A Quinta da Regaleira constitui um dos mais surpreendentes e enigmáticos monumentos da Paisagem Cultural de Sintra, classificada como Património Mundial pela UNESCO. Situada no elegante percurso que liga o Palácio Nacional de Sintra ao Palácio e Jardim de Seteais, a Quinta foi adquirida aos herdeiros da Viscondessa da Regaleira, em 1893, pelo filantropo António Augusto Carvalho Monteiro (1848-1920), o famoso “Monteiro dos Milhões”, que conferiu a esta propriedade as suas características actuais, tornando-a residência de veraneio da família a partir de 1911. Este proprietário foi um humanista de grande cultura em vários domínios, desde a Literatura, à História, à Arte ou à Música, sendo um bibliófilo e coleccionador dos mais notáveis. Mas foi nas Ciências Naturais que mais se destacou, tendo sido um respeitado entomólogo e o presidente de várias comissões científicas, quer no Jardim Zoológico de Lisboa, quer na Sociedade de Geografia. A Regaleira viria a sintetizar a sua visão universalista, propondo uma harmoniosa simbiose entre Arte e Natureza. Obra-prima do Neomanuelino, gizada no último período do Romantismo em Sintra, o “Palácio dos Milhões”, como ainda é conhecido, impõe as suas linhas majestosas ao visitante que aqui chega vindo do centro histórico. A poucos metros do palácio ergue-se a capela, outra jóia neomanuelina, também ela cinzelada pelas mãos de alguns dos melhores artistas nacionais. O seu exuberante programa decorativo assinala a devoção mariana da família, com particular destaque para a Coroação de Maria, acima do altar-mor, e para o Milagre da Nazaré, sobre o vitral norte. O simbolismo alude ainda aos Templários e à Ordem de Cristo, que impulsionou os Descobrimentos. A par da surpreendente decoração do Palácio, da Capela e demais edifícios, os jardins proporcionam um inesperado périplo entre lagos, fontes e cascatas, torres elevadas, terraços panorâmicos e percursos subterrâneos. Mas é o Poço Iniciático que prevalece na memória de quem visita este espaço de sonho. Apresenta-se sob a forma de uma “torre invertida” que se insere verticalmente ao longo de 27 metros no interior da mole granítica, percorrida por uma monumental escadaria em espiral. A sua subida é o ponto culminante de uma viagem marcada pelo diálogo entre a luz e as trevas. Foi o talento e virtuosismo do cenógrafo e arquitecto italiano Luigi Manini (1848-1936) que permitiu transformar os domínios da Regaleira num ambicioso projecto de Arte Total, que obedece a um complexo programa paisagístico e arquitectónico, materializando no espaço o conceito de jardim imaginário, em voga desde o final do século XVIII. É hoje um dos exemplos mais destacados da arquitectura paisagística a nível mundial. Estendida por cerca de quatro hectares na vertente nordeste da Serra de Sintra, a paisagem da Quinta da Regaleira recria a busca do “Paraíso perdido” e consagra a expressão de uma demanda espiritual onde ecoam os Clássicos da Literatura universal, desde a Divina Comédia de Dante aos Lusíadas de Camões. Em 1949, 29 anos após o falecimento do Dr Carvalho Monteiro, a propriedade foi vendida pelos descendentes a Valdemar J. D’Orey, cuja família aqui habitou até 1987. Depois de 10 anos na posse da companhia japonesa Aoki, integra actualmente o património público municipal, na sequência da aquisição por parte da edilidade sintrense, ocorrida em 1997. Mais do que um passeio turístico, visitar a Quinta da Regaleira é viajar num universo mágico, feito de símbolos e metáforas. Aqui nada é apenas o que parece, mas sempre indício de algo mais intenso, transcendente e misterioso. Veja mais imagens em Ambitur TravelLifestyle.