos sobre a atividade da empresa Picos Aventura, efetuado no âmbito das comemorações do 20º aniversário da empresa, sob o mote “Picos de Aventura a navegar entre o passado e o futuro”.

A Picos de Aventura desde a sua génese sempre se preocupou com os vetores da sustentabilidade, seja de conservação ambiental, como de questões sociais. Nesta matéria, a empresa tem desenvolvido vários projetos nomeadamente com a sua equipa de biologia e entidades externas.

Indica Carlos Batista, administrador da empresa, que “temos dois projetos que desenvolvemos com meios próprios que muito nos orgulham, que já tiveram várias menções honrosas; um deles é a Picoslogia”. Este projeto foi iniciado em 2007 e reformulado em 2013, sendo que em determinada altura foi designado de “A Picos vai à Escola”. Basicamente é um projeto que incide em visitas às escolas primárias no sentido de fazer uma apresentação e trabalhar aquilo que é a consciencialização de um público mais jovem. Considera o responsável que “estes serão os líderes de amanhã dos Açores, gostaríamos muito que houvesse um desenvolvimento destes com esta matriz”. Para Carlos Batista, “este é um projeto com muito afinco e acreditamos que faz parte de um processo de transição e mudança, através dos mais novos, aqueles que tomarão conta da sociedade no amanhã. É um projeto que temos feito pro bono com uma consciência ambiental da Picos de Aventura e na tentativa de mudar essa mesma perceção no futuro. Estamos a tentar ganhar consistência no projeto que é muito interessante e que já mereceu o reconhecimento do Governo Regional”.

Outro projeto da empresa incide na iniciativa BioTalks, iniciado antes da pandemia, que se baseia numa conferência realizada nos Açores e tem como objetivo trazer pessoas credenciadas em diferentes áreas de sustentabilidade e de exploração do território no sentido de ajudarem ao pensamento durante o período em questão. Refere o administrador da Picos de Aventura que esta é uma oportunidade de uma abordagem à comunidade científica, mas também à comunidade local. É um projeto que teve a primeira edição em 2019, com bons resultados, mas com a pandemia foi um evento que se realizou posteriormente por via digital. Em 2023, a BioTalks quer voltar ao formato físico “e que seja marcante, em consonância com os nossos 20 anos”, indica Carlos Batista, acrescentando que “vamos avançar com esta iniciativa no pós Páscoa, numa altura em que há algum decréscimo turístico nos Açores, mas a capacidade produtiva já está instalada e a funcionar em pleno, portanto acreditamos que é uma fase engraçada para podermos fazer este evento e tentarmos marcá-lo no calendário da região e nomeadamente da ilha de São Miguel”. Esta iniciativa é feita com meios próprios da empresa, mas é um projeto em que a Picos de Aventura gostava de ter claramente a envolvência de outros organismos, de forma a poder fazer crescer a discussão da temática sobre a exploração do território de forma sustentável. Considera o responsável que “ao nível da sustentabilidade gostaríamos e queremos fazer muito mais. Mas para isso temos de ter recursos humanos e financeiros”.

Relembra João Rodrigues, também administrador da Picos de Aventura, que os Açores são o primeiro destino sustentável do mundo e considerado também um dos mais seguros do mundo. “Estas duas condições dão-nos a expectativa de conseguirmos, baseados numa estratégia de desenvolvimento, esbater a sazonalidade. Na questão da sustentabilidade há uma noção por parte do Governo e das empresas da região de que é necessário um trabalho de desenvolvimento acelerado e a segurança por natureza. Se tivermos mais produtos para oferecer, mais fácil se tornará”, indica o interlocutor.

Mas os projetos que envolvem a Picos de Aventura ao nível da sustentabilidade e conservação são mais amplos e envolvem parcerias nacionais e internacionais. Pedro Miguel, responsável da empresa na parte marítima, indica que “temos outros projetos em curso nesta vertente, um deles é com os cagarros, uma das aves emblemáticas dos açores e uma das maiores aves marinhas do território nacional”. Explica o responsável que, devido à iluminação por parte das luzes das populações, em especial dos portos marítimos dos Açores, as aves na altura de deixarem os ninhos, durante o primeiro voo, no período mais crítico para a sua sobrevivência, são atraídas por estas, desorientando-se. Umas ficam perdidas em terra, outras no mar, e “nós fazemos a recolha de algumas, das quais 30% deverão conseguir sobreviver”. Relembra Pedro Miguel que “temos aqui a maior concentração de cagarros do mundo, esta é uma espécie com problemas de desenvolvimento a nível global. Fazemos patrulhas em zonas costeiras, em zonas de nidificação, no sentido de encontrar cagarros perdidos e desorientados, num programa com a Universidade dos Açores”. O SOS Cagarros é um projeto também feito com recursos próprios, a Picos de Aventura têm feito inclusive alguma sensibilização para os portos fecharem as luzes à noite, “o porto das Capelas já o faz”, indica o entrevistado.

Para Pedro Miguel, a empresa dedica-se ao “estudo e preservação do recurso que nós exploramos. A Picos de Aventura está muito comprometida e envolvida em vários projetos, de conservação ambiental”. Por exemplo, o projeto de costa que envolve a demarcação de tartarugas com uma universidade na Flórida, é o maior projeto de estudo e conservação de tartarugas do Atlântico norte. Explica o responsável que este incide na marcação de uma tartaruga com um piercing que tem um número associado. “Se encontrarmos uma tartaruga que não está marcada, marcamos, tiramos as medidas e vemos o seu estado de saúde, e colocamos toda a informação numa plataforma digital. Se encontrarmos uma tartaruga que já está marcada, tiramos o número e fazemos o mesmo trabalho. Isto permite uma compilação de dados que depois são estudados pela referida universidade no sentido de se analisar a evolução da espécie e os seus comportamentos, assim como alterações”, indica o interlocutor.

Outro dos projetos com a participação da Picos de Aventura é o Monicet, que visa a demarcação de espécies de cetáceos, através da sua zona de avistamentos. Esta atividade é efetuada através de fotografias, depois há uma base de dados global. Explica Pedro Miguel que a identificação é feita “pela cauda e volume, através dos quais tentamos identificar as espécies e indivíduos, para perceber as suas migrações e comportamentos, este trabalho é feito sob as espécies locais e migratórias”.

O importante para o responsável da Picos de Aventura é que “obviamente que aqui estamos a evoluir para um impacto da nossa atividade nos animais. Não nos devemos esquecer que temos todo o interesse nisso, porque queremos preservar os animais e perceber as melhores formas e técnicas para o fazer, pois a atividade do whale watching está sob uma apertada legislação de aproximação aos animais”. Indica Pedro Miguel que, na ilha de São Miguel, o número de embarcações limite é 21, “a observação de cetáceos tem que ter como objetivos o seu controlo naquilo que é a exploração de barcos”. Considera ainda que nunca se deve esquecer que “os cetáceos não são nossos e não têm fronteiras. Se os incomodarmos eles vão-se embora e depois o que fazemos? Nós queremos que eles continuem no seu território”.

Nesse sentido, a Picos de Aventura tem efetuado uma descentralização da zona de avistamentos na Ilha de São Miguel. “Se conseguirmos criar as condições para termos sucesso (infraestruturas) esta é uma forma de canalizarmos barcos da costa sul para a costa norte e, de certa forma, termos menos incidência de barcos. Preparámos mesmo um barco só para o norte de São Miguel”, indica Pedro Miguel. Por outro lado, indica a Picos de Aventura que há uma atividade em que já reduziram o número de saídas, que é a natação com golfinhos. Considera o responsável que “esta é uma atividade bastante sustentável naquilo que é a prática de natação com golfinhos em todo o mundo, não alimentamos os golfinhos, a monitorização permite-nos identificar a rota de um grupo e colocar as pessoas numa zona próxima, permitindo que as pessoas vejam os golfinhos num mar azul, na sua rota, mas nesta atividade tem que se interceder a rota dos animais”. Sendo assim, indica a empresa que dentro do seu planeamento para o próximo ano só fará duas saídas diárias, numa época mais pequena. “Já tivemos seis saídas diárias, pretendemos desta forma stressar menos os animais”, conclui Pedro Miguel.

 

Por Pedro Chenrim, nos Açores, a convite dos Picos de Aventura.