“Sinto-me um privilegiado pois vi tudo crescer no Grupo Pestana”

Como chegou ao turismo?
Tirei o curso de 88/93 de Direito. Sempre tive alguma capacidade contestatária e admiração pela argumentação, e sempre disse que queria ser advogado. Mas o curso não me convenceu e, quando terminei fiz o estágio, inscrevi-me na Ordem dos Advogados, mas percebi que não era aquilo que queria. Ainda fui a Bruxelas fazer um estágio de seis meses na Direção-Geral de Agricultura, em 1995, mas quando voltei vinha decidido a ter uma carreira internacional.

Comecei a enviar currículos e uma das empresas precisava de pessoas que falassem vários idiomas para passar temporadas em vários países, a fazer entrevistas e reportagens. Fui a Madrid fazer uma entrevista e, quando voltei para a Madeira, o meu pai começou a pôr os contactos dele a funcionar. Um primo do meu pai era muito amigo do Luigi Valle, que lhe disse que precisavam de um reforço da equipa de juristas, e chamaram-me para uma entrevista. Voltei uma semana depois para uma segunda entrevista, com o próprio Dionísio Pestana; a entrevista correu tão bem que três ou quatro dias depois chamaram-me para outra.

Mas, quando cheguei, disseram-me que começava a trabalhar logo naquele dia. No dia seguinte a ter começado a trabalhar no Grupo Pestana telefonaram-me de Madrid a dizer que tinha sido aceite e que iria seis meses para o México (risos). Mas por acaso não me custou nada… Foi das decisões mais fáceis que tomei, porque me sentia muito à vontade.

Nos primeiros anos comecei a trabalhar na parte jurídica mas, à medida que as coisas foram avançando, iam-me dando desafios. Quando montaram o rent-a-car fiquei responsável dessa área; quando foi preciso mudar os sistemas informáticos da Viva Travel, fui para a agência de viagens. A cada dois anos sentia que tinha de fazer algo diferente. Fui responsável pela área de seguros, estive na M&J Pestana… Foi uma altura fantástica, de crescimento, de projetos e desafios. Sinto-me um privilegiado porque vi tudo mudar e crescer no Grupo Pestana. Estive de 1996 até 2005 no Grupo Pestana. De 2001 a 2005 fui para o Brasil, como assessor do José Roquette, por seis meses; depois passei a administrador para a área do Brasil; entretanto o José Roquette voltou e fiquei como vice-presidente da diretoria. Entre 2005 e 2007 fiz uma pausa, fui chefe de gabinete do Bernardo Trindade. E em 2007 voltei ao Grupo até 2015, para Lisboa. São quase 20 anos no Grupo Pestana. Fechei este ciclo em fevereiro de 2016, quando a secretária de Estado me convidou para presidir o Turismo de Portugal.

Dentro do Grupo o que considerou mais desafiante?
Eu tive uma grande vantagem, penso que fiz quase tudo dentro do Grupo. Foi uma ótima escola. Desde a parte de Recursos Humanos quando saí de chefe de gabinete, a parte de Comunicação, criei um Departamento de Sustentabilidade. Sempre me deram abertura para fazer aquilo em que achava que podia acrescentar mais valor. Projetos que me tenham dado um gozo especial… a criação do Departamento de Sustentabilidade, foi muito interessante; a parte da Viva Travel foi interessantíssima. Mesmo o trabalho de ligação às companhias de seguros, era muito interessante ver como eu, que tinha uma formação jurídica “quadrada”, me conseguia adaptar à realidade, como conseguíamos chegar a um consenso sem pôr em risco o objetivo final. A compra do hotel na Argentina foi uma aventura; a abertura do hotel na Bahia foi um momento único.

Onde se sente melhor: no setor público ou no privado?
Nos dois, não há diferença. Tudo depende das pessoas. Já trabalhei com pessoas no setor privado que têm mais mentalidade do público; e trabalho com pessoas do público que têm uma mentalidade muito mais “privada” do que muitos no privado. Claro que há regras diferentes de atuação mas numa perspetiva de compromisso, de trabalho por objetivos, de dedicação, não sinto diferença.

E a nível da gestão, quais diria serem as diferenças entre um gestor público e um gestor privado?
Do ponto de vista de um gestor público a questão principal é – e penso que no privado também tem que existir – que as decisões que tomamos têm de ser ponderadas e criteriosas. Há aqui um papel de transparência e de igualdade que tem de ser assumido. Existem mais procedimentos, até para garantir essa transparência e equidade, que levam a que as decisões demorem um pouco mais. Mas até isso faz parte das regras do jogo. Não me parece que seja um impedimento para fazermos o que temos de fazer. Há uma margem de abertura para discutir os assuntos, uma sinergia relativamente aos objetivos, que é muito similar ao que existe no setor privado.

Na sua opinião, o que é o serviço público?
Nós temos uma missão em qualquer empresa e em qualquer papel que assumamos. Não me parece que seja muito diferente de um lado ou do outro. Há sempre um peso mas tem a ver com o nível de responsabilidade e não com o facto de ser público ou privado. Tem a ver com a liberdade e a claridade com que fazemos as coisas. Eu sempre trabalhei assim.

Um gestor tem de gerir equipas e recursos humanos. Quais os fatores chave nesta gestão?
O essencial é percebermos que são equipas. Ninguém faz nada sozinho. É um duplo desafio: primeiro percebermos que fazemos parte de uma equipa; e o segundo é a equipa perceber que somos uma peça de colaboração e de dinamização dentro das organizações. É o mais difícil mas esta confiança e responsabilização mútuas são o principal.

A ideia que temos é que há aqui um cunho pessoal do Luís Araújo, que tenta estar muito presente em tudo…
É a minha maneira de trabalhar. Fizemos há 15 dias um processo de reestruturação interna, de reorganização das direções, de alguns departamentos que precisavam de ser mais transversais a todo o organismo para não termos vários mini Turismos de Portugal mas um só Turismo de Portugal, que vai buscar expertise a várias pessoas. Acho que esse é o grande desafio: percebermos que não podemos desperdiçar ninguém. Tenho também muita sorte pois temos um Conselho Diretivo muito complementar e com muitas valências que se complementam.

Há quem diga que hoje não existe turismo nas cidades, que o turismo passou a ser uma parte intrínseca das próprias cidades. Rompeu-se o paradigma do turismo tradicional?
Claramente. É a grande chave para percebermos que as cidades são algo completamente diferente hoje, temos que conseguir coordenar essa vivência – de quem vive aqui um ano, uma vida inteira ou apenas uns dias – e é essa coordenação que é fundamental para termos a sustentabilidade dos destinos e das cidades. E temos estado envolvidos em vários projetos para desenvolver isto mesmo, queremos que as populações locais estejam satisfeitas com os turistas.

Como vê a evolução da consciência dos empresários turísticos nacionais perante a sustentabilidade do negócio e do país?
Vejo uma grande evolução. Em 2009, quando criámos no Grupo Pestana o Departamento de Sustentabilidade, tínhamos duas tónicas: a parte ambiental por questões comerciais, de posicionamento e de preocupação efetiva com o planeta e a sociedade, mas há também uma componente financeira atrelada. Curioso que nesses anos a componente financeira era sempre a que pesava mais. Hoje já não é assim. Acho que há uma clara preocupação com o efeito que isto tem no planeta e nas pessoas que trabalham na empresa. Os empresários já perceberam que essa é a componente mais importante dentro de uma empresa.

Qual o seu destino favorito a nível nacional e o que mais valoriza num destino?
Eu tenho uma relação muito estreita com a Madeira, como é óbvio. Se me dessem uma semana de férias cá dentro, o mar da Madeira é imbatível. Mas gosto muito do Pico. As poucas vezes que tenho ido às Aldeias do Xisto, adorei, são joias que merecem ser descobertas. O que valorizo mais é a gastronomia e haver vida nos lugares. Por isso tem havido um esforço tão grande neste tema do Interior e da valorização.

 

*Esta é a 2ª Parte da Grande Entrevista a Luís Araújo, publicada na edição 311 da Ambitur.

Leia aqui a 1ª Parte.