Uma carreira na distribuição com Marta Cruz

Conhecer de perto quem trabalha no setor das viagens em Portugal é o objetivo desta rubrica. Marta Cruz, product & contract manager da Lusanova, operador onde trabalha há já 22 anos, é o destaque esta semana.

Com uma licenciatura em Turismo, na vertente de Técnicos de Turismo, e uma pós-graduação em Gestão e Desenvolvimento da Oferta Turística, ambas na ISLA (hoje Universidade Europeia), Marta recorda que foi logo no início da sua adolescência que descobriu que esta seria a sua área: programar viagens e criar itinerários. Com os pais e o irmão percorreu, durante três ou quatro verões consecutivos, grande parte da Europa de carro, chegando a ir até Budapeste. Numa altura em que não havia telemóveis, internet ou GPS, e em que Marta e o pai delineavam todo o percurso recorrendo a mapas e guias.”Tenho o enorme privilégio de fazer o que ambicionei desde relativamente cedo”, admite.

Nascida em Setúbal, em outubro de 1977, um dos outubros que, reza a história, terá sido dos mais quentes de que havia memória na altura, foi aí que passou a infância e reconhece ter uma “paixão única” por esta cidade onde está até aos dias de hoje. Lembra, com saudade, os passeios de fim de semana pela Arrábida, os verões em Troia quando ainda “pertencia” aos setubalenses, no seu estado “puro”, dar milho aos pombos na Praça de Bocage, aprender a andar de bicicleta no Parque do Bonfim e, aos domingos, pela mão do avô, ver jogar o Vitória no Estádio do Bonfim, ritual que ainda hoje, passados 40 anos, cumpre religiosamente.

Como e quando iniciou a sua carreira no turismo?

Em abril de 1998, na Embaixador Tours, um operador que entretanto desapareceu. Comecei, como provavelmente tantos outros na mesma área, a emitir bilhetes e preparar documentações.

O que a apaixona no turismo e ainda hoje a faz continuar a querer estar nesta indústria?

Devo ter alguma bactéria que gera uma necessidade premente e permanente de “ir”, e de olhar o mundo como se fosse a primeira vez. Quero ver, conhecer e experimentar mais. Conheço quase 60 países, não conheço mais porque gosto de repetir, há sempre coisas novas por descobrir, tantas vezes vivo o destino numa perspetiva completamente diferente. E é isto que me motiva e me inspira profissionalmente, como gestor de produto, o mesmo destino poderá ser sempre reinventado de diversas formas.

E pelas pessoas que conheço ao longo de tantas reuniões e viagens, parceiros locais em cada destino, que nos passam um pouco da sua cultura, ou companheiros de tantas viagens de inspeção, portugueses ou não, que por passarmos tanto tempo juntos fora de casa e longe do nosso círculo habitual, criam-se fortes laços de amizade.

A chegada à atual empresa deu-se quando e como?

Outubro de 2000, dois meses após o operador onde me encontrava ter fechado. A Lusanova estava a criar um novo departamento – o operador de produtos com aviação, para isso já contava com uma pessoa com quem eu tinha trabalhado anteriormente (Alcina Soares, hoje na Atlântida), que tinha bastante experiência, ao contrário de mim, que ainda tinha tanto para aprender. Foi aí que na realidade “tudo começou”: o operador Lusanova Tours e a minha carreira a sério no turismo.

E qual tem sido o seu percurso dentro deste grupo/empresa até aos dias de hoje?

Desde 2000 até ao momento sempre na tour operação. Comecei nas reservas e em 2002 dei os primeiros passos na programação com o produto Brasil. Em 2005 a administração decidiu que já se justificava criar o cargo de responsável de reservas e fui eu a escolhida. Depois mais tarde fiquei com a programação da Europa – circuitos e
city-breaks e depois “abri” todos os outros destinos que hoje temos. Ao longo do tempo acabei por ficar também responsável pela contratação. Durante esses anos fui me afastando gradualmente daquilo que é o trabalho de reservas puro, para me dedicar ao produto/contratação.

Como define as suas funções dentro do grupo atualmente?

Neste momento acumulo o cargo de responsável de reservas, com a de gestora de produto e contratação de todo o segmento outgoing do operador (que é na realidade a minha principal função), não só para o mercado português, como também para alguns destinos do mercado brasileiro. Num “resumo bastante resumido”, negoceio com fornecedores em cada destino, faço a ponte com companhias aéreas, crio produtos, lanço catálogos, “alimento” o website na vertente do sistema de reservas on-line B2B, e ao mesmo tempo estou relativamente próxima do que se passa no dia-a-dia do departamento de reservas.

Quais os momentos que a marcaram mais ao longo do seu percurso profissional – os mais positivos, que mais contribuíram para o seu progresso profissional; e os menos positivos, que mais dificultaram a sua tarefa?

Houve dois momentos marcantes, quer no meu crescimento profissional quer no próprio crescimento do operador Lusanova (para bem ou para o mal, uma coisa não se pode desassociar da outra). O 1º foi em 2001 quando o diretor executivo, o sr. Daniel Marchante, me entregou um caixote enorme cheio de prospetos de hotéis e regiões turísticas (na altura a internet dava os primeiros passos), e disse-me: “Toma, faz
um catálogo para o Brasil”. Eu entrei em pânico, mas ali estava a minha primeira grande oportunidade.

O segundo está ligado ao primeiro, e aconteceu alguns anos depois (três ou quatro, não sei precisar). O Brasil era um sucesso tremendo, o nosso destino número 1, um misto de cultura, aventura, praia, que cobria a maior parte dos estados. De repente surgem os charters para o Nordeste, que foram matando a pouco e pouco o nosso negócio, apesar de ser uma oferta diferente. À primeira vista não parece um momento positivo, mas na
realidade foi um momento-chave. A Lusanova teve de se virar para outro lado. Os Circuitos Europeus que já estavam em crescimento, tiveram aí um investimento grande, sendo hoje a nossa principal “marca”, e por essa altura, também por força das circunstâncias, nasceu o nosso produto de longo curso que chamámos de “Grandes
Destinos” (para nos distanciar do que os outros chamavam de grandes viagens). Sem dúvida que foi o meu maior salto profissional e até pessoal, os meus horizontes e conhecimento alargaram exponencialmente, e desde há muito tempo que é o segmento da Lusanova que tem mais margem de progressão.

O menos positivo, foi obviamente a pandemia. Foi um golpe muito duro para a nossa atividade, e digo sem qualquer problema na consciência, que quem realmente sofreu a sério foram os operadores e os seus staffs. Tivemos de trazer passageiros para casa em muitos casos sem saber como e em que condições, lidar com companhias aéreas que a cada hora mudavam as políticas, lidar com agentes de viagem que, como é
compreensível, queriam defender os interesses dos seus clientes acima de tudo, e posteriormente lidar com seguradoras, processos de reembolsos, vouchers, etc. Eu senti que ninguém sabia o que andava a fazer. Mas também serviu de aprendizagem a muitos níveis principalmente na operação. Hoje, por exemplo, o nosso departamento de reservas tem rotinas que não tinha antes.

Quais os principais desafios que profissionalmente tem pela frente este ano?

Recolocar os nossos principais produtos de longo curso no mesmo nível de vendas de Janeiro de 2020. Argentina e Chile já atingiram essa meta, mas Índia e Sudeste Asiático ainda estão bastante aquém, muito devido à abertura tardia e estabilização das medidas pós COVID nessas regiões.