São Tomé (II): As memórias do passado e a estrada mais bonita do mundo estão a norte

Continuamos a nossa viagem por São Tomé e Príncipe, a convite da Solférias e da TAP, percorrendo hoje a região mais a norte, com as suas aldeias piscatórias, lagoas e marcos históricos.

Atrás: Ana Cristina Oliveira, Flytravel; Basílio Soares (guia); Ana Margarida Fonseca, Wamos Lisboa (R. Ouro); Magda Lourenço, Bestravel Torres Vedras; Joana Moreira, Caravela/Braga; António Mauro (guia); Eduardo Falcão (Solférias); João Ferreira, Graçatur, Pombal. À frente: Conceição Melo, TAP; Maira de Jesus, Book Viagens, Vagos; Inês Março (Solférias) e Pedro Melo, Wamos Lisboa (av. Roma).

O dia amanheceu chuvoso, ou não fosse esta a época das chuvas em São Tomé e Príncipe. E assim continuou até à hora do almoço, dando-nos algumas tréguas depois disso. Mas nada que afastasse o entusiasmo do grupo de agentes de viagens que acederam ao convite da Solférias e da TAP para conhecerem este pequeno país insular perto da linha do equador. Hoje o objetivo era conhecer o norte de São Tomé e nem mesmo a chuva ou as estradas menos apropriadas a pessoas mais sensíveis – infelizmente, uma realidade que percorre a ilha de norte a sul – nos tiraram a vontade de partir à descoberta.

E a primeira paragem do dia foi na Praia de Fernão Dias, no distrito de Lobata, um lugar de uma enorme importância história para o arquipélago de São Tomé e Príncipe. Foi para aqui que, em 1953, foram levados os detidos do Massacre de Batepá e há quem garante que ainda hoje podemos ouvir o som do arrastar dos grilhões que acorrentavam os prisioneiros, bem como os seus gritos de socorro. Para homenagear as vítimas do massacre, cujo número não se sabe ao certo mas foram seguramente mais de mil, foi construído um memorial.

O antigo hospital da roça.

Seguimos depois para a Roça Agostinho Neto, anteriormente conhecida por Roça Rio d’Ouro. Também situada na província de Lobata, esta será, talvez, a maior roça da ilha de São Tomé, tendo sido fundada em 1865 e impressionando, ainda hoje, pela sua dimensão e imponência arquitetónica. Apesar do abandono a que está atualmente votada continua a ser uma atração turística e está organizada de modo a que quem faça a visita guiada, pelas “mãos” de um dos habitantes, possa depois deixar um pequeno contributo numa das casas para ajudar a comunidade local.

Vista do hospital sobre a roça.

As crianças da roça.

Em tempos, esta roça integrou o sistema ferroviário mais avançado da ilha, fazendo a ligação entre as suas dependências e o porto, localizado em Fernão Dias. Em termos de organização, a principal rua é marcada pelo grandioso hospital de outrora que, instalado num local mais elevado, permite ter uma visão desimpedida sobre todos os terrenos da roça, hoje com construções totalmente degradadas onde ainda vivem uns milhares de pessoas. O antigo hospital, construído nos anos 20, ergue-se através de duas grandes alas – masculina e feminina – separadas por um corpo central onde se encontravam as enfermarias, a maternidade, a lavandaria ou a cozinha. Hoje, o pouco que ainda pode ser aproveitado, dado o elevado estado de degradação, está ocupado por famílias que ali moram e que já estão bem habituadas às “entradas e saídas” de turistas que procuram vislumbrar a grandiosidade do passado nas ruínas do presente. Mas o sorriso de quem nos recebe é sempre uma constante e até os mais pequenos aproveitam estes momentos de visitas para uma foto aqui e ali, uma troca de palavras e uma pequena lembrança que quem por ali passa não consegue deixar de lhes oferecer – uma simples caneta ou um bloco de papel são já o suficiente para o entusiasmo destas crianças.

Despedimo-nos da Roça Agostinho Neto e, pelo caminho, passamos pela movimentada Cidade de Neves, a maior aldeia piscatória da ilha nesta zona, e considerada hoje cidade industrial do arquipélago pois é aqui que está instalada a fábrica de cerveja nacional Rosema, muito apreciada por locais e turistas. É também em Neves que podem experimentar as famosas santolas, um petisco a não perder, diz quem já provou.

E é também neste percurso que ficamos a conhecer aquela que é a praia mais emblemática da região norte de São Tomé, chamada de Lagoa Azul. O nosso grupo apenas pôde constatar a beleza deste lugar do topo da estrada, pois a chuva teimava em querer aparecer, mas as águas azul-turquesa ou verde-esmeralda, consoante a disposição da luz, foram mais do que suficientes para ficar a vontade de voltar um dia e descer o declive pronunciado que nos leva a um dos que garantem ser os melhores locais de mergulho do arquipélago, com boa visibilidade e uma grande variedade de corais.

A viagem prossegue para mais um local cénico, e são muitos neste país. Diz quem sabe que vamos percorrer a estrada mais bonita do mundo e, embora as expectativas sejam elevadas, não nos sentimos defraudados. As palmeiras posicionam-se umas atrás das outras vergadas pelo vento, à beira da praia, até vislumbrarmos o único túnel existente, o de Santa Catarina. Prepare-se para muitas fotografias e vídeos, de diversos formatos e ângulos, pois este será certamente um dos locais mais instagramáveis de São Tomé.

As águas onde desembarcaram os navegadores portugueses.

A beleza da natureza deixa agora de ser a nota dominante, embora sempre presente. E reservamos mais um pouco do nosso tempo para mais um marco histórico: o Memorial da Descoberta/ Achamento da Ilha de S. Tomé a 21 de dezembro de 1470, pelos navegadores portugueses Pêro Escobar e João de Santarém. É aqui, em Monforte, que encontramos o Padrão dos Descobrimentos, o local onde estes navegadores desembarcaram pela primeira vez em São Tomé. O estado de degradação deste monumento, bem como do acesso ao mesmo onde parte da estrada ruiu há pouco tempo, não consegue apagar a tranquilidade e beleza deste lugar, banhado pelas águas de uma praia que convida a mergulhar.

E apesar de a hora já ir adiantada, avançamos para mais uma roça, a Roça Diogo Vaz, com uma floresta de cacaueiros que se estende por mais de 420 hectares, onde se incluem as variedades Amelonado e Trinitário, endémicas a São Tomé e Príncipe. Remodelada em 2014, é uma das mais antigas do país e mantém-se ativa tendo mesmo recebido a certificação e agricultura biológica. Hoje, a marca está presente nas maiores feiras de chocolate do mundo e o chocolate Diogo Vaz já é referenciado nos restaurantes e pelos artesãos pasteleiros mais prestigiados de França desde 2018. E vale a pena experimentar!

Hospital da Roça Água Izé

Chegámos finalmente à nossa última paragem do dia: a Roça Água Izé. Em tempos foi uma das maiores de São Tomé, estendendo-se por cerca de 80 Km2, com 12 km de costa e cerca de 4800 hectares de área cultiva. Aqui chegaram a trabalhar cerca de 2500 trabalhadores. Foi aqui que o “Barão de Água Izé”, quem introduziu a cultura de cacau no arquipélago, estabeleceu o sistema de “dependências”, que funcionou durante o período colonial. Aqui bem perto está a Boca do Inferno, uma gruta em volta da qual a lenda do “Barão Água Izé” dizia que ele teria entrado pelo mar, montado no seu cavalo, e aparecido uns minutos depois em Portugal, mais concretamente, em Cascais, na também chamada Boca do Inferno.

E assim terminou o segundo dia pelo norte de São Tomé e Príncipe, restando-nos agora explorar o lado sul desta ilha. Mas essa história fica para outra reportagem.

Onde ficar hospedado?

Mucumbli – Um refúgio no meio da natureza

Vista do hotel.

Localizado em Ponta Figo, Praia das Furnas, distrito de Lemba, cerca de 1 km depois da Cidade de Neves, este ecolodge tem tudo para agradar os verdadeiros amantes da natureza. Instalado no topo de uma falésia basáltica, a poucos metros do oceano, do terraço do restaurante está garantido o melhor pôr-do-sol de São Tomé, bem como uma paisagem que deslumbra qualquer um. O alojamento divide-se em bungalows e cada um tem a sua história e personalidade. Construídos com materiais locais, nomeadamente a madeira e pedras, e decorados com peças produzidas por artesãos também da região, os quartos estão perfeitamente integrados na natureza e garantem tranquilidade e todo o conforto dos dias de hoje. O restaurante recomenda-se com a gastronomia tradicional dos sabores são-tomenses.

Por Inês Gromicho, em São Tomé, a convite da Solférias e da TAP.

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