Grande Entrevista: “Portugal vive e vai depender do turismo nos próximos anos”

O cenário não poderia ser melhor para mais uma Grande Entrevista da Ambitur. Fernando Maia abriu-nos as portas do emblemático Olissippo Lapa Palace – do qual é diretor geral há 10 anos, cargo que acumula com a direção geral de Operações dos Olissippo Hotels há já 16 anos – para nos desvendar momentos da sua intensa carreira na hotelaria. Assumindo que dirigir o Lapa Palace foi um dos maiores desafios da sua vida profissional (mas não o único), fala-nos desta sua paixão pelos hotéis e de como o setor tem evoluído ao longo dos anos.

Quais as suas competências no Grupo Olissippo?
Sou responsável, perante a administração, e em última análise, por tudo de bom ou de mau que possa acontecer na operação hoteleira. Tenho cinco diretores, que me reportam, responsáveis por quatro unidades e pela área comercial. Em termos hierárquicos, os serviços de pessoal e a área financeira são meus subordinados, mas funcionalmente também reportam à administração. Sou responsável por admissões, pela grande maioria das compras na empresa e pelas compras no Lapa Palace, do qual sou diretor. Além disso, sou ainda o responsável por apresentar a planificação da operação para o ano seguinte, os quadros de pessoal, com cálculos de custos e encargos e custos da operação e das vendas.

Comecei por centralizar, hoje já delego muito mais nas pessoas que trabalham comigo porque não sou omnipresente, até porque tenho grande parte do meu tempo ocupado com a operação do dia-a-dia desta casa (Lapa Palace), que me absorve muito. Mas é relativamente mais fácil trabalhar assim. Tomo decisões e assumo-as, e a operação hoteleira nunca para, porque o grau de autonomia que cada um dos diretores que comigo trabalha é razoável. Está tudo montado de uma forma simples e funcional.

Passaram-se 10 anos desde a aquisição do Lapa Palace. Quais os desafios que o hotel apresentava quando o grupo a comprou?
Quando entrámos no Lapa Palace, vivíamos num ciclo económico adverso, a economia portuguesa estava de rastos e a europeia pouco melhor. Tínhamos grandes desafios e um ativo que, sendo emblemático, necessitava de uma intervenção urgente, a nível estrutural e não só. Era um hotel que se encontrava um pouco degradado e no qual tivemos de fazer um investimento muito grande para resolver situações que entretanto foram sanadas.

Em termos de mercado, conseguimos ultrapassar o mau bocado com a ajuda do “chapéu” da Leading Hotels of the World, uma empresa muito exclusiva e particularmente rigorosa. O rigor que nos impõem ajudou-me no desempenho da minha função. Somos auditados todos os anos e tenho acesso imediato aos relatórios e a um portal onde tenho conhecimento das opiniões que os nossos clientes formulam a respeito da prestação do nosso serviço, do produto, da atmosfera que sentiram, e isso é muito importante para nos podermos orientar ultrapassando situações que, de outra maneira, não conseguiríamos.

Havia uma componente de risco na compra do Lapa Palace?
Sim. O investimento, dadas as condições de mercado e por desconhecermos quanto tempo mais duraria a crise e como iria reagir o principal mercado desta “casa”, o norte-americano, fez com que a componente de risco fosse muito grande. Mas apostámos e acabámos por ganhar. E conseguimos não só aumentar a nossa quota naquele mercado como também o consolidámos. Também conseguimos fazer crescer bastante o brasileiro. Ultimamente, o que acaba por ser comum à cidade de Lisboa, também subiu o mercado francês para uma posição relevante, ocupando hoje a 4ª ou 5ª posição.

“O cliente de luxo gosta de ter o hotel só para si”, é uma frase sua. Como é que no Lapa Palace isso se torna realidade?
Obviamente que é mais fácil quando temos o hotel com ocupação abaixo dos 50% (risos). Faz-se com motivação e entrega, qualquer um dos colaboradores desta “casa” tem uma motivação e um orgulho enorme por pertencer a esta equipa que é fora de comum.

Como definiria o cliente de luxo?
É um cliente que, por norma, é muito educado, muito viajado, conhecedor e particularmente exigente. Tem um poder de compra muito acima da média, não compra por impulso, compra porque entende que deve comprar, para obter uma satisfação pessoal. Valoriza muito o seu dinheiro, ou seja, o que recebe em troca tem que valer a expectativa porque se assim não for, reclama.

Lisboa já apresenta hoje um produto abrangente para o cliente do Lapa Palace?
Lisboa não é considerada um destino de luxo, no entanto, devo reconhecer que houve uma evolução muito boa, sobretudo na zona da Avenida da Liberdade. A clientela que procurava Paris, Londres e Madrid, hoje já procura Lisboa para fazer compras. Lisboa tornou-se muito mais cosmopolita, tem uma oferta muito mais abrangente e, gradualmente, tem vindo a afirmar-se. Hoje diz-se que está na moda por diversas razões, e essa é seguramente uma delas, pois a cidade oferece muitas coisas às pessoas.

Que futuros investimentos podem estar previstos para o Lapa Palace?
O que vai acontecer, e há vontade disso, embora ainda não esteja definido o calendário, será remodelar. Não a parte do palácio, porque não se pode alterar. Mas sobretudo a nível de tecnologia haverá que melhorar.

Como define a cadeia hoteleira Olissippo?
Os Olissippo Hotels nasceram da vontade de uma família em apostar na cidade de Lisboa para construir um grupo hoteleiro onde trabalham essencialmente portugueses. O que nos distingue é sobretudo uma imagem de sobriedade e um elevado grau de honestidade, um dos valores da empresa. Quando assumimos um compromisso, honramo-lo. E quando fazemos as coisas, procuramos fazê-las bem feitas para não defraudar. E procuramos que o cliente tenha contacto com um produto genuinamente português.

Na última década muito mudou na hotelaria da cidade de Lisboa. De uma crise económica profunda passamos para um boom turístico. Este é o exemplo de que nunca se deve dizer que há alojamento a mais numa cidade?
Durante muitos anos ouvi dizer que quando o Aeroporto de Lisboa atingisse o limite dos 22/23 milhões de passageiros por ano, muito provavelmente colapsaria. Por aquilo que li, no ano passado esse número ultrapassou os 28 milhões. Com a perspetiva do Montijo é bem provável que nos próximos 10 anos e depois de estar operacional, se considerem adicionalmente mais 14 a 15 milhões. Se juntarmos os 14 milhões aos 28 milhões, teremos 42 milhões. Isto diz tudo. Se vão potenciar um crescimento com esta dimensão a nível do tráfego aéreo, acredito que a cidade ainda poderá continuar a crescer. Mas há exemplos que temos que olhar com muita atenção. Penso que Lisboa não quererá ser como Barcelona, Praga ou Veneza. São três exemplos de cidades de que gosto, mas que vejo um pouco massificadas.

No que diz respeito à perspetiva de negócio, é evidente que havendo muita gente, há muitos consumidores, e isso faz mover a economia. E Portugal vive do turismo e vai depender do turismo nos próximos anos de uma forma progressiva.

Quais os principais desafios de Lisboa no seu desenvolvimento turístico?
Infraestruturas. Não sou pessimista. Creio que se irão encontrar respostas. Todos queremos ter empresas bem-sucedidas e com lucro, pleno emprego. Para se conseguir, há que sacrificar determinados aspetos. O equilíbrio, quem é que o estabelece? Há quem diga que a regulamentação é algo de positivo, e quem não concorde, defendendo que é limitativa. Mas o próprio mercado acaba por se adaptar.

Para onde caminha o futuro da gestão hoteleira?
As pessoas têm que ser cada vez mais pluri-competentes. Têm que ter mais formação, mais capacidade e, ao mesmo tempo ser mais flexíveis. A realidade de um hotel é diferente de outro. Se tivermos uma formação capaz e essa agilidade, adaptamo-nos mais depressa.