Tendências e desafios na operação turística nacional em 2023 (I)

A operação turística nacional viveu um turbilhão de acontecimentos nos últimos três anos com a chegada da pandemia. O ano que terminou trouxe um sabor de normalidade à atividade, fazendo quase esquecer que os três primeiros meses de vendas ainda foram praticamente nulos em termos de volume de negócio para as empresas. Mas, olhando para 2023, as incógnitas e desafios à sua atividade são grandes, assim como o comportamento do consumidor. Ouvimos oito operadores turísticos e o sentimento geral é que, apesar do desconhecido, não vale a pena ser pessimista, nem otimista. As empresas, no próximo ano, terão que ser realistas, acima de tudo. Leia aqui a 1ª parte deste trabalho, que será publicado ao longo das próximas semanas, e que poderá ler na íntegra na edição 341 da Ambitur.

Saber se os resultados obtidos em cerca de nove meses de operação de 2022, já que nos três primeiros as vendas foram residuais, terão seguimento em 2023, é o grande desafio. Ou seja, quais as perspetivas económicas do país no próximo ano e o poder de compra dos consumidores e, aqui, as opiniões, apesar de próximas, não são consensuais.

Tiago Encarnação

“Em 2023 temos de aproveitar e continuar a onda deste ano para atingirmos mais depressa os níveis de 2019 ou mesmo superá-los”, sublinha Tiago Encarnação, administrador da Lusanova. Para o responsável, as perspetivas económicas para o país no próximo ano aparentam ser uma tarefa difícil nesse trajeto, mas recorda que a Lusanova irá celebrar 64 anos, o que quer dizer que já superou muitos anos difíceis. O entrevistado reforça que o grande desafio do novo ano são as perspetivas económicas do país, uma circunstância que vai pesar muito na altura da decisão de compra dos portugueses e exigir muita criatividade e esforço dos operadores para encontrarem e responderem à necessidade que estes têm de viajar.

Duarte Correia

Por seu lado, Duarte Correia, diretor-geral para Portugal da World2Meet, indica que, nesta altura, não se pode ser otimista, nem pessimista: “Pessimismo a mais só nos vai trazer dores de cabeça. Estar a fazer prognósticos irrealistas também não é correto”. Ou seja, num mercado “tão instável quanto o que temos”, com alguma recessão, com as famílias a terem menos dinheiro disponível para lazer, será lógico considerar alguma retração do mercado turístico para o próximo ano. No entanto, o entrevistado acredita que o comportamento das famílias e das pessoas não está mais virado para um futuro longínquo, mas para o amanhã, “o que significa que poderão tomar decisões sem pensarem no depois de amanhã”.

Rui Pinto Lopes

Para Rui Pinto Lopes, diretor-geral da Pinto Lopes Viagens, este vai ser um ano diferente, porque vem aí uma crise financeira “e todos temos de ter consciência disso”, isso significará que não será um ano para grandes invenções. No caso da Pinto Lopes Viagens, pontualmente a empresa poderá ter um ou outro produto novo mas de uma forma mais conservadora. Para o gestor, este será um ano marcado pela inflação, em que a compensação salarial não vai acompanhar na maior parte dos casos, logo vai haver um decréscimo do poder de compra. Compara o responsável este período ao de 2011/12, pois é expectável que acresça ainda uma subida dos juros aos 4%. “Vai haver uma recessão económica, a nível interno quem viajar vai escolher também opções em Portugal”, vinca Rui Pinto Lopes. No que diz respeito ao outgoing, o interlocutor identifica um grande problema nas viagens até aos 1500 euros, o público que poderá ser mais afetado pela inflação e que poderá não conseguir ter a compensação necessária face ao aumento do custo de vida; o mesmo poderá acontecer ao público mais jovem que adquiriu casa, sendo que a solução será utilizar o subsídio de férias e natal no aumento do custo de vida. Nas viagens para um público que viaja acima dos dois/três mil euros, o entrevistado não antevê uma contração, apesar de também ter um aumento do custo de vida face ao que aufere, mas não o vai sentir de uma forma tão expressiva. “Talvez este público não faça duas ou três viagens, fará uma ou duas”, com um custo médio inferior, antecipa.

Na mesma linha, Duarte Correia indica que estão atentos às reações do mercado no segmento médio e médio-alto, porque o segmento alto vai continuar a fazer viagens, “são intocáveis”. Sendo assim o responsável da W2M indica que onde haverá mais impacto é nos destinos low cost, para budgets inferiores.

Jorge de Andrade

Na mesma tónica aborda esta temática Jorge de Andrade, administrador da Quadrante: “Temos feito algumas viagens de inspeção de destinos que estiveram fechados, devido à pandemia. Temos tido uma preocupação de atualizar a informação relativamente aos nossos destinos e o que vejo lá fora é que há um tsunami a aproximar-se da costa”. Para o entrevistado, a dúvida é de que forma esta nova realidade poderá ser mitigada, pois a questão que está em cima da mesa é: Como é que Portugal vai sobreviver a isto? Estamos preparados? Enfatiza empresário que, “em 28 anos à frente da Quadrante, nunca senti um ponto de interrogação tão grande como o relativo a 2023”. Sendo assim o operador turístico está a preparar o ano cautelosamente, mas sem deixar de fazer os investimentos necessários: “investimos na área comercial, no departamento de reservas, estamos a fazer investimentos na formação, na inspeção, mas com alguma moderação. Pois se o tsunami for como parece deixa-me alguma preocupação e as apostas que fizermos agora são aquelas que vão condicionar as vidas dos meus funcionários”.

Nuno Mateus

Da parte da Solférias procura-se realismo e prepara-se uma gestão da operação feita dia-a-dia, caso necessário. Indica Nuno Mateus, diretor geral do operador, que os desafios são muitos, pois a conjuntura atual é propícia a baralhar tudo de um momento para o outro e “ninguém sabe muito bem para onde isto vai”. Acima de tudo, temos de estar preparados para responder a qualquer desafio, defende. Neste cenário, acredita que “não devemos ser nem extremamente otimistas, nem extremamente pessimistas, e é para isso que nós aqui estamos”. Esta incógnita face a um cenário mais instável leva a uma maior responsabilidade na operação. Defende o gestor que tem que se saber o que se pode e o que não se pode programar, pois com as leis que o setor tem de cumprir atualmente, “a aventura é o pior inimigo da operação turística” e “nós não somos aventureiros, somos profissionais altamente especializados”. Concluindo, indica que a conjuntura não é fácil, quando se olha para os números sabe-se perfeitamente que as dificuldades estão aí à porta. No entanto, também já é percetível que tudo pode mudar de um dia para o outro. “Cada ano é um ano e não vale a pena sofrermos por antecipação. Temos de ser realistas e saber o que temos de fazer. Essa gestão vai ter de ser feita no dia-a-dia, tendo momentos intermédios para avaliar cada operação. Faz parte da capacidade de gestão”, considera.

Antecipação de reservas

Um das primeiras incógnitas em termos de tendências que se podem identificar ao nível do consumo de viagens no próximo ano é saber se o mercado português vai antecipar as suas reservas ou esperar pela última hora.

Gonçalo Palma

“Houve um hábito que demorou muitos anos a conseguirmos (ao nível do consumidor de viagens nacional) e que se perdeu ligeiramente (nos últimos anos) que tem que ver com o hábito de consumo por venda antecipada. Sempre fomos muito um mercado de última hora”, indica Gonçalo Palma, diretor-geral dos operadores Soltrópico e Egotravel. A antecipação de produto e de vendas no mercado por parte dos agentes estava a trazer resultados impressionantes aos operadores nacionais, de acordo com o responsável, mas houve um retrocesso neste caminho, claramente provocado pela pandemia. Não se saber as condicionantes de entrada em determinados países durante a pandemia levou a este novo cenário. Para o entrevistado este é um hábito que não satisfaz ninguém, principalmente o cliente, “porque comprar um produto de uma semana para a outra não nos permite comprar o que queremos, nem o melhor, mas apenas o que está disponível no mercado”.

Nuno Aleixo

Nuno Aleixo, diretor de produto da Ávoris e diretor geral da Nortravel, também considera este o maior desafio para 2023, a antecipação das reservas. Mas a questão que se coloca ao mercado é como convencer as pessoas que vão ter benefícios em reservar cedo. Para o interlocutor, “por todo o mercado temos de passar a ideia aos clientes que vai ser vantajoso para eles e não podemos cair na tentação de, no final, aparecer com preços mais baratos, pois só iremos provocar uma quebra da confiança que têm nos agentes de viagens e operadores turísticos.”

Por Pedro Chenrim (Publicado na íntegra na edição 341 da Ambitur)