Recuperação Turística: “É preciso manter latente uma estrutura de oferta e bem preparada”

Um dos painéis do XVI Congresso da ADHP – Associação dos Diretores de Hotéis de Portugal debateu “A Recuperação/Reestruturação Turística, Quando e Como?” com João Duque, professor catedrático do ISEG, Eduardo Abreu, partner da Neoturis, e António Jorge Costa, presidente do IPDT – Turismo e Consultoria. Os profissionais avançam um “cenário negro” com uma retoma lenta, mas também refletem que tudo depende do que for feito em termos públicos e privados. Uma coisa é certa, é preciso dotar o setor de “capacidade mínima” de forma a manter a “qualidade” da oferta.

“A recuperação será sucessiva”

O primeiro a partilhar o seu testemunho foi João Duque que, enquanto consumidor, tentou fazer o seu “papel” passando férias exclusivamente em Portugal este ano e “gastando mais no setor” do que o normal. O professor comunica que “ainda tinha alguma esperança que ficássemos nos 8% de quebra do PIB” e que há umas semanas atrás este cenário “era bem provável”.

O que acontece é que “as restrições que se impõem”, pelo Governo, têm um efeito “imediato” e algumas delas ditam uma “quebra de atividade em geral”, alerta, como o caso do limite de ocupação nos restaurantes e o limite de audiência nos eventos. No fundo, o que se pretende é seguir a vida com “o mínimo dano económico possível”. Mas os últimos e elevados dados de contágio da pandemia podem culminar numa ‘over reaction‘ que “pode agravar muito a recuperação daquela área que está a ser muito fustigada que é o consumo”, dita o especialista.

João Duque explica que, olhando para os componentes do PIB, existem as exportações, que são “difíceis de controlar porque dependem de quem nos compra”, as importações muitas das quais “não podemos prescindir” e a procura interna com três grandes agregados: consumo público, privado, e o investimento. O consumo público foi o “menos afetado nesta crise” pois “o Estado tem capacidade de financiar junto do mercado internacional”, mantendo uma “boa reputação”, e o investimento foi também penalizado registando uma queda de 9% no 2.º trimestre do ano. Quanto ao consumo privado, o de bens alimentares “subiu cerca de 7,5%” mas já o “consumo de bens duradouros” desceu acima dos 20%. O professor comenta que “as medidas e o Orçamento do Estado para 2021 são muito vocacionados para se estimular a ideia de dar rendimento às pessoas para consumirem”, no entanto, “se as pessoas vão consumir ou não é outra grande questão”, reflete. Assim, “esta estratégia é um bocadinho arriscada” na sua opinião.

O especialista afirma que a sua expetativa é de uma “recuperação sucessiva, de trimestre a trimestre, não de forma tão violenta quanto a descida” já registada “face ao 2.º trimestre que foi o pior de 2020”. Todavia, realça que existem “diferenças abissais” entre setores, como por exemplo distribuição, o digital ou a hotelaria, nessa retoma.

Segundo o próprio, o turismo interno terá “mitigado” um pouco a crise mas “vamos ver como se consegue manter agora” o setor do turismo. João Duque defende: “É preciso manter latente uma estrutura da oferta que se espera que venha a arrancar e bem preparada, que consiga dar aquela absoluta garantia de que as pessoas estarão em segurança.” Para já, não se regista “nenhum foco num hotel” e “quer a restauração quer a hotelaria em Portugal passaram o exame” de higiene e segurança contra a Covid-19.

“Manter o nível da oferta na qualidade e atratividade que tinha”

Já Eduardo Abreu considera que “o que foi feito pelo Governo até maio/junho foi importante e bem feito” mas que “agora é preciso uma segunda vaga de apoios e de alguns pacotes direcionados para o setor do turismo para preservar a oferta”. O partner da Neoturis admite que o setor só deverá retomar os números de 2019 lá para 2024 até porque “2021 está perdido e 2022 será provavelmente o início da recuperação económica” dependendo também das “companhias de aviação em situação muito complexa”.

Na sua perspetiva, “se tudo correr bem começaremos em março/abril uma dinâmica de procura crescente”. Isso seria o ideal ou “vamos estar a falar do verão do próximo ano e destinos como o Algarve e a Madeira não vão aguentar quase dois anos de época baixa. Não há empresas que resistam a isso”. Em suma, existirão “falências, consolidações, junção de grupos e investidores internacionais a entrar” no país. A par do defendido por João Duque, também o responsável acredita ser preciso “dotar o setor de uma capacidade mínima para quando chegarmos a 2022 termos um flow relativamente estruturado e estrutural para manter mais ou menos o nível da oferta na qualidade e atratividade que tinha”.

Eduardo Abreu adianta que a única área do mercado a “mudar estruturalmente” e que sofrerá um “efeito disruptivo” fruto da pandemia será a dos grandes congressos e eventos, acelerando a “tendência das empresas de reduzir custos de viagens [de trabalho] que são desnecessárias”, pelo que é um setor que “tem de ser repensado”.

“Olhar para a resiliência do setor” 

Finalmente juntou-se à conversa, via vídeo, António Jorge Costa que, enquanto presidente do IPDT – Turismo e Consultoria, avançou alguns detalhes do E-Book para a Retoma do Turismo lançado há cerca de duas semanas pela consultora. Não há dúvidas de que “o cenário é muito negro” mas “temos de dirigir as empresas como quem anda de bicicleta, temos de olhar para a estrada e não só para a roda porque se não corremos o risco de ter um acidente”, realça o responsável, ou seja, “olhar para a resiliência do nosso setor, tentar ser criativos e encontrar novas formas de olhar para o negócio e para o desenvolvimento da nossa atividade”.

Depois, quando se fala em recuperação, importa perceber se o pretendido é uma situação “exatamente igual ao momento em que entrámos na fase da pandemia, em que existiam zonas das nossas principais cidades e costeiras com problemas de mobilidade e excesso de concentração de turistas” ou se “vamos aproveitar este momento e dificuldade toda para olharmos para um modelo menos quantitativo e mais qualitativo e competitivo”, equaciona António Jorge Costa.

O presidente do IPDT reflete que “nós não destruímos a estrutura turística nacional, não perdemos skills, qualidade ou atratividade”, o que se perdeu foi “mercado”. Nesse sentido, “a recuperação poderá ser muito mais rápida porque toda a estrutura física e de competências está no lugar” mas alerta que, por vezes, é preciso tomar “decisões que destroem valor” durante a crise.

António Jorge Costa adiciona que existe “a necessidade urgente de rever a Estratégia 2027” porque “há todo um conjunto de novas variáveis que afetam o modelo que temos em vigor e está desfasado no contexto atual”. Além disso, “precisamos de apostar fortemente na inovação, numa visão muito clara daquilo que nós queremos que Portugal continue a ser como destino turístico no pós-pandemia”. Segundo um inquérito realizado pelo IPDT, as entidades e profissionais do setor esperam um “regresso aos resultados pré-Covid em finais de 2022 e início de 2023”.