“Serviço público é pôr os outros em primeiro lugar”

Foi com um sorriso nos lábios que Ana Mendes Godinho recebeu a Ambitur para mais uma Grande Entrevista no Ministério da Economia, no meio de uma sempre preenchida agenda de viagens e eventos que resume o seu dia-a-dia. Confessamente apaixonada pelo que faz, a atual secretária de Estado do Turismo recuou no tempo até à sua infância, por Lisboa, recordou os tempos da Faculdade de Direito, onde se licenciou, e garante ter assumido a 100% a defesa do serviço público neste seu cargo. Sobre o setor salienta a criatividade e a resiliência dos seus profissionais e afirma estar a lutar pela valorização dos recursos humanos nesta indústria, “o nosso ativo mais valioso”.

A sua ligação ao turismo vem de longe. Como foi o seu percurso?
A minha ligação ao turismo vem de 1997. Tirei o curso de Direito, fiz um estágio de Advocacia com o Professor Paulo Olavo Cunha e, quando terminei o estágio, fui desafiada por Cristina Siza Vieira para ir trabalhar na Direção-Geral de Turismo (DGT), onde na altura ela era subdiretora-geral de Turismo. Estive a trabalhar na DGT numa altura muito interessante, quando houve a transferência de competências para as câmaras. Foi a primeira grande descentralização na área do Turismo. Na altura, foi um momento tumultuoso e de transição.

Fui fazendo várias coisas ao longo da vida, acho que é essa aliás a minha maior característica: a diversidade de funções e de paixões que vou tendo. Trabalhei no Ministério da Defesa. E optei também por dedicar-me a uma área que me apaixona desde sempre, o Direito de Trabalho, tendo entrado para o IDICT – Instituto para o Desenvolvimento e Inspeção das Condições de Trabalho como Inspetora de Trabalho, onde estive durante algum tempo.

Em 2005, quando o secretário de Estado do Turismo Bernardo Trindade tomou posse, vim trabalhar com ele e aí aprendi grande parte do que sei hoje, quer humanamente, em termos de capacidade de diálogo e de relacionamento, quer em termos da indústria de turismo. Era um secretário de Estado que vinha da indústria e sempre com muito conhecimento dos problemas e desafios da indústria. Recordo a luta que abraçou, e conseguiu ganhar, a nível das acessibilidades aéreas, garantindo que passávamos a ter low-costs em Portugal. Na altura estive como adjunta e chefe de Gabinete, com uma equipa fora de série, muito formatada por Bernardo Trindade e por Luís Araújo, que era o Chefe de Gabinete e teve uma grande capacidade de selecionar uma equipa muito diversificada movida por uma causa comum, e que deixou um lastro tão grande que, neste momento, a equipa é praticamente a mesma.

Depois estive na Capital de Risco do Turismo, que terá sido das experiências mais enriquecedoras em termos de conhecimento da indústria por dentro, das questões financeiras, contratuais, dos modelos de negócio. Com alguma pena minha esta Capital de Risco foi extinta pelo anterior Governo. Estou a tentar dinamizar a área da Capital de Risco através da Portugal Ventures, que lhe sucedeu em termos de competências.

Estive ainda no Turismo de Portugal, como vice-presidente, e em 2011 voltei para a Autoridade para as Condições de Trabalho, o meu eterno lugar de paixão e de recuo, onde estive a dirigir a atividade inspetiva em termos nacionais. Mais uma vez aí a grande vantagem de ter sempre dois pontos de vista diferentes: trabalhar com o mundo empresarial mas também com o mundo dos trabalhadores. Ter sempre a necessidade de ver dois pontos de vista, e de não assumir que há só um lado da barricada que tem razão. Daí vim para a secretaria de Estado do Turismo.

 

O que é servir a causa pública, o que não pode um político esquecer?
Não pode esquecer que o que quer que faça tem que ser com a preocupação que está a fazer o melhor para 10 milhões de pessoas, deve ter sempre a preocupação do interesse público por trás da decisão. E saber questionar porque é que está a decidir algo e qual o impacto dessa decisão na sociedade em geral. Por outro lado, uma disponibilidade total para estar ao serviço dos outros. Serviço público é servir os outros e pôr os outros em primeiro lugar, o que às vezes não é fácil; é sempre a nossa vida passar para segundo plano e assumir que somos um instrumento para melhorar a vida dos outros.

 

Como consegue conciliar a sua agenda profissional com a vida privada?
Em primeiro lugar, já não sei se tenho vida particular neste momento (risos). Mas também faço questão de desligar completamente quando estou com a minha família. E consigo fazê-lo. O meu marido é um pilar fundamental da minha vida e diria que há sempre um grande homem por trás de uma mulher. É o meu conselheiro, além de companheiro de vida, em quem confio muito porque sei que ele tem uma visão de quem está sempre a pensar na causa pública. E isso tranquiliza-me imenso, saber que há um zelador que me alerta para que eu nunca me esqueça desta missão. Além disso, tenho uns filhos fantásticos, que vibram com a minha atividade.

 

Fazendo agora dois anos desde que tomou posse, o que diria que o setor ganhou com a Ana Mendes Godinho?
Ganhou proximidade e uma presença permanente. Penso que isso dá ao setor e aos vários players a capacidade de ter uma comunicação muito direta sobre os problemas que sentem e sobre o que é preciso fazer. É o que nós temos feito aqui: ouvir muito e agir muito rapidamente, com uma máquina fantástica que é o Turismo de Portugal. Aqui conseguimos imprimir algum ritmo e ajudamos muitas vezes a sair do tradicional, do que é uma atividade normal de um serviço público. Graças a esta presença no terreno e identificação do que é preciso fazer em cada momento. Ouvir, rapidamente implementar, com uma grande partilha e sem complexos, aceitar que as ideias dos outros são ótimas.

 

A sua experiência anterior trouxe-lhe algumas áreas que lhe são particularmente queridas?
Adoro a questão do papel novo dos trabalhadores no sucesso das empresas, é um dossier que me apaixona, perceber que quanto mais as pessoas estão identificadas com a sua organização, quanto mais se revêm nos resultados da sua organização, mais elas se entregam. Uma filosofia de mobilizar as pessoas porque é isso que muda o mundo, são as pessoas individuais que mudam as grandes causas. E temos servido como dínamos, a fazer pontes, tenho sentido muito isso. Fazer pontes entre as pessoas, entre os territórios, entre os países. E isso só estando abertos a dialogar e sabendo que há sempre uma solução, que não há fatalidades, há sempre formas de contornar, e que o sonho comanda a vida no sentido de que a concretiza.

 

Das muitas viagens que tem feito com o intuito de promover Portugal lá fora qual a marcou mais?
O primeiro ano foi de grande aposta nos mercados tradicionais, onde queríamos garantir que mantínhamos o ritmo de crescimento: Espanha, França, Itália, Reino Unido, Alemanha… Neste segundo ano, a aposta foi claramente na diversificação aliada às acessibilidades aéreas, naqueles mercados que nos interessam ter acessibilidades aéreas, que possam fazer a diferença no crescimento do mercado e na diversificação. Desde logo Cuba, numa ótica diferente de aproveitar o cluster turismo para sermos fornecedores de produtos relacionados com o turismo e hotelaria em Cuba. Depois Rússia, Brasil, Coreia, China e Índia. Agora irei aos Estados Unidos e Canadá.

Destes tenho que destacar dois que me marcaram mais: China e Índia. Uma razão comum: perceber que o futuro passa por ali, que se não estivermos naqueles mercados vamos desaparecer. Temos mesmo de garantir que ganhamos notoriedade nesses mercados, até porque temos ainda números muito aquém do que poderíamos ter. No caso da China foi particularmente interessante perceber a evolução que teve nos últimos anos, eu tinha lá estado em 2010. Conseguimos o voo direto e é uma conquista marcante, sentir muito o resultado das ações que estamos a fazer, perceber que se conseguem resultados concretos com estas visitas quando são bem preparadas e quando se tem equipas extraordinárias como Portugal tem, quer do Turismo de Portugal cá, quer no estrangeiro. Nós próprios temos que dar mais visibilidade às nossas equipas para os nossos empresários saberem que podem usá-las e que elas estão lá para ajudar a vender Portugal.

Na Índia, muito interessante por perceber que, fazendo pequenas ações, podemos crescer imenso porque não existe praticamente fluxo entre os dois mercados. Começámos com uma iniciativa ganhadora, com 10 alunos que vieram de um Escola de Turismo de Goa, para dois meses de estágio em Portugal, em Lamego, Setúbal e Lisboa. Agora vão os estudantes portugueses à Índia. Mas foi tão interessante que na sequência da vinda desses 10 alunos a sua escola origem deles já nos enviou, para estágios em hotéis portugueses, mais cerca de 20 alunos. Só mostra que são sementes que germinam muito rapidamente. Estamos a apostar nas linhas certas para estabelecer ligações entre os dois povos.

 

De que forma se destacam os profissionais do setor?
Pela criatividade, são pessoas que estão permanentemente a reinventar-se. Pela resiliência porque aguentam os maus momentos com uma grande capacidade de acreditar e de saberem que são cíclicos. Têm essa visão de longa duração, não momentânea. Esta é uma indústria que tem como ativo principal as pessoas e é por isso também que tem esta grande capacidade de se reinventar permanentemente.

 

Leia também a 1ª Parte desta Grande Entrevista, publicada na Edição Nº 305 da Ambitur.