“Precisamos de posicionar a AML como uma cidade-região”

A Área Metropolitana de Lisboa (AML) tem como prioridade as questões relacionadas com a mobilidade
e os transportes. Em entrevista exclusiva à Ambitur, Carlos Humberto de Carvalho, primeiro-secretário
Metropolitano, defende que a Área Metropolitana se deverá posicionar como “uma cidade de duas
margens em que o Tejo não nos divide mas une-nos”, procurando transformar o rio no maior ponto de
encontro da AML.

Qual a missão da AML?
A AML é uma associação pública de 18 municípios, para a prossecussão conjunta das respetivas atribuições. No âmbito das atribuições e competências da AML, presentemente estamos mais focados na questão da mobilidade e dos transportes, até tendo em conta a proposta que fizemos de criação de um conjunto de passes de caráter metropolitano e municipal – criação do novo sistema tarifário da AML. Também a questão dos fundos comunitários, o Portugal 2030 (novo quadro comunitário de apoio), as questões relacionadas com a articulação entre municípios, posições comuns, questões relacionadas com o ordenamento do território, o ambiente e as alterações climáticas, com a formação e a capacitação dos municípios e dos seus técnicos, são áreas que atualmente estão assumidas como prioritárias.

Estamos também em diálogo com o Governo, com diversos Ministérios e Secretarias de Estado, relativamente à possibilidade de virmos a ter novas competências, até como resultado daquilo que foi a 1ª Cimeira das Áreas Metropolitanas de Lisboa e Porto que sugeriu um conjunto de áreas que considerávamos que deveriamos acompanhar. Áreas como o ordenamento do território, a mobilidade, a habitação, os fundos comunitários, as questões relacionadas com a energia, são questões que estamos neste momento a dialogar com vários membros do Governo para posicionar a Área Metropolitana para acompanhar, de forma mais próxima, e até gerir algumas destas áreas.

Quais as prioridades?
Eu diria que as questões da mobilidade e dos transportes, neste momento, são a prioridade das prioridades. As questões das alterações climáticas, dos fundos comunitários, da formação e capacitação dos trabalhadores dos municípios da região e da própria AML, essenciais para garantir a qualidade dos serviços autárquicos, e uma outra questão tão importante como estas é o acompanhamento e dinamização dos trabalhos com vista aos concursos de fornecimento de energia em baixa para os municípios. A curto-prazo estas são as prioridades que temos.

E os desafios…
São imensos. Nós precisamos de posicionar a AML como uma cidade-região, como uma cidade de duas margens em que o Tejo não nos divide mas une-nos. Costumo dizer que temos de transformar o Tejo no maior ponto de encontro, na maior praça, da AML. Lisboa região é o elemento mais dinâmico do nosso país por razões quantitativas e qualitativas, pelo número de população, pela contribuição para o PIB, pela concentração de pólos tecnológicos e de pólos de saber, etc. Mas ela só tem condições de se internacionalizar de forma mais dinâmica, de ganhar posição quando analisada com outras grandes cidades regiões da Europa, assumindo-se como um todo. Precisamos de olhar para Lisboa região, não apenas Lisboa cidade, ainda que a cidade de Lisboa seja o elemento central da região e do país, mas precisamos de vê-la como um todo e de lhe dar a atenção suficiente para que possa contribuir para o desenvolvimento do próprio país.

O crescimento nunca é todo igual, não se faz tudo da mesma forma e ao mesmo tempo em todas as regiões, e precisamos que Lisboa consiga assumir este papel de puxar pelo próprio país. E é neste sentido que é preciso trabalhar porque, por exemplo, os últimos dados conhecidos revelam que o país se aproximou entre si, convergiu como um todo, mas divergiu da Europa. E o país convergiu como um todo porque Lisboa cresceu menos. Não foram tanto as outras regiões que cresceram. O que nós precisávamos é que Lisboa crescesse, que as outras regiões crescessem, que o país crescesse para nos aproximarmos da Europa e atingirmos patamares de desenvolvimeto que permitam dar melhores condições de vida às nossas populações.

No que diz respeito ao transporte através do rio, o surgimento de investimentos privados está dependente da forma como se faz o aproveitamento do rio Tejo?
Temos um défice, na minha opinião, do aproveitamento do Tejo para a mobilidade, para o transporte, para o turismo, para a economia, para o lazer, para o desporto, e é preciso olharmos para o rio de forma distinta, diria que precisávamos de ter uma estratégia global integrada para o Tejo. Como disse, o Tejo não nos divide, o Tejo une-nos. É um potencial imenso pelas questões ambientais e ecológicas, pela sua beleza, pela paisagem vista de cada uma das margens, mas também vista do Tejo para as margens. É uma outra visão que é preciso ter e aproveitar.

Diria que temos que trabalhar muito e que a intervenção pública deve ser de visão estratégica mas nada se fará só com a intervenção pública, é necessária também a intervenção privada. Os privados que quiserem investir no Tejo são muito bem-vindos. São necessários.

Nós praticamente não temos táxis no Tejo. Acho que isso poderia ser uma iniciativa interessante. Não temos um equipamente cultural que possa ligar as margens, por exemplo, ou um equipamento fluvial que pudesse ter valências culturais, para eventos, no Tejo. Unindo as margens e permitindo viajar pelo Tejo enquanto se fazem iniciativas. Isto já são sonhos.

A intervenção privada não tem condições para substituir hoje o que é o transporte fluvial de massas. E precisamos de ter novos transportes. Por exemplo, temos transportes de uma margem para a outra mas não temos intra margens e precisamos. Precisamos de melhorar o transporte entre margens, diversificá-lo, torná-lo mais cómodo. Há ainda muito a fazer. Nós próprios estamos a refletir, a estudar e a propor soluções neste sentido.

Que projetos concretos têm em curso?
Eu diria que além dos novos passes, que neste momento e até abril nos ocupa quase todo o nosso tempo e não chega, temos as questões relacionadas com os fundos comunitários e, particularmente, a preparação do Portugal 2030. Temos as questões relacionadas com o Programa Nacional de Investimentos, também ligado à mobilidade, em que estamos a fazer um estudo, em conjunto com os municípios, sobre quais as nossas prioridades ao nível de investimentos em infraestruturas. Temos as questões da formação em que estamos a fazer um plano mais consistente, mais amplo e mais integrado da formação e qualificação. Estamos a fazer algum esforço, ainda insuficiente, de nos ligar aos meios universitários e empresariais.

Como pode ser avaliado o papel nesta área da mobilidade, dos principais agentes, sendo eles AML, operadores (públicos e privados) e Governo?
Nós na área da mobilidade estamos a trabalhar para não termos uma visão apenas de simplificação e redução tarifária. A redução tarifária é, por razões de calendarização, a prioridade, mas nós estamos a trabalhar, paralelamente, no lançamento de um concurso público internacional para o serviço público de transporte rodoviário de passageiros, que de acordo com a legislação, até 3 de dezembro deve estar concluído.
Estamos a trabalhar na criação de uma empresa para gerir tudo o que diz respeito à mobilidade e aos transportes na AML e estamos a ter uma visão daquilo que nós consideramos, associado ao Programa Nacional de Investimentos, ao Portugal 2030 mas para além dele, que tem a ver com a visão daquilo que são os investimentos necessários na área da mobilidade e dos transportes para respondermos às necessidades da região.

Outra questão associada a estas, é o grande investimento que é necessário em sistemas tecnológicos que facilitem a vida às pessoas e às empresas, que permitam ter uma visão do todo. É preciso que cada um de nós saiba, se quiser ir de um extremo para o outro na nossa região, qual é o transporte que pode tomar, quais são as ligações que tem, quanto tempo leva, qual é o custo que isso vai ter. Precisamos desta informação para os passageiros, mas precisamos também que a gestão do transporte seja um todo em que nós saibamos, em cada momento, onde está a viatura e se estão a ser cumpridos os horários. Estamos a trabalhar nestas direções e é de facto um desafio.

O que sentimos e reconhecemos, com vista à concretização destas medidas, é uma articulação estreita, positiva, entre o Estado, as autarquias, a Área Metropolitana e os operadores públicos e privados.

O presidente da Câmara de Lisboa, Fernando Medina, afirmou que: “O desenvolvimento de Lisboa não se faz de forma sustentável sem pensar num contexto metropolitano. Não é possível enfrentar a questão da mobilidade, que se cruza com a sustentabilidade ambiental e a qualidade de vida, se não se reduzir o número de carros.” Como comenta esta posição?
Revejo-me na intervenção. Todos os municípios, todos os presidentes de Câmara, hoje se revêem nessa posição. Eu diria que o que Fernando Medina reflete aí é também, de alguma forma, o pensamento daquilo que é a Área Metropolitana, do Conselho Metropolitano, dos 18 presidentes de Câmara.

Nós precisamos que Lisboa cidade, Lisboa concelho, ganhe ainda mais projeção, ganhe ainda mais capacidade, ganhe ainda mais músculo. Mas precisamos que Lisboa cidade se integre na Lisboa cidade-região e que todos os municípios acabem por também se desenvolverem porque quanto mais desenvolvido estiver o concelho de Lisboa, mais desenvolvida está a região. Quanto mais desenvolvida estiver a região, mais está desenvolvida a cidade de Lisboa. Isto é um todo. Costumo dizer que é um sistema de vasos comunicantes.

Por outro lado, as questões ambientais, da sustentabilidade, são hoje um desafio. Nós próprios estamos a fazer um trabalho, que acho muito importante para o presente e para o futuro, que é o Plano Metropolitano de Adaptação às Alterações Climáticas (PMAAC-AML) que ajuda a dar sustentabilidade à estratégia futura relativa ao ambiente e às alterações climáticas, ao desenvolvimento da região, e em que os transportes, até pelo contributo negativo que dão para o ambiente, necessitam de particular atenção, e por isso o investimento da AML nesta medida de redução tarifária. Com a medida da redução tarifária pensamos que vamos diminuir o número de carros, vamos atrair mais gente para o transporte público coletivo, o que é extraordinariamente importante também como contributo para as questões da sustentabilidade e do ambiente.