A operação turística nacional viveu um turbilhão de acontecimentos nos últimos três anos com a chegada da pandemia. O ano que terminou trouxe um sabor de normalidade à atividade, fazendo quase esquecer que os três primeiros meses de vendas ainda foram praticamente nulos em termos de volume de negócio para as empresas. Mas, olhando para 2023, as incógnitas e desafios à sua atividade são grandes, assim como o comportamento do consumidor. Ouvimos oito operadores turísticos e o sentimento geral é que, apesar do desconhecido, não vale a pena ser pessimista, nem otimista. As empresas, no próximo ano, terão que ser realistas, acima de tudo. Depois de termos já publicado a 1ª parte, leia aqui a 2ª parte deste trabalho, que poderá ler na íntegra na edição 341 da Ambitur.
De acordo com todos os intervenientes auscultados será inevitável o aumento do preço das viagens no próximo ano. São vários os motivos apresentados, desde logo o aumento do custo dos fornecedores, o aumento do valor da mão-de-obra, mas também a própria sustentabilidade do setor.
Para Constantino Pinto, diretor comercial da Ávoris, os fatores que são determinantes no apuramento dos custos das operações serão claramente a variação do euro face ao dólar, o custo do combustível e a mão-de-obra. Acresce ainda o custo com fornecedores, tal como na hotelaria: “Tem havido aumentos de preços perfeitamente vertiginosos e assustadores o que vai, seguramente, inflacionar os preços”. Sendo assim, indica o responsável que espera que, relativamente ao preço de venda ao público, “tenhamos a coragem de tomar a atitude correta que é refletir no consumidor final o aumento do preço do custo”. Algo que, de acordo com o interveniente, nem sempre é feito. E refere que, em muitos casos, o setor tem andado a subsidiar as férias dos seus clientes porque não tem outra solução senão suportar grande parte dos custos acrescentados ao longo da temporada, caso dos suplementos de combustíveis. Por outro lado, também evidencia que quando a procura não é a esperada, pelo menos em alguns destinos, isso “faz com que tenhamos que trabalhar os preços e sacrificar as margens”. Para o responsável, esta realidade para o ano não será possível e, sendo assim, o que é necessário fazer? “Mesmo que não seja de uma só vez, é importante que caminhemos a pouco e pouco para a comercialização dos vários destinos e produtos ao seu custo real. Não podemos estar a vender Caraíbas ao preço de Saïdia, nem Saïdia a metade do preço a que corresponderá. As coisas têm realmente um custo e os clientes têm de perceber esse custo. Os preços com que convivemos nos últimos tempos não são necessariamente os preços reais”.
Na mesma linha Duarte Correia, diretor-geral para Portugal da World2Meet, indica que será incontornável o aumento dos preços, “até porque sabemos que o dólar subiu mais de 20% e que existe um grande aumento do custo do combustível, com efeitos diretos no preço”. Esse é um fator a acrescer às dificuldades que vão existir no mercado no próximo ano, acredita.
Nuno Aleixo, diretor de produto da Ávoris e diretor geral da Nortravel, é lacónico quanto a este tema, pois acredita que “claramente vai haver um crescimento brutal de preço: que ninguém esteja à espera de viajar a preços de saldo na próxima temporada”. O responsável aponta que os preços dos destinos na Europa estão muito altos, os preços de combustível já estão a ser refletidos pelas companhias aéreas, a hotelaria está com um mínimo de crescimento de 20% a 25%. “Pelos nossos destinos principais nas ilhas portuguesas verifica-se isso, mas não só na hotelaria, também nos transportes terrestres, guias, refeições, tudo encareceu, até na mão-de-obra”, esclarece. Sendo assim, garante que o mercado terá os preços bastante mais elevados que em 2023, “isso é certo, e isso vai afetar as vendas”.
Na mesma lógica, Gonçalo Palma, diretor-geral dos operadores Soltrópico e Egotravel, reconhece que os produtos vão ter de estar necessariamente mais caros na entrada ao mercado: “Vamos tentar perceber se isto não vai levar a um efeito das pessoas não decidirem agora, mas mais tarde. Esta é uma das ameaças”.
As incertezas e certezas da operação de 2023
A operação de destinos e produtos para o próximo ano por parte dos operadores turísticos está delineada mas, ao contrário de um passado recente, com muitas incertezas, como os condicionalismos do aeroporto de Lisboa e uma possível sobre-oferta de destinos/produto ou mesmo tendo de ser reajustada no desenrolar do próximo ano em consequência do comportamento dos consumidores. Uma coisa parece certa: a retoma da programação de circuitos na Europa e em destinos mais longínquos que estiveram fechados até à relativamente pouco tempo devido à pandemia, e um aumento pontual da oferta charter por via de novos destinos, alargamento das épocas operadas ou colocação de aeronaves com mais capacidade é neste momento evidente, indicando que a oferta de programação no mercado é maior do que a de 2022. Esta é outra tendência.
A Lusanova, a nível de programação, irá retomar com força os circuitos para a Ásia e Índia (sudoeste asiático), que em 2022 considerou que não estaria em condições de programar.” A grande novidade este ano parao operador ao nível dos grandes destinos vai ser o continente asiático, ao qual vamos querer voltar com o nível de vendas de antes da pandemia”, refere o administrador, Tiago Encarnação. Refira-se que, dentro da programação habitual do operador, este só no último trimestre de 2022 voltou a lançar Argentina e Chile, “um produto que nos caracteriza”.
No caso da Ávoris, verifica-se que a operação para as Caraíbas por parte da Jolidey será muito idêntica à de 2022, mas há a intenção de um reforço de algumas operações. Para além disso, a empresa pretende apostar nas ilhas espanholas, quer sejam Baleares com Maiorca e Menorca, quer sejam as Canárias, com Lanzarote, Tenerife e eventualmente Gran Canária, que está em fase de definição, através da Travelplan. “Iremos reforçar bastante esta oferta”, refere Constantino Pinto.
Nuno Aleixo, também responsável da empresa, concretiza relativamente a outro operador do grupo, a Nortravel: “o nosso objetivo é voltar aos números de 2019, mas não será com os produtos de 2019”. Sendo assim, a Nortravel vai retomar em cerca de 60% a oferta que tinha para a Europa, em circuitos, face a 2019. Mas, por outro lado, irá crescer em oferta charter, lançará Jordânia, onde apresenta combinados e circuitos all inclusive como a Arábia Saudita, e irá repetir uma operação charter pontual para o Egito, tendo combinados que envolvem Cairo, Assuão e Luxor.
Numa diversificação de produto no mercado, o operador turístico também está a atuar numa vertente de compra de transporte aéreo em destinos que apresentam essa dificuldade na época alta. Uma das apostas é o Funchal. Apesar de terem um voo charter do Porto para aquele destino, entre julho e a primeira quinzena de setembro, na época mais alta do destino, pela dificuldade de aviação que existe ao nível de tarifas interessantes tradicionalmente, a Nortravel está a garantir transporte aéreo em companhias regulares. “Sentimos essa necessidade e vamos lançar tarifas interessantes para esta altura, pacotes fechados; não estamos a inventar nada, mas sim reforçar a procura que existiu e que não conseguimos anteriormente dar resposta, nem nós, nem a maior parte dos operadores”, indica o entrevistado. Dentro desse exemplo, a Nortravel, em 2023, irá fazer o voo Porto-Malta, como consequência da retirada da Air Malta. “Fica a Ryanair a atuar de Lisboa e do Porto, mas é como a Madeira, quando as tarifas chegarem a julho/agosto vão para valores muito elevados e não é possível fazermos programação do destino”, indica o entrevistado. Apesar de Nuno Aleixo reconhecer que estas não são novidades de destinos, enfatiza que acima de tudo são opções que vão ao encontro do que o mercado procura. A Nortravel pretende ainda reforçar a sua posição em Cabo Verde, com charters que já estavam previstos, igualmente na Tunísia, passando a fazer parte do outro operador do grupo Travelplan.
Relativamente à Soltrópico e Egotravel, no próximo ano irão manter as mesmas operações, face a 2022, mas aumentando a duração das mesmas. A Soltrópico irá programar ilha do Sal (da Páscoa até outubro) e Porto Santo, onde teve quatro voos em 2022, tendo sido a maior operação para a ilha juntamente com o parceiro Abreu. Saïdia e Brasil contarão com as operações no Fim de Ano e está em estudo a hipótese de, em 2023, voltarem às operações para estes destinos durante a Páscoa. Onde o operador pretende aumentar as vendas no próximo ano é nos voos regulares. “Em termos de linha regular já abrimos o leque de oferta. As grandes apostas da Soltrópico para o próximo ano serão as Maldivas, um destino onde tínhamos uma predominância e a fomos perdendo; vamos voltar em força a São Tomé, onde também já tivemos uma predominância; outra aposta será o Brasil com os voos da TAP durante todo o ano, que é também uma bandeira histórica da Soltrópico, aí vamos voltar com força”, refere Gonçalo Palma, diretor-geral.
Por seu lado, a Egotravel irá continuar a focar-se em Djerba, com a maior operação do mercado, onde trabalhará com três companhias aéreas – Tunisair, SATA (dois voos) e TAP. “Temos uma operação muito longa com dois voos do Porto, dois voos de Lisboa, há um voo que vai de abril a outubro. É um destino que contará com seis meses de operação, o que é algo espetacular”, destaca o entrevistado.
Relativamente a Hurghada, a Egotravel terá participação no voo que a Air Cairo lançará à partida de Lisboa. Para Marrocos, o operador lançará uma novidade no norte, Al Hoceima, uma pequena localidade a 300 quilómetros de Saïdia. “Vamos colocar um voo no Aeroporto Internacional de Nador que fica próximo tanto de Saïdia como de Al Hoceima e conseguir, com um só voo, alimentar estes dois destinos”, acrescenta Gonçalo Palma. Este é um destino de praia, all inclusive, para famílias, que terá como suporte um hotel da Radisson que abriu durante a pandemia e que tem um diretor-geral português. Acredita o entrevistado que “isso vai ajudar muito a entender o cliente; o responsável já esteve em outras cadeias portuguesas no norte de Marrocos, é alguém que entende o nosso perfil de consumidor e acreditamos que vai ser uma das boas apostas”.
Relativamente ao operador Newblue, da W2M, os objetivos passam por manter a mesma operação que tiveram em 2022 para as Caraíbas, estando já confirmadas ligações para Punta Cana, Cancun e Varadero desde Lisboa. O operador também irá lançar um novo destino, a Albânia, desde o Porto. Estão ainda em estudo operações para Hurghada, Saïdia, Boa Vista e Sal. Confirmadas estão também as operações para Maiorca e Menorca. Sendo que uma das novidades “para o long haul é a operação com o A350 à partida de Lisboa e do Porto, de última geração”.
Por parte da Viajar Tours, a operação também deve ser idêntica a 2022. “Tenho já contratada a parte de Marrocos, Tunísia e Sardenha. Estou à espera da confirmação de Creta e de um outro destino”, refere Nuno Anjos, diretor de Vendas e Marketing do operador.
A Quadrante também conta colocar a mesma oferta no mercado, “tirando uma aposta que vamos fazer no centro da Ásia. Se tivermos oportunidade de lá ir inspecionar vamos aventurar-nos num novo destino, mas ainda está tudo muito cru”, indica Jorge de Andrade.
Por parte da Solférias, está tudo delineado relativamente a 2023. “Sabemos o que queremos mas, nesta altura, não consigo dizer de uma forma objetiva o
que será a nossa programação para 2023, pois ainda não temos tudo fechado”, refere Nuno Mateus, diretor geral do operador. Ou seja, a ideia será manter a operação relativamente a 2022. Relativamente a novidades, indica o responsável que “não lançamos novos destinos só por lançar, mas também não fechamos porta nenhuma, ou seja, no dia em que surgir uma oportunidade cá estamos para analisar e para perceber se vale a pena o risco, porque não nos podemos esquecer que todas as operações são sempre muito arriscadas”. Por outro lado, admite o operador que pretende crescer através de voos regulares, “por causa dos destinos que este ano ainda não estiveram na sua plenitude e é preciso não esquecer que, de janeiro a maio deste ano, estivemos em casa. A vontade e o potencial de crescer existe”, complementa.
Por Pedro Chenrim.
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