“Só com um destino forte podemos apoiar os nossos planos e estratégia de crescimento”

Ambitur esteve à conversa com Jorge Vinha da Silva, CEO da Arena Atlântico, que revelou a intenção de expandir a área para eventos em mais 20 mil m2, um projeto cujo licenciamento já deu entrada na Câmara Municipal de Lisboa. Depois de, em 2022, ter tido os melhores resultados de sempre, o gestor acredita que este ano os níveis de atividade serão similares mas a rentabilidade será inferior devido a fatores exógenos. Mas considera que Portugal está já numa fase de estabilização e de crescimento para os próximos anos.*

Espreitando o ano 2022, o Altice Arena registou os seus melhores resultados. O que contribuiu para estes resultados?

Essencialmente foi o retomar do período pós-pandemia. Existiu um efeito óbvio, o facto de nos dois anos durante a pandemia não se terem realizado quaisquer eventos de âmbito internacional. Foi necessário replanificar esses eventos. E esta foi uma das indústrias mais afetadas. Mas não deixa de ser curioso porque a indústria em geral teve grandes resultados não só em Portugal mas em toda a Europa, que se conseguiram em 10 meses. Recebemos o primeiro grande congresso internacional pós-pandemia, em abril de 2022. Penso que foi um dos primeiros grandes congressos internacionais em Portugal e um dos primeiros na Europa, porque a calendarização manteve-se sempre de acordo com o que estava planificado. Também tivemos oportunidade de realizar, em junho de 2022, um dos grandes eventos que Portugal acolheu nos últimos anos, a Cimeira dos Oceanos das Nações Unidas que, na sua 3ª edição, se realizou pela primeira vez fora do edifício-sede das Nações Unidas em Nova Iorque. Foi uma grande realização de Portugal, tivemos a felicidade de poder participar e acolher mais de 150 países.

Atualmente estamos em velocidade de cruzeiro, a atividade já está reposta?

Penso que sim. Não gosto muito de compartimentar o turismo em gavetas, penso que tudo tem vasos comunicantes e a dinâmica global é que é importante para que a atividade se possa desenvolver de forma sustentável. 2023 vai ser um ano muito bom, não apenas para nós mas para toda a indústria. Os dados que já existem dos primeiros meses assim o indicam. O turismo de lazer continua com números muito interessantes. Os eventos de negócios também. Talvez algo que se possa notar, mais numa realidade nacional, uma vez que numa vertente internacional tudo é planeado a uma distância cada vez mais longa. Neste momento estamos a responder a RFP’s (Request for Proposal) para 2025, 26, 27 e 28, isso é positivo para a indústria, denota um fator de maturidade e permite uma maior previsibilidade. Talvez em 2022 – e isso ainda se nota de forma acentuada em 2023 – os eventos de negócios a nível nacional estivessem com uma característica mais de proximidade ou last minute. Porventura, as empresas em 2022 ainda se estariam a adaptar ao período pós-pandemia, a redefinir a sua estratégia de comunicação, mas penso que a tendência já durante 2023 e sobretudo 2024 e daí em diante, se as circunstâncias que vivemos à data não se alterarem, claro, estamos já numa fase de estabilização e de crescimento para os próximos anos, e é nisso que trabalhamos.

Já referiu relativamente a este ano estar otimista em termos de atividade, mas moderadamente preocupado com a pressão na margem dos negócios. O que isto significa?

Tem essencialmente a ver com os custos. Produzir eventos é algo que está diretamente relacionado com a prestação de vários serviços. A atividade em 2023 terá níveis similares a 2022, o que não é de todo possível é fazer refletir no custo global dos eventos os enormes aumentos que observámos, nomeadamente inflação, custo energético. Acabou por não ser tão grave como se esperava, mas ainda assim o custo da mão-de-obra aumentou consideravelmente. A nossa indústria foi muito afetada durante a pandemia não apenas do ponto de vista da atividade económica, mas também, e esse fenómeno não é exclusivo de Portugal, globalmente a nossa indústria perdeu milhões de pessoas. Agora, com a retoma em pleno, e em algumas situações com o aumento da atividade, existe uma procura muito superior à oferta disponível. Isso cria uma pressão adicional sobre a indústria. Acredito em níveis de atividade similar mas em níveis de rentabilidade inferiores devido a toda esta situação, que demorará algum tempo a estabilizar. Estamos dependentes de fatores exógenos que não controlamos.

Quais os objetivos para 2023?

Apontamos para níveis de faturação similares a 2022, provavelmente não com um índice de rentabilidade tão elevado pelos fatores que expliquei. De há seis/sete anos para cá – excetuando os anos de 2020 e 2021 – temos mantido um pipeline constante de mais 100 a 150 eventos por ano. A área de eventos de negócios representa cerca de 50% da nossa atividade, não só em termos de ocupação mas também a nível de faturação. Foi um crescimento da última década, num maior envolvimento da nossa parte na cadeia de valor dos eventos, na aposta e captação de eventos internacionais. É uma área a que hoje em dia dedicamos muita atenção. E continuará a ser o nosso objetivo: trabalhar em conjunto com todas as entidades da nossa indústria. O nosso primeiro interesse é promover o destino Portugal, só com um destino forte todos nós que fazemos parte da indústria podemos apoiar os nossos planos e estratégia de crescimento. Esse é um foco que temos sempre presente, e também uma das razões que me levou a envolver, desde 2018, de uma forma mais empenhada, no capítulo ibérico da ICCA e na promoção e fortalecimento dessas relações internacionais.

Relativamente à Altice Arena, é um projeto fechado em si ou os acionistas pensam no desenvolvimento físico?

Não temos uma perspetiva fechada, sabemos que todos os projetos têm as suas fases e estágios de evolução. Hoje em dia é consensual no nosso grupo de acionistas. Estamos neste ano de 2023 a celebrar os 10 anos desta nova fase, desde a privatização, e os 25 anos do edifício exatamente neste mês de maio. Entendemos que estamos a atingir a velocidade de cruzeiro desta etapa. No âmbito da nossa estratégia de continuar a apostar na captação de eventos internacionais, é necessário também, do meu ponto de vista, criar condições adicionais. É nesse sentido que estamos a licenciar, junto da Câmara Municipal de Lisboa, um projeto em toda esta área que abarca a Sala Tejo, o Centro de Negócios, uma das áreas importantes para esta atividade, no sentido de adicionar 20 mil m2. Para que todo o complexo da Altice Arena possa ter ainda uma maior disponibilidade. Estamos permanentemente a investir no edifício. Hoje em dia investimos já perto de um milhão de euros. Por exemplo, em materiais para auditórios insonorizados, que nos permitem, quando acolhemos um congresso, ter três salas de grandes dimensões dentro da nossa nave principal e na Sala Tejo, onde decorriam todas as conferências, a funcionar em simultâneo. Como aconteceu com o evento das Nações Unidas. Temos já uma quantidade assinalável de equipamento que nos permite ter uma flexibilidade total muito focada no custo da oportunidade. Ou seja, o nosso custo da oportunidade é tão elevado que temos de minimizar os tempos de montagem e desmontagem, sem necessitar de dias adicionais, que iriam aumentar o custo do projeto e torná-lo menos competitivo. É esse o principal objetivo: minimizar os dias de montagem e desmontagem para que tenhamos livres de agenda para colocar mais eventos.

Este é um setor onde está tudo inventado? O que antecipa em termos de alteração do modelo de negócio, que investimentos não podem ser descurados, que tendências surgiram no pós-Covid?

Vivemos num mundo onde já estamos a falar de Inteligência Artificial (IA): não tenho a mais pequena dúvida que o fator tecnológico já marca e continuará a marcar o futuro dos eventos, sejam eles associativos ou espetáculos de entretenimento. Cada vez que um artista utiliza ecrãs mais evoluídos, soluções de multimédia mais inovadoras, isso marca a riqueza do conteúdo mas também da produção, marca essa diferenciação. O mesmo acontece nos congressos ou outros eventos. Se recuarmos ao final dos anos 90/início 2000, e olharmos para uma foto de um evento nessa altura, provavelmente o fator mais diferenciador seria o catering. Todos nos lembramos das mesas ultra decoradas, as cadeiras cobertas de pano, muitas flores… O catering continua a ser um dos pilares fundamentais dos eventos. O que existiu foi uma revolução tecnológica que evidenciou a componente audiovisual – também porque permite aproveitar melhor a interação com a audiência, não só no evento, mas pré e pós evento. O fator tecnológico vai continuar a marcar o futuro dos eventos. Esta indústria é uma indústria de pessoas e os meios tecnológicos, do meu ponto de vista, vão permitir uma interação cada vez maior entre as pessoas, as temáticas e as entidades e a sua audiência. É olhar para a tecnologia como um meio de ligar as pessoas. E a pandemia veio demonstrar isso. Todas as tecnologias para os eventos híbridos foram muito úteis, e continuam a ser um complemento importante aos eventos, mas não em substituição do presencial e da interação entre as pessoas, que é a essência dos eventos.

Referiu que só atuando em conjunto e de forma coordenada será possível alavancar cada passo que damos. Como é que se pode ir mais longe e que barreiras é necessário ultrapassar em Portugal?

Continuo a acreditar nesse ponto de vista. Temos uma indústria muito competente, basta ver o reconhecimento internacional que temos. Temos um ‘delivery’ muito conceituado internacionalmente. Penso que nos falta alguma militância associativa, seja ela de nível nacional ou internacional. São passos que deveremos dar nos próximos anos para tornar a indústria ainda mais competitiva. Até porque o movimento associativo permite-nos estar mais bem organizados, responder de forma mais efetiva aos desafios que vão surgindo, e a pandemia foi um exemplo claro. Penso que se deu um passo em frente mas é necessário que esses movimentos não esmoreçam. É necessário encarar isso como um sinal de maturidade da própria indústria e evoluir nesse sentido. O envolvimento nos movimentos associativos internacionais vai permitir, num trabalho de médio e longo prazo, beneficiar fortemente o destino Portugal. E isso deve estar cada vez mais presente na mente de nós todos.

E assim entramos na ICCA. Foi recentemente nomeado presidente do Capítulo Ibérico da ICCA. Quer explicar-nos o que é a ICCA e qual a sua importância?

A ICCA é simplesmente o maior movimento associativo do mundo, que abarca todos os stakeholders, suppliers, venues, organizadores de eventos, BCO’s, DMC’s, e, claro, uma das suas componentes mais importantes, as associações, que promovem congressos a nível europeu e mundial.

Os rankings têm a importância que têm, mas são bons apenas numa perspetiva: permitem-nos pelo menos ter um indicador do nosso posicionamento. E depois, podemos olhar para eles de formas diversas.

A ICCA, a nível mundial, está dividida em nove capítulos. Dos nove, cinco são da Europa, um dos continentes por excelência para a realização de eventos associativos. E nós temos a felicidade de ter um Capítulo Ibérico, só com dois países, é uma realidade única nos nove capítulos, que nós, em Portugal, temos de continuar a trabalhar para manter, tal como os nossos colegas espanhóis. Isso só se consegue tornando o nosso capítulo cada vez mais forte, mais musculado e com uma voz ativa do que é a realidade global da ICCA. Uma das razões pelas quais temos um Capítulo Ibérico é porque temos três cidades no TOP 10 mundial: Lisboa, Madrid e Barcelona. Isto tem sido uma constante nos últimos anos e é para isso que penso que todos continuamos a trabalhar. Claro que continuamos a trabalhar para desenvolver os nossos negócios, mas o desenvolvimento dos nossos negócios e da nossa indústria vai ter como consequência a boa prestação a nível desse ranking. Claro que nós ocupamos a posição número dois no ranking da ICCA, em relação a número de eventos que são contabilizados para esse ranking, que são eventos associativos para mais de 50 pessoas e que vão passando de destino para destino, por um período mínimo de três anos, portanto, os eventos têm de ter rotatividade. Porventura, se formos analisar a geração de receita dos eventos, o ranking poderá já não ser exatamente igual, porque sabemos que há cidades na Europa onde a geração de receita é superior. Mas, para mim, a importância mais do que ser o número dois ou o número três, é poder ter, esse indicador do nosso posicionamento, e tentarmos perceber em conjunto o que podemos fazer para continuar a trilhar esse caminho e, se possível, evoluir. Independentemente da posição do ranking, penso que o objetivo do destino como um todo deveria ser aumentar mais esse número de eventos.

Que trabalho cabe em torno da liderança do Capítulo Ibérico da ICCA?

Vivemos um tempo de grande oportunidade na ICCA. A nível internacional, tem também uma nova presidente, que é portuguesa, Marta Gomes, que vive em França, e temos, neste momento, dois ex-colegas da direção do Capítulo Ibérico que estão na direção da ICCA internacional, um deles o Christoph Tessmar, do Turismo de Barcelona, que foi presidente do último mandato de 2018/2022, que acabou por ser ‘23, devido ao impacto da Covid, em que as eleições foram atrasadas um ano.

Portanto, é um trabalho que já começou em 2018, de reorganização do Capítulo, de implementação de uma estratégia, em que o membership é um dos focos principais dos dois países. Um dos nossos papéis é promover uma maior militância associativa nos dois países. Portanto, definimos para os próximos quatro anos, quatro eixos estratégicos. O membership e a comunicação com os nossos membros, um acompanhamento muito próximo dos nossos membros, toda a questão de legacy e de educação, ou seja, a promoção de programas de intercâmbio entre todos os membros do Capítulo Ibérico, para que membros do nosso staff possam visitar outros espaços, essa partilha constante de conhecimento. E, claro, também uma componente associada ao desenvolvimento de negócio. O que isto quer dizer? Através da direção do Capítulo Ibérico promover, com a componente principal que encontramos na ICCA, em termos de negócio, uma ligação ainda maior de todos os nossos membros com a comunidade associativa. Transversais a todos estes pilares, os temas que marcam já o presente e definitivamente o futuro de toda esta indústria, como a sustentabilidade ou inclusão. Queremos também, como movimento associativo, continuar a trabalhar e funcionar como uma ponte entre todos os membros ibéricos e os restantes membros mundiais da ICCA. É nesta dinâmica que olhamos para os próximos dois anos, com entusiasmo para cumprir o nosso mandato e ficaremos satisfeitos se conseguirmos dar mais alguns passos nalgumas temáticas, que são importantes para o desenvolvimento da indústria nos dois países.

A provável subida de transporte aéreo para Portugal pode ser condicionadora para trazer eventos internacionais?

No passado, nós, Altice Arena, e provavelmente muitos outros membros da indústria, já nos confrontámos com dificuldades na realização de eventos. É sempre um problema garantir as slots com determinada antecedência. Podem existir situações específicas que exigem uma maior necessidade e isso, de facto, é um problema porque o aeroporto está perto da sua capacidade máxima. Penso que se perdeu uma oportunidade tremenda de se iniciar as obras e a construção no período da pandemia. A opinião pública é que voltámos um pouco à estaca zero, ao início das discussões, e, do meu ponto de vista prático, o que isso vai implicar é ainda mais tempo à espera de uma nova solução. Isso vai ser um fator de constrangimento. Se analisarmos nos últimos 15 anos o crescimento exponencial, quase que a oferta hoteleira foi também um fator muito importante para a alavancagem de toda esta indústria, para que a região de Lisboa pudesse ter uma oferta condizente. Lisboa tem uma oferta que nos permite responder a todos os grandes eventos. Infelizmente, o aeroporto não acompanhou esse desenvolvimento global da indústria. O que espero, e o que todos esperamos na indústria do turismo, é uma solução efetiva.

A imagem do país e da cidade está como nunca esteve. Qual a sua ideia?

Eu concordo com essa ideia. Podemos fazer mais e ir mais longe. O que noto é que há uma perspetiva diferente sobre o destino. Hoje em dia, temos uma imagem de um país que está na moda, mas de uma forma diferente, se compararmos com há 15 anos. Penso que quem está de fora olha para nós como um país trendy, tecnológico, moderno, inclusivo, e fenómenos como a WebSummit, que não é só a realização do evento, mas é o legacy ao longo de todo o ano, contribuem para essa imagem. Acho que essa visão de quem está a olhar de fora mudou muito nos últimos anos, seja porque recebemos o centro operacional da Google, seja porque temos o centro de engenharia da Mercedes instalado em Lisboa.
Acho que esse caminho tem de ser continuado, acredito que podemos sempre fazer melhor e gostaria, pelo menos na nossa indústria, de ver esse caminho progressivo continuar a acontecer.

Por Pedro Chenrim. Fotos @Raquel Wise

*Esta entrevista realizou-se em abril de 2024 e foi publicada na íntegra na edição 344 da Ambitur.