“Temos de explicar aos portugueses porque o turismo é importante”

Um assumido apaixonado pelo setor do turismo, Vítor Neto, empresário e ex-secretário de Estado do Turismo, esteve à conversa com a Ambitur sobre o seu percurso profissional, os anos dedicados a esta pasta e o que considera essencial para o futuro do país em termos turísticos. Algarvio de nascença, e profundo conhecedor da região, não hesita em afirmar que “o Algarve não tem expressão política nacional”. E vai mais longe, defendendo que o turismo seja reconhecido pelo seu peso efetivo na economia do país e que seja valorizado como tal.

O que se ganhou com esta recente Cimeira do Turismo?
Foi uma cimeira positiva sobretudo do ponto de vista do enquadramento do Turismo a nível institucional. Mas precisamos de ir mais além. O foco foi muito Lisboa e Aeroporto de Lisboa, apesar de eu considerar que o Aeroporto de Lisboa é um dos problemas mais importantes e mais delicados que temos hoje no contexto do turismo a nível nacional. Tivemos Primeiro-ministro, ministro das Infraestruturas, secretária de Estado do Turismo, ministro da Economia a valorizar os mesmos números: estamos a crescer, a crescer mais no interior, a diversificar mercados, a diminuir a sazonalidade, a crescer mais na época baixa. Ganhamos todos os prémios. Isso não chega.

Os números são reais e positivos, mas há um problema político no turismo em Portugal: o peso do turismo na economia nacional não está suficientemente reconhecido em termos de importância e prioridade política. Há uma subestimação e incompreensão cultural e ideológica em relação ao turismo. Fala-se em galinha de ovos de ouro” e que o turismo é o petróleo da economia portuguesa, o que é só uma prova de incultura e desconhecimento. O turismo é uma atividade importantíssima, estruturada, consistente, com décadas de existência e um crescimento contínuo. É uma das maiores atividades económicas a nível mundial. É o terceiro maior setor exportador do mundo. Contribui para 10% do PIB mundial. E há um dado que não se diz: os países que recebem mais turistas e que têm as maiores receitas externas de turismo são os países mais ricos e desenvolvidos do mundo. Entre nós considera-se que é algo volátil, que depende das conjunturas e não de fatores objetivos que fazem com que as receitas de turismo externas, o ano passado, tenham ultrapassado 15 mil milhões de euros.

Este setor não tem portanto peso político?
Não tem peso político consolidado e assumido. Evoluiu em consistência política em relação a situações anteriores, tem uma política coerente mais clara, tem uma aproximação ao poder visível, mas os problemas de fundo estão todos aí. Não basta ser recebido por responsáveis institucionais… importam aos atos. O turismo, nos últimos 20 anos em Portugal, entre 1998 e 2018, não foi um processo linear. Teve o período da Expo’98, de grande crescimento; entre 2002 e 2012/13 viveu um período de estagnação e quebra em alguns sítios e momentos; e o crescimento efetivo começa a partir de 2013/14. Em 2017, tivemos 57 milhões de dormidas de nacionais e estrangeiros; em relação a 2003, são mais 24 milhões, um crescimento de 70%. Mas desses 24 milhões, 16 milhões foram dos últimos cinco anos.

Falando do Aeroporto de Lisboa, este é um exemplo que demonstra que o problema do turismo em Portugal é a falta de reconhecimento político correspondente à sua importância económica…
Sim. Sobre o Aeroporto de Lisboa há décadas que só se pensa onde vai ser construído, quem são os donos dos terrenos, quem vai construir… A quota fundamental do movimento dos passageiros dos aeroportos é turismo. O facto de se subestimar a importância, o papel e a especificidade do turismo é que leva a que o aeroporto seja sempre adiado e se encontrem outras soluções… Este atraso de décadas é consequência da ignorância e da subestimação do papel do turismo em relação aos aeroportos e na economia. Chegou-se aqui por culpa da política, da ignorância, do desconhecimento e da irresponsabilidade.

E há outro fator: nos últimos anos houve uma transformação estrutural do transporte aéreo, com a explosão das low-cost e da baixa de preços e o consequente aumento de passageiros. Porque é que o Algarve está a demorar a chegar a outro patamar? O Algarve continua a ser o 1º destino turístico de nacionais e estrangeiros. É o principal responsável pelas receitas externas do turismo. O Algarve tem crescido, é hoje um destino maduro e enfrenta enormes desafios. O Algarve não tem expressão política nacional e institucional representativa e correspondente ao seu peso real. A ideia que se criou é que o Algarve já foi ultrapassado por outras regiões, o que é falso. O Algarve tem evoluído. Em 2003, temos 34 milhões de dormidas totais, nacionais e estrangeiras, em Portugal; e em 2017 57 milhões, dos quais 41 milhões são estrangeiros e 16 milhões portugueses. O Algarve em 2017 tem 15 milhões de dormidas de estrangeiros (37% do total nacional) e quatro milhões de nacionais (25%). Tem um total de 19 milhões de dormidas nacionais e estrangeiras e em 2000, tinha 15 milhões, portanto cresceu quatro milhões. É notável. Lisboa tem 11 milhões, menos quatro milhões que o Algarve. As regiões do Algarve, Lisboa, Madeira e Norte, em conjunto, têm 90% das dormidas de estrangeiros e 70% das dormidas de nacionais. Alentejo, Centro e Açores representam, juntos, 10% das dormidas de estrangeiros e 30% das dormidas de nacionais. Um quadro nacional heterogéneo de que pouco se fala.

Nos últimos 10 anos, o turismo nacional embarcou numa “montanha russa”: houve decréscimo até há cinco/seis anos atrás, e nos últimos cinco/seis anos, há uma realidade completamente diferente. O que nos pode esperar no futuro?
Portugal deveria ter em conta o que se passou nestes últimos 20 anos para ter consciência de que a economia do turismo não é um processo linear. Podemos estar, depois deste período de cinco anos de crescimento, a entrar numa nova fase, que pode ser de abrandamento, com a introdução de novos fatores que podem criar contrariedades. As transformações dos últimos anos são profundas: passaram pelas low-cost, as plataformas informáticas revolucionaram a relação entre o cliente e a oferta, a relação com o alojamento e o transporte aéreo, a intermediação; alterou-se completamente o papel dos operadores turísticos. Além disso, apareceu uma nova geração de turistas, que utiliza sobretudo as novas tecnologias. E temos outro fenómeno: o alojamento local, que veio provocar uma alteração estrutural na questão do alojamento turístico. É um fenómeno imparável. Já não é a “sharing economy”, é uma atividade económica, uma oferta de alojamento organizada muito forte.

Outro aspeto é o papel das grandes plataformas tecnológicas no futuro do turismo, que também não se consegue prever. Estou a falar da Google, Facebook, Airbnb, TripAdvisor, Expedia… de setores como as low-cost e a Ryanair e outras. Já há notícias de que algumas dessas plataformas estão a entrar na área de outras. Temos o desaparecimento das low-cost “doentes”, que tinham sido criadas por grandes companhias, como é o caso da Monarch, Airberlin, Nikki, Primera. E a afirmação cada vez maior de grandes grupos, entidades sem rosto, de grandes forças financeiras, que vão condicionar os fluxos. Isto é um ponto de fraqueza da nossa estratégia. Nós temos de ser competitivos neste universo. Temos que ter uma oferta coerente, de qualidade, capaz de responder às procuras tradicionais e novas dos mercados. Hoje tende-se muito a generalizar o gosto das pessoas, isso é um erro tremendo. 50% a 60% da procura turística quer férias de lazer. O turista mono-produto é uma criação artificial do marketing. Criar de forma abstrata estes mitos é complicado. Está estudado cientificamente, pelos grandes sociólogos do turismo, que os turistas são todos diferentes e alteram o seu comportamento ao saírem do seu local de vida quotidiana. O que quer dizer que temos de ter uma oferta de qualidade mas diversificada, que possa corresponder aos interesses das diferentes procuras.

As consequências do turismo começam a ser valorizadas na nossa sociedade? O que os empresários e entidades públicos têm de perceber?
Eu considero que o turismo ainda não está suficientemente valorizado. Sendo uma atividade importante, temos de explicar aos portugueses porque o turismo é importante para que se perceba que contribui para 7% do VAB, e para 12,5% do PIB direto, indireto e induzido, gera 120 mil empresas e 400 mil postos de trabalho, é o primeiro setor exportador de Portugal com 18% do total das exportações de bens e serviços, mais de 15 mil milhões de euros. Tem que se explicar por que razão é importante: porque gera riqueza para o país, desenvolvimento para as regiões, atividade para as empresas e emprego para as pessoas. Ligar o turismo só à hotelaria e restauração é uma forma superficial, paternalista, de o menorizar enquanto atividade económica e social.

Não defendo, nem como cidadão nem como empresário, que o turismo deva ser a atividade económica mais importante do nosso país, penso até que se isso acontecesse, seria negativo para o país. O que defendo é que o turismo seja reconhecido pelo seu peso contributo efetivo na nossa economia e na sociedade e que seja
valorizado e apoiado como tal.

* Esta é a 1ª Parte da Grande Entrevista publicada na edição 315 da Ambitur.