“Quero consolidar a necessidade dos empresários serem associados da AHRESP”

Está há 19 anos na Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal (AHRESP) e foi ali que recebeu a Ambitur para uma Grande Entrevista. De sorriso fácil e sincero, Ana Jacinto recordou o seu percurso profissional e não hesita em afirmar que é na AHRESP que se vê daqui a 10 anos. Aqui teve e continua a ter a oportunidade de conjugar as suas duas grandes paixões – o Direito e o Turismo – e admite que os desafios constantes das suas funções são o que lhe dá mais prazer. A secretária-geral da associação defende que ainda tem muito trabalho a fazer para que a AHRESP abarque o universo de 100 mil empresas dos setores que representa.

O atual plano de trabalho da AHRESP contempla a gastronomia e as pessoas como eixos prioritários, além do território. De que forma?
Na Gastronomia temos vários projetos em curso e dois deles têm sido extremamente importantes para os empresários. Um é o Seleção Gastronomia e Vinhos, dirigido a estabelecimentos de restauração. Fazemos uma auditoria técnica ao nível da Segurança Alimentar e as Escolas de Hotelaria fazem uma segunda auditoria mistério ao nível do serviço. Já fizemos o programa em várias regiões e a Secretária de Estado do Turismo tem defendido a necessidade de o alargar a todo o território. O segundo tem que ver com o Taste Portugal, uma rede de restaurantes portugueses no mundo. Começámos por envolver cinco mercados e estamos agora a tentar passar para a segunda fase do projeto. O que queremos é que estes estabelecimentos possam ser uma montra de Portugal lá fora.

No que diz respeito às pessoas, temos muita dificuldade em contratar para o nosso setor. O ano passado fizemos uma grande reflexão à volta do mercado de trabalho. Preparámos um inquérito aos nossos associados e, no ano passado, em janeiro, já nos diziam que precisavam de cerca de 40 mil postos de trabalho. Coisa que não veio a resolver-se portanto presumo que a situação até esteja a agravar-se. Há muitas coisas que têm de ser melhoradas, porque o setor não tem sido atrativo. Temos que encontrar medidas que dignifiquem as profissões do setor.

Falta um envolvimento mais sério de todos?
Sim, falta um envolvimento muito grande de todos. Normalmente quando se fala da pouca atração das pessoas face ao nosso setor vem sempre para cima da mesa a questão dos salários. Obviamente que o salário é uma importante componente para valorizar qualquer profissão, mas não é verdade que o setor é aquele que mais mal paga. Aliás, saíram recentemente dados do INE e verificou-se que o setor da hotelaria e restauração tem vindo a crescer significativamente ao nível das médias salariais.

A capacitação do empresário nestas empresas é vital, e precisamos de começar também por aí, para que percebam que há outras formas de organizarem os horários de trabalho, de motivarem as equipas e de as envolverem. Isso faz toda a diferença para reter e atrair talentos.

As empresas do setor terão capacidade de aumentar os seus trabalhadores se o país crescer economicamente a que ritmo?
Este tem sido o setor que mais emprego tem criado. Tivemos um momento crucial: a reposição do IVA à taxa intermédia, que fez com que as empresas tivessem folga para repor os níveis de emprego. Destruíram-se muitos empregos com o IVA a 23%. O serviço estava no limite e o que precisamos é de continuar a ter um serviço de excelência. O turismo são pessoas e precisamos das pessoas.

Espero podermos continuar a ser recordistas na criação de emprego mas, para isso, precisamos de resolver a falta de atratividade das pessoas para trabalharem no nosso setor.

Nos últimos anos, a AHRESP tem ganho visibilidade acrescida pelos estudos e abordagens variadas. Houve um investimento assertivo nesse sentido?
Sentimo-nos obrigados a conhecer para depois melhor intervirmos. O alojamento local (AL) é um bom exemplo. A AHRESP representa o AL desde sempre, com as antigas pensões e residenciais. A dada altura, a legislação obrigou essas unidades a escolherem entre reconverterem-se em hotéis ou continuarem como pensões, caindo sob a alçada do AL. Surgiram depois outras tipologias de AL num crescimento enorme, porque a procura assim o exigiu. E já havia muito apetite para fazer alterações à legislação. A AHRESP decidiu assim conhecer a fundo o que se estava a passar para depois ajudar quem tem que fazer os ajustes necessários. Portanto fomos para o terreno. Começámos na Área Metropolitana de Lisboa (AML), com um estudo profundo de caracterização do setor na ótica de conhecermos a tipologia, o hóspede e o empresário do AL. E ainda fizemos um estudo de impacto económico que indicou que, na altura, só na AML, o AL já contribuía com 1% para o PIB. Fomos depois para o Norte, Centro, Alentejo e, neste momento, estamos no Algarve. Quando se diz que o AL está a roubar habitação a Lisboa, é preciso ter cuidado, porque 60% dos imóveis que hoje são AL estavam desocupados e foram regenerados. E neste aspeto da regeneração urbana os dados foram muito coincidentes com o resto do território. Para nós é vital continuar a conhecer, a aprofundar e então, depois, a atuar.

Claro que isto tem custos. E só conseguimos fazê-lo com parceiros e apoios, como o Turismo de Portugal. No caso do Centro, Alentejo e Porto recorremos a apoios do COMPETE 2020. Mas são investimentos que valem muito a pena. E é para continuarmos a trabalhar com esta metodologia porque não se pode correr o risco de alterar as regras do jogo aos empresários com base em perceções.

Para onde é que a AHRESP caminha enquanto associação?
O objetivo é cada vez mais consolidarmo-nos no sentido de podermos dar tudo o que o nosso associado precisa. O meu desejo era que todos os empresários do setor – e estamos a falar de um universo de cerca de 100 mil empresas neste momento – fossem associados da AHRESP. Já estou na AHRESP há 19 anos e digo-o desde sempre, e não descanso enquanto não o conseguirmos concretizar. Mas para sentirem necessidade de serem associadas da AHRESP nós temos que prestar serviços, dar-lhes todo o apoio de que precisam. Queremos consolidar essa necessidade de todos os empresários serem associados da AHRESP.

O que espera da revisão da Lei dos Empreendimentos Turísticos?
Nada está em consulta pública. Ainda não fomos envolvidos. O que tenho transmitido é que tenham atenção porque o setor não convive bem com a constância da inconstância legislativa. Passamos a vida a alterar regras de jogo, e os estabelecimentos e as empresas têm planos de negócio, até porque o retorno nesta atividade é lento e está perspetivado num determinado período temporal normalmente grande. Alterar as regras de jogo constantemente às empresas que estão em funcionamento é sempre perigoso.

Hoje temos o alojamento mais organizado e definido no país?
Houve uma grande polémica e um período mais agitado na questão do alojamento local versus hotelaria tradicional. Na AHRESP dissemos sempre que cada um tem o seu espaço, são ofertas complementares, e o mercado é que trata de resolver isso. Se há procura, então há oferta. Por isso é que nunca concordámos com a alteração do uso do AL, que alguns defenderam. Sempre dissemos que não havia necessidade de demasiada intervenção no processo. Mesmo com maior complexidade as pessoas não vão deixar de abrir estabelecimentos de AL se tiverem procura, vão é fazer de forma escondida, e não é isso que se quer. Tem de haver equilíbrio. Recomendo prudência e calma, não se pode estar sempre a alterar as regras do jogo. Os empresários precisam de estabilidade, se não ninguém investe, ou investem às escondidas. E toda esta expansão do AL que tanto assustou tanta gente, já está a abrandar. Tal como previmos no estudo que fizemos do Impacto Económico do AL, está a abrandar em 2019 e vai abrandar em 2020.

 

* Esta é a 1ª Parte da Grande Entrevista a Ana Jacinto.