Tourism Talks: “O novo normal será exatamente igual ao antigo normal”

Mais do que falar dos problemas, é tempo de falar em soluções. Com o tema “Tourism Distribution: Healing Solutions”, a segunda edição das “Tourism Talks”, promovidas pela “Message in a Bottle”, realizou-se na passada sexta-feira. Numa conversa de amigos, falou-se sobre aquele que terá sido o setor dentro do turismo que mais sentiu os efeitos negativos da crise Covid-19: Distribuição.

Há uma certeza que ninguém descura: “Estamos perante um caminho não conhecido, totalmente obscuro”, começa por afirmar o presidente da Associação Portuguesa de Agências de Viagens e Turismo (APAVT), Pedro Costa Ferreira, salientando que “não temos ideia de como e quando as empresas se vão regenerar, qual o nível de recessão, qual será a capacidade da ajuda europeia” e, acima de tudo, “como vão evoluir as questões da saúde pública”. Perante um contexto de incerteza aliado à rutura económica, o presidente da APAVT realça uma variável transversal a todos: “Todos vamos precisar de tempo”, a começar pelas “agências de viagens, os operadores, os hotéis, os restaurantes, a economia nacional, a Europa: o mundo vai precisar de tempo”, afirma. A consequência que se retira deste momento é fundamental: “Não há uma decisão, um apoio ou um momento que resolva a questão num dia”.

Pedro Costa Ferreira acredita que este processo de recuperação será gradual e assimétrico: “Os setores vão entrar na economia em timings diferentes”, o que levará a que o turismo seja dos “últimos setores a recuperar”. E a razão está no facto da recuperação estar dependente de duas fases iniciais. “A primeira está relacionada com as condições da operação e da confiança do consumidor”, dependente de uma série de fatores, a começar pela necessidade dos “aeroportos abrirem, as rotas estabelecerem-se, as condições de entrada no país serem as normais ou que os passageiros sintam confiança em viajar”, exemplifica. Depois desta fase estar preenchida, surgirá uma segunda fase em que haverá um encontro entre o problema da procura e o “encontro com a recessão”. No melhor dos cenários, e tendo em conta os mercados, o responsável prevê como primeira entrada o turismo interno, em julho e agosto. No último trimestre, será o turismo de lazer e luxo que não depende de escala, o de nicho ou de safari e a entrada do corporate. Em 2021, será o grupo de lazer a exigir escala e, no segundo semestre, os eventos de maior escala.

Ainda sobre a recuperação, o presidente da APAVT não tem dúvidas de que serão precisos apoios. Mas precisamos deles todos hoje? Pedro Costa Ferreira atenta que é fundamental “discuti-los nos seus diversos momentos porque vamos precisar deles” em situações diferentes. É certo que poderão ser necessários mais apoios a fundo perdido ou com juros zero, mas o presidente da APAVT diz que o lay-off é já um “poderoso apoio de fundo perdido” por si só, não esquecendo que o “microcrédito do Turismo de Portugal está a funcionar a juro zero” e já está a atuar em muitas empresas. Quanto a créditos mais robustos, com mais moratórias e com mais tempo de pagamento, neste momento já “há crédito a 1,5% de juro com uma moratória de 18 meses e com pagamento de seis anos. Já há coisas: não acho que tenhamos que pedir tudo para hoje porque, provavelmente não teremos para os usar amanhã”, sustenta.

Na crise de 2008, o turismo foi o “rei da retoma”
Relativamente ao “novo” normal, Pedro Costa Ferreira acredita que o mundo será exatamente igual ao “antigo” normal: “Vamos continuar a viajar mais e a ter mais turistas”. E as razões são óbvias e paradoxais: “A internet permitiu mais negócios sem a deslocação das pessoas. Tudo o que permite mais negócio sem as pessoas se deslocarem, acelera o negócio, a globalização e as viagens”, diz. Num “novo” normal, muito idêntico ao antigo, o responsável acredita que, se existirem diferenças, “não será pela Covid-19” mas sim pela inovação tecnológica.

Na recessão que se avizinha, o presidente da APAVT diz que esta é diferente daquela que se viveu em 2008: “É uma recessão global onde todos precisam de apoios”. No entanto, esta crise poderá ter um fator negativo para Portugal: “Na antiga, o turismo foi o “rei da retoma”, frisa o responsável, indicando que a recessão terá efeitos “em Portugal e na Alemanha. Do ponto de vista dos nossos mercados emissores, será um problema para o turismo incoming”.

É claro para o presidente da APAVT que as regiões com “menos operação turística”, como o Alentejo ou o norte de Portugal, serão as que têm mais oportunidades para conquistar os turistas. Mas, relativamente ao mote que tem sido promovido (“Vá para fora dentro”), Pedro Costa Ferreira entende-o no sentido de ser uma primeira “incursão”, mas atenta nos raciocínios que possam ser transmitidos: “Nos nossos mercados emissores, [este mote] significa falta de turistas”. Desse ponto de vista, o responsável prefere uma outra abordagem de “fronteiras abertas, ausência de visto ou de xenofobia, abraços e boas-vindas a tudo o que é diferente porque é disso que se faz o turismo”.

Como é que a distribuição se irá manter?
Começando pelas agências, Pedro Costa Ferreira destaca o “bom trabalho” que foi feito no repatriamento e no “bom diálogo” que está a ser feito com os clientes nos cancelamentos e nos reembolsos. Mas o modo de como se vai progredir no tempo e no cumprimento dos reembolsos é um fator crítico na relação com o cliente. É precisamente nesta relação que está sobrevivência e o regresso. Após o processo de reembolso fechado, que está previsto para o dia 14 de janeiro de 2022, o responsável atenta que “a questão dos cortes de custos que todos estamos a fazer e temos de fazer” tem de estar tratada até àquela data, a começar, desde logo, pelo lay-off que foi o primeiro corte a ser feito. Nesta medida de apoio, o responsável defende o prolongamento do lay-off, até porque o não prolongamento poderá fazer com que “uma empresa não tenha receitas até dezembro, indicando, no entanto, que a medida deve ser retirada gradualmente à medida que os setores vão recuperando”.

Uma outra questão fulcral são as tesourarias nas agências ou empresas: “Não podem entrar em rutura”. Pedro Costa Ferreira diz que haverá um primeiro nível de influência “paradoxal” e que se centrará nas cobranças: “Durante este tempo sem vendas, vamos apresentar prejuízos importantes. Mas quem tenha um bom setor de cobranças a funcionar e as empresas estejam a pagar, provavelmente a tesouraria, no final destes três meses, será melhor do que no início”. Já noutro nível, estará o endividamento: “É preciso ir analisando, perceber se nos podemos endividar e a que níveis. Não pode haver precipitações”, alerta.

Voltando à relação com os clientes, e sem a questão dos reembolsos, Pedro Costa Ferreira realça a importância de “continuarem ativas, presentes e a manter o sonho aceso”. No caso de não haver abertura de fronteiras, o raciocínio nos grupos de trabalho deverá ser o de criar ideias de semelhança: “Como é que consigo promover uma viagem no meu país que faça relação com aquela que estava reservado para outro ponto do globo?”, exemplifica o gestor, acrescentando que esta poderá ser uma oportunidade de curto prazo junto do cliente. Já no médio prazo, poderão surgir oportunidades que antes jamais seriam equacionadas por diversos motivos e que hoje devem e podem ser trabalhadas.

Do ponto de vista dos recursos humanos, o presidente da APAVT deixa uma reflexão: “Não há negócio nenhum que se subsista e que se desenvolva e que esteja equilibrado sem líderes adequados. Este é o momento brutal para se perceber se quem nós pensávamos que era líder é líder ou se quem nós não tínhamos percebido que era líder, afinal, o é.”