Profissionais do setor apontam impactos económicos, financeiros, operacionais, organizacionais e tecnológicos da Covid-19

Quais os impactos económicos, financeiros, operacionais, organizacionais e tecnológicos da reorganização da hotelaria e restauração em tempos de Covid-19? Foi o que o Grupo de Investigação TERRITUR – Turismo, Património e Território – do Centro de Estudos Geográficos do IGOT – procurou saber ontem, junto de diversos profissionais do setor, em mais uma mesa redonda da Semana CEG-Turismo 2020, organizada por Sofia Almeida, da Universidade Europeia & CEG/IGOT-ULisboa.

“O impacto económico tem sido gigante para o setor do turismo”

Sofia Brandão, diretora de operações do AlmaLusa Hotels, (na foto em cima) atenta que a pandemia teve um “impacto muito transversal” em toda a cadeia de valor do setor do turismo, com uma “série de fornecedores em hotelaria e restauração a terem de se reinventar para sobreviver”. A responsável adiciona que a Organização Mundial do Turismo refere 50 milhões de postos de trabalho em risco e até grandes grupos hoteleiros, como a Marriott, delinearam “planos de despedimento coletivos massivos”. Até julho, os dados apontavam para um “impacto económico três vezes superior ao da crise financeira de 2009” e só em janeiro a “China teve uma queda de mais de 89% na ocupação” hoteleira.

A diretora operacional afirma que “os governos têm de dar uma prioridade óbvia ao setor da saúde mas também devem proteger o emprego e os negócios.” Mal as restrições às viagens começaram a “levantar-se”, em julho, percebeu-se que “as pessoas não tinham medo de viajar”. Segundo Sofia Brandão, um “marco importante” foi a reabertura do corredor aéreo do Reino Unido e aí “choveram” reservas. Quando as restrições voltaram, do Reino Unido, Bélgica e Holanda, atualmente em relação a Lisboa, regressaram os cancelamentos. A responsável argumenta que “a maneira de gerir a comunicação não tem sido a mais correta”, centrada no medo quando “temos de aprender a viver com o vírus”. Assim, defende a aposta na “testagem rápida” de modo a “quebrar cadeias de transmissão nos aeroportos e à entrada do trabalho” para se “voltar a alguma normalidade”.

“O financiamento é muito bom para quem tem dinheiro”

Hugo Salgueiro

Vivemos uma “catástrofe” a nível sanitário e, em sua sequência, “graves impactos financeiros”,  determina Hugo Salgueiro, partner no Grupo Your. Tudo se torna “mais grave” na medida em que “o turismo viveu os últimos anos de verdadeiro sonho e contribuiu muito para o crescimento da economia em Portugal”. Todavia, para o responsável, fê-lo “num país onde o apoio às empresas não é muito assertivo” e “não privilegia a sua sustentabilidade com elevada carga fiscal”. Desta forma, em tempos de crise “os efeitos são ainda mais nefastos” e o que precisamos de refletir é: “Como ajudar as empresas quando tudo estiver bem?” pois outra crise pode suceder.

O partner do Your avança alguns dos principais impactos financeiros: em julho registou-se uma quebra de 70% nos proveitos totais das empresas do setor (INE) enquanto cerca de 38% das empresas na restauração ponderam insolvência e 16% no alojamento (AHRESP), o que significa que “descartam qualquer tipo de medidas em vigor, que são poucas, porque já não têm qualquer capacidade” e em “agosto previam não conseguir pagar salários no final do mês”. Entre julho e agosto, 23% do alojamento manteve-se sem qualquer ocupação e, em agosto com os residentes, obteve-se 12% da falta de ocupação.

O maior problema é a “continuidade das operações de grande parte das empresas do setor”, descreve Hugo Salgueiro, pois são necessárias medidas de capitalização e não apenas de “retoma da atividade”. No fundo, as atuais medidas são um “recurso ao endividamento” e uma “degradação exponencial de capitais próprios”, quando “grande parte das empresas não estão ainda em condições de assumir esse compromisso”. O responsável alerta que “o financiamento é muito bom para quem tem dinheiro” e que a melhor medida de “proteção” é reduzir custos fixos com recurso ao outsourcing e à tecnologia.

“Verificou-se um aumento de custo dos produtos” 

Pedro Gonçalves

Para falar sobre os impactos operacionais do ponto de vista da restauração, esteve o administrador da Cervejaria Ramiro, Pedro Gonçalves, que revela encontrar três tipos de clientes pós-Covid: aqueles que saem e consomem em restaurantes, os que não pretendem consumir nos locais e optam pelo take away, que é a “vertente de negócio mais explorada” e, por último, os que não saem de casa e pedem delivery.

Os maiores impactos verificam-se ao nível do contacto com fornecedores, registando-se uma “adaptação na receção de produtos”, e na “higienização mais frequente da sala”. A área menos afetada foi a cozinha, que sempre primou por “grandes exigências em termos de higiene”. O que Pedro Gonçalves mais nota é o “aumento de custo da matéria-prima” e, posteriormente, dos produtos. Onde a Cervejaria Ramiro conseguiu cortar custos foi no “desaparecimento do papel” e na maior utilização do espaço exterior.

“A crise vem refletir o que já não estava bem nas organizações”

Ana Bispo Ramires

O que pesa mais nas organizações, a pandemia ou o medo dela? Isso mesmo questiona Ana Bispo Ramires, psicóloga de performance. É que o “fenómeno do medo”, também visível na crise financeira de 2009, “paralisa as organizações” que assim perdem “capacidade de reação”. Para a especialista é fundamental “aprendermos de uma vez por todas a lidar com a incerteza”, já que “a segurança é meramente fictícia na realidade”. Em suma, não é o contexto pandémico que nos dificulta a vida mas antes a “nossa capacidade de confiança” em relação ao mesmo.

O que também não ajuda, na opinião de Ana Bispo Ramires, é a falta de informação pois “entre estarmos confinados e deixarmos de estar não houve alteração na informação de que agora é seguro” e é a informação contraditória que “faz com que os fenómenos de medo se mantenham na população”.

A psicóloga explica que a crise “vem refletir o que já não estava bem dentro das organizações” sendo que as que estavam “doentes” vão “ter muito mais dificuldade do que outras”, comparando-o ao fenómeno do aumento da taxa de divórcio durante e pós-confinamento. Adianta que não bastam medidas de apoio, as organizações têm de “olhar para dentro” e perceber que “as lideranças que estiverem dotadas de compromisso emocional, para conseguir navegar nesta incerteza, e trazerem consigo as pessoas, vão ter mais êxito.”

“Os sinais são muito positivos em termos de tecnologia”

Tiago Araújo

Mas nem tudo são impactos negativos no decurso da pandemia, já que resultou também numa “aceleração tecnológica” e no aparecimento de “tecnologias novas”, confere Tiago Araújo, CEO da HiJiffy. A Covid-19 teve um “impacto gigante” na indústria da tecnologia pelo que “as próprias tecnológicas têm de se adaptar rapidamente” para responder à procura e aos desafios de “toda a experiência [desde a reserva ao check out], face ao distanciamento social,  ter uma possibilidade digital”.

Os clientes têm cada vez mais dúvidas e os hotéis estão com menos staff, o que representa uma “grande oportunidade em termos de tecnologia” com a “promoção da comunicação contactless“, refere o CEO, que sublinha que esta é também uma “oportunidade para aumentar a eficiência” nos hotéis e restaurantes. Durante a pandemia, a HiJiffy conseguiu adicionar 1.000 hotéis à sua plataforma.

Os grandes desafios…

Raul Ribeiro Ferreira

No final da mesa redonda, Raul Ribeiro Ferreira, presidente da ADHP – Associação dos Diretores de Hotéis De Portugal deu um contributo mais geral acerca dos grandes desafios que o setor tem pela frente. O responsável comenta que “a primeira reação foi sobreviver”, no sentido de que “estávamos a entrar numa tempestade perfeita”,  com a medida do lay off simplificado para “tentar aguentar as empresas para quando sairmos da pandemia o estrago ser o mínimo possível”.

Os hotéis fecharam não por recomendação da DGS mas porque “não tinham clientes”, pelo que a fase seguinte foi reabrir as unidades e “tentar ir buscar os clientes”. Outra questão importante foi “repor confiança dentro da empresa” para que fosse possível transmiti-la ao público, de acordo com Raul Ribeiro Ferreira. Certo é que “acreditámos que o verão ia ser sofrível e que isso daria algum alento”, avança o mesmo, o que não se veio a verificar: “A pandemia está a durar mais do que tínhamos calculado e isso cria um desgaste psicológico maior.”

O presidente da ADHP afirma que algumas regiões ainda cresceram em termos de ocupação, como o caso da Serra da Estrela, mas que as grandes cidades, como Lisboa e Porto, “sofreram um grande impacto porque vivem de eventos”. Também o Algarve sofreu a quebra do mercado inglês com a “abertura e fecho do corredor aéreo”. O mercado espanhol, sendo de proximidade, “caiu apenas 20% face ao ano anterior” e o mercado interno “caiu apesar de ter respondido bem” à call para fazer turismo no país. Mas o responsável alerta que “o mercado português é muito pequenino face às necessidades que nós temos para ter alguma visibilidade em termos de ocupações” e não é ele que “nos vai tirar da crise”.