Reportagem: A mais-valia de ter os profissionais certos nos lugares certos

A seleção dos recursos humanos certos é, cada vez mais, encarada como uma vantagem competitiva para as empresas do setor do turismo. A formação adequada, a adequação do perfil do candidato à cultura da empresa, a vontade de progredir e a polivalência são alguns dos elementos chave para que a contratação de alguém novo para a empresa seja um sucesso. Falámos com operadores turísticos e hoteleiros sobre a forma como valorizam os recursos humanos dentro das suas empresas e de como trabalham no sentido reter os talentos que fazem a diferença.

“Sempre perto de Si” é o lema da Vila Galé Hotéis e aplica-se não apenas aos clientes mas também às equipas e colaboradores, definindo na perfeição a política de recursos humanos que esta cadeia hoteleira portuguesa segue. Gonçalo Rebelo de Almeida, administrador do grupo, fala ainda de sete eixos essenciais: Atrair, Integrar, Retribuir, Desenvolver, Motivar, Avaliar e Comunicar. “Cada um destes eixos acaba por ser uma forma de estarmos todos próximos e de conseguirmos valorizar e dignificar o trabalho de todos os que estão connosco”, sublinha o responsável.

Gonçalo Rebelo de Almeida

O objetivo dentro da Vila Galé é captar os melhores recursos, fortalecer o espírito de equipa e a motivação, e alcançar as melhores práticas, até porque isso “transparecerá depois no serviço que prestamos e no relacionamento com os nossos clientes”, reconhece Gonçalo Rebelo de Almeida.

No VidaMar Resort Hotel Algarve, os recursos humanos são encarados como uma vantagem competitiva e um elemento chave da estratégia da empresa. Assim, a política de recrutamento consiste em “atrair os profissionais cujo perfil, numa perspetiva organizacional, melhor se adeque às funções a desempenhar, o que passa, obrigatoriamente, por um processo criterioso de seleção, através de entrevistas, testes de aptidão e personalidade”, explica Pedro Costa, diretor de Recursos Humanos desta unidade hoteleira. Uma vez que o hotel se situa no Algarve, confronta-se com a questão da sazonalidade pelo que, admite o responsável, “procuramos recrutar profissionais com elevado potencial de comprometimento com a nossa organização, pessoas que queiram desenvolver as suas competências connosco e que contribuam para fortalecer a empresa”.

Na Newtour o recrutamento é planeado anualmente através de um “levantamento rigoroso das necessidades do grupo para o ano que inicia e está estritamente ligado aquilo que é o plano de negócios da Newtour e aquelas que são as perspetivas e ambições das empresas que a constituem”, afiança Tiago Raiano. O representante da Comissão Executiva da Newtour refere que é nesta fase que são identificados os perfis e competências dos colaboradores necessários, inclusive na política de estágios.

Também José Luís Correia, CFO da Solférias, garante que a política de recrutamento está relacionada com as necessidades específicas da organização, num determinado momento. “O recrutamento é a porta de entrada das pessoas na empresa e este processo bem desenvolvido está diretamente ligado ao sucesso da organização”, justifica.

A seleção dos candidatos
Mas como encontrar as pessoas certas? Para Tiago Encarnação, diretor operacional da Lusanova, a resposta varia consoante o perfil e a responsabilidade do cargo em questão. Mas, no procedimento interno de recrutamento, admite que “as referências continuam a ser muito importantes”, apesar de também trabalharem com empresas de recrutamento. Na hora da seleção, pesam três fatores neste operador turístico: ambição e perspetivas profissionais do candidato, identificação com a cultura da empresa e experiência profissional.

Na TQ – Travel Quality, a diretora de Marketing, Alexandra Henriques, esclarece que é definido um período de teste a partir do qual é possível saber “se a pessoa escolhida se adequa à função ou se existe a necessidade de a alocar a outra posição mais adequada”. A empresa, que trabalha no âmbito do Recrutamento com a Turijobs e com as Universidades com cursos na área do Turismo, nomeadamente os gabinetes de estágio, privilegia a “formação, disponibilidade e vontade de fazer parte da equipa”.

Tiago Raiano

Por sua vez, a Newtour indica que é frequente que os primeiros candidatos a uma vaga estejam “dentro de casa”,  sendo que é política da empresa privilegiar os recursos internos e uma política de mobilidade interna. Além disso, os estágios curriculares/ de verão ” permitem-nos conhecer as competências e moldar os comportamentos à imagem da empresa, permitindo-nos perceber se aquela pessoa é o colaborador certo para a empresa”, assegura Tiago Raiano. Privilegiando os meios digitais para chegarem até aos candidatos, como a publicação de anúncios no LinkedIn e em sites de emprego, bem como a rede de contactos diretos com as escolas profissionais e faculdades, o responsável reconhece que além dos requisitos obrigatórios que a função exige, como especializações ou certificação em determinada área, são essenciais as características comportamentais (atitude, capacidade e desejo de aprender, competências de comunicação e trabalho em equipa) e a sua correspondência com o ADN do grupo e da empresa.

O CFO da Solférias, José Luís Correia, admite que a maior dificuldade das organizações é mesmo ter as pessoas certas nos lugares certos, e isso é também o seu maior trunfo. Privilegiando o contacto direto com as universidades, este operador turístico define como fatores essenciais para a seleção de um candidato uma “análise do perfil comportamental, entrevista com líder imediato, atitude comportamental, postura apresentada, a sua visão do futuro, a forma como vê a organização e a capacidade de se identificar com a empresa”.

Pedro Costa

Na hotelaria não é muito diferente e Pedro Costa, do VidaMar Resort Hotel Algarve, garante que além dos candidatos possuírem as qualificações técnicas necessárias ao desempenho das respetivas funções, devem enquadrar-se na cultura da empresa. O responsável pela área de Recursos Humanos desta unidade explica que na seleção são ainda valorizados elementos como “a estabilidade familiar e a vontade (e interesse) no estabelecimento de uma relação profissional duradoura”.

Também a Vila Galé tem tudo muito bem definido no que diz respeito a perfis. ” Disponibilidade para aprender e crescer na empresa, polivalência, formação na área e conhecimento de línguas e o nível de experiência são alguns dos critérios que analisamos na altura de recrutar”, aponta Gonçalo Rebelo de Almeida. Mas também são privilegiados “a eficiência, a capacidade de relacionamento interpessoal, o espírito inovador, a ambição e a simpatia”. No entanto, o administrador da cadeia hoteleira portuguesa tem consciência da atual escassez de recursos e, por isso, afirma que o grupo tem optado por contratar pessoas com as competências comportamentais e sociais desejadas e depois, internamente, “damos o apoio e a formação necessários para complementar e aperfeiçoar as competências técnicas.

A Vila Galé dispõe de vários programas de divulgação de vagas internamente: o Programa Interno de Mobilidade, que permite aos colaboradores candidatarem-se; e o “Traz um amigo também”, que lhes permite recomendar alguém para essas funções”. Além disso, participa em feiras de empregabilidade, faz ações em escolas e universidades e por vezes recorre a empresas de recrutamento.

As principais dificuldades e lacunas
Mas com o recrutamento surgem, por vezes, algumas dificuldades que, segundo Tiago Encarnação, diretor operacional da Lusanova, se pretendem neste momento com a contratação de profissionais com experiência para determinadas funções de responsabilidade. Por outro lado, um dos maiores desafios acaba por ser ” conciliar as ideias disruptivas das novas gerações com a experiencia das gerações mais seniores”, admite, acrescentando que “o bom aproveitamento destas duas realidades será, sem sombra de dúvidas, o principal fator de diferenciação e crescimento das empresas no futuro”.

A Newtour tem sentido uma diminuição no número de profissionais disponíveis e, consequentemente, do número de candidaturas às ofertas de emprego, algo que Tiago Raiano atribui ao “boom e crescimento de turismo interno que o país tem sentido”. Quanto a lacunas detetadas nos candidatos, estão na sua maioria centradas no domínio de idiomas, além do Inglês, ou conhecimentos específicos de ferramentas relacionadas com o trabalho operacional, como os diferentes GDS.

José Luís Correia

Também o CFO da Solférias partilha da noção de que o mercado mudou e que hoje “existem muitas vagas para menos pessoas”. José Luís Correia indica ainda que “a volatilidade dos recursos, nomeadamente naqueles que se designaramu por geração Millennium, a que não é alheia a dificuldade de atrair, obriga as organizações a maior esforço de recrutamento”.

Na TQ – Travel Quality “têm surgido regularmente candidatos sem formação adequada ao cargo a que se propõem”, explica Alexandra Henriques. A diretora de marketing da empresa, que se têm deparado sobretudo com dificuldades de recrutamento a nível dos gestores de viagens e funcionários para a área de contabilidade para as agências de viagens, “por serem áreas muito específicas”, diz que também surgem candidatos que, por vezes, abandonam o processo de recrutamento antes deste chegar ao fim.

Já no Algarve, Pedro Costa, diretor de Recursos Humanos do VidaMar Resort Hotel Algarve, alega que “as necessidades de mão-de-obra são transversais a todas as profissões”, destacando porém áreas como a pastelaria, cozinha e bar que “pelas suas especificidades, encerram maior dificuldade de recrutamento”. A unidade deteta pois lacunas a nível de formação, bem como na assimilação da cultura e valores da empresa.

Gonçalo Rebelo de Almeida também admite que a maior dificuldade está em encontrar candidatos para funções operacionais, onde há neste momento mais vagas abertas na Vila Galé, nomeadamente a nível de restauração, bar e cozinha, mas também empregados(as) de andares e assistentes de direção. O administrador do grupo reconhece que atualmente, “quem chega ao mercado de trabalho vem cada vez melhor preparado, com crescentes capacidades técnicas, mas também mente mais aberta, maior disponibilidade para tirar partido da formação existente e com interesse pela mobilidade geográfica”.

Como reter talentos?
Reter o talento é outro desafio do setor, admite o administrador da Vila Galé, que indica algumas iniciativas que permitem que o grupo aposte na retenção “dos bons recursos humanos”. Além da possibilidade de progressão na carreira, o grupo hoteleiro garante um equilíbrio entre a vida profissional e pessoal através da flexibilidade de troca de horários, férias e folgas. Gonçalo Rebelo de Almeida elogia o “bom ambiente laboral” no seio da cadeia, bem como o sistema de incentivos atrativo e a formação contínua. “Acreditamos que os colaboradores valorizam estas políticas porque, nos estudos que fazemos internamente de avaliação do clima organizacional – o Cool Staff – 96% revelaram estar globalmente satisfeitos por trabalhar na Vila Galé. E quase 90% estão satisfeitos com o reconhecimento profissional e com o relacionamento interpessoal”, justifica. O que explica uma taxa de rotatividade que ronda os 6% e eleva a retenção para cerca de 94%.

Tiago Encarnação

Na Lusanova, cuja taxa de retenção é superior a 50%, esta aposta passa pela política de Avaliação de Desempenho (um dos cinco procedimento da política de Recursos Humanos do operador), que engloba a identificação da satisfação dos colaboradores em relação à empresa e vice-versa, bem como a atribuição de um prémio de produtividade, além do investimento anual em formação profissional, explica Tiago Encarnação. O diretor operacional do operador reconhece que este nível de retenção se deve ainda ao facto de a Lusanova ser uma PME familiar, “sendo que esta cultura «familiar» contribui muito para a proximidade dos seus colaboradores e a respetiva administração”.

Na Newtour há uma aposta no “desenvolvimento conjunto de um plano de carreira adaptado às expectativas do colaborador e da empresa”, esclarece Tiago Raiano, sendo que é ainda disponibilizado um plano de benefícios sociais e um programa de mobilidade interno. A taxa de retenção das empresas do grupo é de 70%.

Já no VidaMar Resort Hotel Algarve, a taxa de retenção não consegue ser muito alta devido à sazonalidade típica da região bem como da atual conjuntura do mercado de emprego, admite Pedro Costa. O diretor de Recursos Humanos desta unidade revela, contudo, que “temos vindo a assistir a uma evolução positiva”, até porque “a retenção de colaboradores é uma das principais prioridades da organização”. Para tal, implementou um quadro estratégico assente em três pilares: o desenvolvimento de boas práticas de recrutamento, seleção e acolhimento; melhores condições de trabalho, nomeadamente oferecendo contratos de trabalho mais estáveis e duradouros, e prémios de antiguidade; e fortalecer a cultura VidaMar, movida por valores de integridade, seriedade e orientação para o cliente. ” No VidaMar estamos sensibilizados para a importância de bem receber os novos colaboradores e ir ao encontro das expectativas criadas ao longo do processo de recrutamento e seleção. O contrato psicológico que se estabeleceu com o candidato consegue ser, por vezes, mais forte que o próprio contrato de trabalho”, explica.

Além disso, no VidaMar Resort Hotel Algarve, é importante criar uma cultura de feedback já que “onde existe feedback as pessoas são, tendencialmente, mais estáveis, não procuram mudar com tanta facilidade”. A empresa dinamiza ainda um conjunto de ações com vista “a aumentar o sentido de pertença dos colaboradores”, tais como a celebração de aniversários e datas festivas, o lançamento de desafios inseridos na ação “Faça a diferença” e o estabelecimento de protocolos exclusivos para os colaboradores.

Alexandra Henriques

Na Solférias, a retenção de talentos surge ligada à capacidade de motivação para que os melhores profissionais queiram continuar na empresa. José Luís Correia evidencia que, para além da política salarial, “outros benefícios podem ser um grande estímulo e fazer a diferença, nomeadamente formação e a procura de um bom ambiente profissional e cultura de feedback, ou seja, falando sobre os seus pontos fortes e fracos, eliminando comportamentos indesejados e motivando melhores posturas”. O operador turístico apresenta uma taxa de retenção na ordem dos 60%.

Na TQ – Travel Quality esta taxa sobe aos 99%, garante Alexandra Henriques. “Sempre que possível gostamos de manter os profissionais que contratamos, desde que se mostrem competentes, mesmo tendo de os alocar a outras equipas”, refere, acrescentando que a empresa não tem o hábito de contratar por períodos curtos.