Uma carreira na Hotelaria… Mário Candeias

Prosseguimos com a publicação de mais Uma Carreira na Hotelaria, desta vez com Mário Candeias, atual general manager do Espinas Hotel Group, baseado em Teerão (Irão).

O profissional, nascido em 1971, em Moçambique, está há quase seis anos no Irão mas já passou por inúmeros grupos hoteleiros e hotéis em Portugal, nomeadamente o Pestana Hotel Group, o Tivoli Hotels ou CS Hotels & Resorts (atualmente NAU). A infância foi passada no Alentejo, após retornar de África, mudando-se depois para o Algarve. Recorda que, na altura, Portugal era visto como um país pobre e afirma que toda a sua vida tem procurado inverter essa perceção de pobreza que outros possam ter. E garante que hoje o país está “numa dimensão completamente diferente, com novas gerações bem preparadas”.

Formado em Gestão em Turismo e Hotelaria nas Escolas de Hotelaria de Faro, Estoril, Cornell (EUA) e Lausanne (Suíça), Mário Candeias conta ainda com um Marketing Management e MBA pela Faculdade de Economia da Universidade do Algarve, bem como vários outras formações de gestão tirados na Católica School of Economics & Business, ou lá fora nos EUA (Harvard Business School, Columbia Business School, Chicago Booth School of BUsiness ou Cornell School of Hotel Administration) e Paris (INSEAD). Não hesita em explicar que a componente académica sempre o acompanhou ao longo da sua carreira, assegurando que não imagina um percurso profissional sem uma ligação permanente a instituições académicas de elite e a formação avançada: “Facilmente nos tornamos obsoletos e perdemos valor”.

Como e quando iniciou a sua carreira na Hotelaria?

As primeiras experiências hoteleiras aconteceram no final da década de 80, no então Marinotel Vilamoura (hoje em dia, Tivoli). Na sua fase ascensional, era o benchmark da hotelaria nacional e um dos benchmarks internacionais. Era gerido pela Occidental Hotels (Espanha). Esse hotel saía do convencional por incluir uma componente muito potente, não somente em Leisure, mas também em Corporate e MICE. Era o primeiro verdadeiro 5 estrelas construído de raiz em Portugal, desde os hotéis de 1ª geração, que surgiram na década de 60 com o início de atividade do aeroporto de Faro (1965). Iniciei experiências como Poolboy, Bellboy e Comercial, nas férias de verão. O Marinotel foi uma das grandes escolas hoteleiras do pais, mais acentuadamente no seus primeiros 15 anos de atividade.

O que o apaixona no setor hoteleiro e ainda hoje o faz continuar a querer estar nesta indústria?

Tudo! O setor hoteleiro é um ecossistema económico e laboral muito rico, diversificado, internacionalizado, com multiplicidade de funções técnicas, todas elas em permanente evolução e competição. Quando comparada com outras indústrias, a componente técnica hoteleira é sofisticada, tanto ao nível da Gestão Operacional e Produção, como ao nível de Sales & Marketing, RH, Financeiro e de Investimentos (Corporate Finance, Asset Management). Em termos sociais, interagimos praticamente com todos os extratos sociais, desde gestores de topo a line staff. Há quem diga que um Hotel é uma miniatura de uma sociedade autossustentada (em parte até, autorregulada). Todas estas matizes adicionam complexidade e competitividade à indústria. O mundo dos hotéis é também um mundo que assenta em real estate sofisticado (que é outra componente do negócio, complementar à gestão), o que propicia um lifestyle muito específico e assaz interessante.

A chegada ao atual grupo/hotel deu-se quando e como?

Um amigo comum dos acionistas do Espinas Hotel Group iniciou uma sequência de contactos sérios e, no início de 2017, iniciei funções como gestor do mais ambicioso projeto hoteleiro do Irão, o novo Espinas Palace Hotel (400 quartos, Conference Center, Concert Hall 3,000 seats). Interessante: O que o Marinotel foi para Portugal nos anos 80 e 90, este Espinas Palace Hotel é para o Irão e para parte do Médio Oriente, na atualidade. Já tinha a intenção de sair do país e o Médio Oriente e a Ásia eram as regiões preferidas. Dentre algumas opções analisadas, esta era a mais ambiciosa e estruturada.

E qual tem sido o seu percurso dentro deste grupo hoteleiro até aos dias de hoje?

O primeiro ano foi investido a estruturar e desenvolver operações e modelos de gestão no Espinas Palace Hotel (inaugurado em 2016) que pudessem ser formatados e posteriormente exportados para outras unidades hoteleiras dentro e fora do Grupo, em termos domésticos e internacionais. Esses modelos incluem hoje em dia ferramentas como Planos Estratégicos, Balanced Scorecards, Decision Support Systems nas áreas de Financial Accounting (incluindo IFRS), Management Accounting (USALI), Revenue Management, HR, Service Management, F&B Cost Control, alguns deles sustentados em Business Intelligence e Live Data Visualization Dashboards (Microsoft Power BI). Construir todas estas ferramentas com as equipas locais (e uma muito pequena componente de expats) e depois integrá-las no modus operandi da Organização foi um processo exaustivo, mas apaixonante.

Numa segunda fase (a partir de 2018), exportámos as ferramentas para todas as unidades do Grupo Hoteleiro e centralizámos a gestão. Hoje em dia, o Espinas Palace não somente é o flagship do Grupo, mas opera também como headquarter hoteleiro e de toda a área de investimento em residencial real estate, um dos setores de eleição destes acionistas.

Como define as suas funções dentro do grupo atualmente? E que tipo de gestão procura fazer em termos de equipa?

Nesta fase, coordeno o Grupo Hoteleiro, em todas as suas valências, reportando diretamente ao Conselho de Administração.

Em adição, e durante a crise da COVID, adquirimos a maioria do capital da empresa líder em software hoteleiro (Optimate Hotel Management Software) e distribuição online (Netminder, online distribution software) no Irão. É um big player com instalações em mais de 800 unidades hoteleiras no país, com market share acima de 70% no segmento de 4 e 5 estrelas e overall market share acima de 35% em todos os segmentos (incluindo AirBnB). Como liderei todas as diligências de Valuation e M&A dessa integração vertical ou investimento estratégico, acabei por ficar ligado à gestão da empresa em representação dos meus acionistas.

A gestão dos hotéis é feita ao estilo de qualquer outra multinacional hoteleira, com alguns sistemas até mais sofisticados do que sistemas com que trabalhei em experiências anteriores. Gestão formal, inspirada, participativa, colaborativa, transparente e com targets quantificados, calendarizados e negociados com as equipas (uma excelente prática, que importei do Grupo Tivoli e a quem sempre atribuo todo o crédito), indexados a um reward & recognition system que remunera trimestralmente ganhos de performance.

No que respeita à gestão da empresa de software, o focus tem sido numa gestão tipo startup, reengenharia de processos, scalability e internacionalização. Temos também tentado crescer a empresa por via não somente orgânica, mas também por via de aquisições (integrações horizontais) e joint-ventures. O Irão tem um setor tecnológico muito desenvolvido e competitivo, e tem sido uma experiência muito intensa ajudar a gerir esta empresa, baseando-nos nos principais KPIs aplicados a SaaS e Cloud-based Systems e em linha com as best practices dos principais hubs tecnológicos mundiais.

Quais os momentos que o marcaram mais ao longo do seu percurso profissional – os mais positivos, que mais contribuíram para o seu progresso profissional; e os menos positivos, que mais dificultaram a sua tarefa?

Todos os momentos de carreira são marcantes, tão mais marcantes quanto maior a dimensão do desafio. A minha carreira formal começou durante a Guerra do Golfo (1992) e tem passado por todas as vicissitudes, ameaças e oportunidades comuns ao mundo económico e às sociedades em geral… o desenvolvimento do eCommerce, a introdução do Euro, o 11 de Setembro, a Grande Crise Financeira, a Crise das Dívidas Soberanas, o Brexit, o COVID, agora a Guerra na Ucrânia, a Inflação Global… todos estes fenómenos geram impactos económico-financeiros e sociais nas empresas às quais tenho estado ligado e têm obrigado a grandes esforços e focalização no sentido de que as mesmas possam continuar as suas missões, com o mínimo de impactos negativos.

Nessas empresas, eu era somente um entre muitos outros elementos altamente qualificados, que igualmente contribuíram para a continuidade e sucesso dessas organizações (todas elas ainda existem hoje em dia e, felizmente, continuam o seu caminho ascendente).

Quais os principais desafios que profissionalmente tem pela frente este ano?

Como é sabido, o Irão tem passado por múltiplos e críticos problemas, mais agudos ainda na atualidade recente.

Esta economia de 1.2 triliões de dólares e 85 milhões de consumidores, estava numa trajetória globalizante e ascendente aquando da minha chegada e por via da assinatura e cumprimento estrito do clausulado no JCPOA (Acordo Nuclear).

Com a saída unilateral deste acordo por parte dos americanos, tem-se vindo a precipitar uma sequência nefasta de fenómenos económico-sociais. Sanções, desvalorização acelerada do rial iraniano, inflação nos 45%. Mais recentemente, protestos sociais. A COVID também teve impactos sérios e profundos, não alheios às dificuldades económicas da atualidade.

Os desafios são crescentes, portanto. Assim mesmo, o Grupo Hoteleiro tem mantido uma performance consideravelmente acima do competitive set, tem sido ágil em adaptar-se a todas estas camadas cumulativas de desafios e ainda assim entregar valor aos acionistas e demais stakeholders, não somente em termos nominais, mas também em termos reais. Tudo fruto do esforço coletivo, focalização, resiliência e determinação das nossas Equipas.

Porque conseguimos gerar valor suficiente para não termos que desacelerar projetos conexos, estamos agora a comercializar dois prédios com luxury residencial real estate na zona posh da cidade, terminados recentemente.

Estamos também na fase inicial de construção do novo Espinas Amiran, um hotel de luxo com 600 quartos, parte dum mixed-use real estate development complex, noutra das zonas nobres da metrópole Teerão (cidade com mais de 15 milhões de habitantes).

Além do exposto, estamos a iniciar uma colaboração com a University of Tehran (a maior e prestigiada do Irão), no sentido de lançar a maior e melhor Tourism & Hotel Management School do país.

Estes projetos, assim como a gestão de empresa de software e a otimização permanente das operações e rendibilidades dos hotéis já em atividade, são o principal desafio. Em conjunto com Acionistas e Equipas, estes desafios são sempre encarados de forma focalizada e apaixonada.