Poder-se-ia dizer que a hotelaria lhe está no sangue pois nunca teve dúvidas de que seria este o setor onde iria fazer a sua carreira profissional. Do seu percurso fazem parte nomes como Tivoli, Altis, Vila Galé, Albatroz, entre outros, e hoje Francisco Moser é managing director do Discovery Hospitality Real Estate e da marca DHM. Afirma que não se arrepende de nenhum passo dado e que o que o fascina neste mundo é a ausência de rotina e a possibilidade de contribuir para a felicidade dos clientes. Nesta Grande Entrevista à Ambitur, o profissional não hesita em elogiar a hotelaria e os hoteleiros nacionais, mas admite que ainda há muito conservadorismo.
Como veio parar ao setor do turismo, mais concretamente à hotelaria?
A história começa aos 18 anos. Achei que tinha que ter uma profissão algo diferente e surgiu a hipótese da hotelaria. Antes mesmo de optar por uma Escola de Hotelaria, tive a oportunidade de ir trabalhar para o Hotel Tivoli Sintra e encontrei uma hotelaria fantástica. A marca Tivoli já tinha um nome muito sonante, geria ali perto também o Palácio de Seteais. Hotéis onde mais tarde vim a ser diretor. Comecei a trabalhar no departamento de controlo. Quando souberam da minha candidatura à Escola de Hotelaria deram-me a oportunidade de estar na receção. Estas experiências serviram para me certificar de que era uma profissão que gostava.
O que o fascina no mundo da hotelaria?
O que me fascina, para além de não haver um dia igual ao outro, genuinamente, é, para além de ter de gerir bem o património dos outros, a satisfação e felicidade dos hóspedes e clientes. Hoje em dia, com estas ferramentas de ‘reviews’ e plataformas, é fantástico podermos acompanhar diariamente tudo o que os clientes dizem.
E foi isto que me fez ir para Escola de Hotelaria e Turismo do Porto que, na altura, e durante muitos anos, foi a melhor escola em Portugal a formar diretores hoteleiros. O modelo da escola era quase totalmente importado do modelo de Glion. Era uma escola iminentemente prática.
Tirei pois o meu curso, acompanhado por muitos estágios. Lembro-me que não tive férias, fins-de-semana muito poucos, dedicação a 100%. Depois, como estava deslocado, trabalhava muito para poder ter um sustento próprio. Esta experiência também foi importantíssima para mais tarde vir a gerir hotéis.
Este excesso de trabalho desanimou-o?
Não! O conselho que dou aos jovens que vêm para a hotelaria é que é tudo mau. Ou gostamos muito intrinsecamente da atividade e então este “tudo mau” passa a ser “tudo bom”, ou mais vale ir trabalhar para uma profissão “9 to 5”.
E depois da formação?
A primeira coisa que fiz foi telefonar para os hotéis onde estagiei. Vim então para o Ritz como rececionista. Tinha vindo de Monte Carlo, no Mónaco, onde tivera uma experiência de estágio prolongado. Fiquei na receção do Ritz durante uns tempos, mas depois começou a entrar muito na rotina. Gostava muito da área das comidas e bebidas, e fui trabalhar para uma cadeia de restaurantes que hoje já não existe. Entrei depois para a Enatur, e aí assumi as primeiras funções de direção, como diretor do Restaurante Cozinha Velha, na Pousada de Queluz. O primeiro ingresso numa hotelaria mais de acordo com as minhas expectativas foi no Hotel Albatroz, no princípio dos anos 90, onde estive durante três anos e meio como assistente de direção. Gostei muito, era um hotel pequeno, consegui mexer em todas as teclas.
Daí fui para um exercício completamente diferente, a abertura do Altis Park, nas Olaias, onde estive durante três anos. Depois tive o convite do grupo Tivoli, onde estive oito anos, começando como assistente do diretor-geral, depois como diretor do Tivoli Jardim, mais tarde no Palácio de Seteais e Tivoli Sintra, e voltei em 2000 como diretor-geral do Tivoli Lisboa.
Acabei por sair para ser diretor de operações do Vila Galé, uma experiência que só durou seis meses. Na altura havia um empresário em Carcavelos, que tinha o hotel Riviera e uns projetos no Brasil, que me convidou para ser administrador de uma área de turismo que o grupo tinha. Fiquei como diretor-geral do Hotel Riviera, sendo responsável pelo desenvolvimento de outros negócios. Foi algo que me deu imenso gozo trabalhar neste grupo, onde estive cinco anos.
Como já tinha estado no Grupo Altis, a família lembrou-se de mim para dirigir o grupo em 2010, com a abertura de três unidades. Estive no grupo então, nesta fase, durante seis anos. Fui como diretor geral de operações, sendo um braço direito da administração para ajudar a desenvolver os projetos desta nova geração de hotéis, mais modernos, mas simultaneamente acompanhar a evolução dos outros, com projetos de remodelação muito ambiciosos.
Não hesita quando lhe são colocados novos desafios?
Não. Uma coisa que não gosto é de me sentir confortável na cadeira. Se preciso dou um passo atrás para depois dar dois à frente. Não me preocupam muito as questões da dimensão da empresa ou designação do lugar que ocupo, mas sim a missão que tenho na organização.
Por isso não hesitou com o convite do fundo Discovery…
Não pensei duas vezes. Estamos a falar de um vasto universo de unidades hoteleiras, é um projeto com imensos desafios agregados, muitos hotéis em estádios de desenvolvimento distintos. O fundo detém 44 ativos, que representam 800 milhões de euros, gerimos um portfólio muito diversificado e eu assumo o papel de pivot de toda a operação hoteleira. Este é um desafio que não aparece todos os dias.
O que traz de novo a este projeto?
Tenho a vantagem de ter trabalhado sempre no mercado nacional, onde atualmente se desenvolvem os nossos projetos. Os mais de 30 anos de profissão a trabalhar neste mercado, permitem-me conhecê-lo relativamente bem nas suas várias dimensões. Penso que para os objetivos de desenvolvimento do fundo Discovery é importante ter alguém com este enquadramento. Julgo trazer um grau de confiança para os próprios investidores. Juntamente com a ótima equipa que aqui está podemos encontrar as melhores soluções para os desafios que se nos deparam, que são muitos.
Olhando para trás que momento destacaria no seu percurso?
Não me arrependo de nada do que tenha feito. Todos os momentos foram muito felizes em termos profissionais. Talvez o grande salto profissional que me tenha permitido um grande crescimento tenha sido quando fui trabalhar para o Grupo Tivoli. Foi uma fase da minha vida em que, de facto, não querendo diminuir outras experiências, foi marcante.
Que visão tem da hotelaria em Portugal?
Tenho uma visão com várias leituras. A primeira é que as coisas têm mudado e evoluído muito positivamente. Temos um parque hoteleiro invejável. O hoteleiro português faz um investimento, não olhando só para a parte do retorno imediato, mas também muito com o coração e alma. Depois tem aparecido uma nova geração de hoteleiros que trouxe um novo ‘twist’ a este negócio, o qual ainda é muito clássico e amarrado a formalismos. Temos que entender que os clientes mudaram radicalmente. O “novo cliente” vem à procura de experiências locais e genuínas. Os nossos hotéis DHM são o exemplo de que foi bem-sucedida a criação de diferentes produtos, mas podemos olhar para outros grupos, como por exemplo o Memmo, uma pequena cadeia que se está a desenvolver com hotéis que combatem esse classicismo. E há outros a fazer uma hotelaria muito interessante, como os hotéis do Grupo Heritage. Isto mostra que a hotelaria nacional está a evoluir e que os investidores estão atentos às tendências.
Outro tema tem a ver com a capacidade de gestão e de dinâmica comercial, que acho que ainda falta muito na nossa praça. Há pouco risco, ainda estamos num patamar de preço médio muito baixo comparativamente com os nossos congéneres europeus. Há muito conservadorismo. Relativamente à restante oferta de alojamento, como hostels ou alojamento local, tudo pode conviver saudavelmente. Não podemos querer dominar o mercado, este é que nos vai dominando e exigindo. Ou os hoteleiros estão preparados para perceber isto ou não é com legislação e politiquice que se vai mais à frente.
Esta é a 2ª parte da Grande Entrevista de Francisco Moser que pode ser lida na íntegra na Edição 295 da Ambitur.
Leia aqui a 1ª parte.