O Alentejo é o destino do mês de junho na Ambitur.pt. Num roteiro de cinco dias pela região do baixo, norte e centro deste vasto território, pudemos conhecer melhor as histórias e “estórias” de projetos, imóveis, centros interpretativos, lugares de “culto” aos vinhos e à boa gastronomia alentejanos, sempre contadas pelos próprios, por quem ali vive e melhor do que ninguém sabe do que está a falar.
O Centro de Ciência do Café conta-nos a história do café, da Delta Cafés e de como esta semente fez parte dos destinos de Portugal no mundo. Um centro que abarca mostras de cafeeiros em estufa, vídeos, jogos interativos, simuladores humanos de torrefação, exposições de xícaras, entre muitas outras atracões, e de onde não se sai sem nos oferecerem um café. É uma visita imprescindível, com tempo, para se apreciar e interagir com a bebida mais tradicional portuguesa e talvez do mundo. E nela somos guiados por Cristina Gameiro, historiadora e museóloga.
As cabras loucas saltavam. O seu pastor olhava-as pasmado. Intrigado, experimentou o fruto de um arbusto próximo. Ganhou uma energia inesperada e com os seus animais começou também a saltar. Um monge que por ali passava, quis saber o que se passava. O pastor contou a sua história e algumas bagas seguiram com o monge para o seu convento. Esta é a lenda da descoberta do café. Uma história que nos chega da Etiópia. Outras nos chegam de outros sítios, no Centro de Ciência do Café, em Campo Maior. Por exemplo, os portugueses, quando perceberam da importância desta planta, foram até à Guiana, pequeno país da América do Sul, na tentativa de obterem a sua semente. E vamos até Dom João V. Digamos que foi no seu reinado, no início do século XVIII, que o café começou a fazer parte também do nosso país. Porque nesta altura o rei apercebe-se que os holandeses e os franceses o comercializavam, nos mercados internacionais e nós não. Numa altura que estávamos no Brasil e em outras colónias com tal clima tropical. Então o que é que o rei fez? Enviou à Guiana Francisco de Melo Palheta com o objetivo de pedir ao seu governador que lhe facultasse a planta do café, porque o rei de Portugal o queria desenvolver. Só que o governador não lhe facultou a planta, por razões comerciais. Mas, reza a lenda, que Francisco de Melo Palheta manteve algum relacionamento muito próximo com a mulher do governador e que foi ela, quando este desiste e vai regressar ao Brasil, que lhe oferece um ramo de flores. Neste, escondidas no meio das flores, encontravam-se as tão desejadas cerejas do café. A cereja, ao mesmo tempo, também é a semente. Então, o que sabemos é que no século seguinte, o Brasil tornou-se o maior produtor de café do mundo. Inicialmente no Brasil, para depois levar para Angola, para Cabo Verde, São Tomé e Timor.
Este é o mote do Centro de Ciência do Café, onde a história se desenrola do princípio ao fim, onde os detalhes parecem ter sido carregados em antigas sacas de serapilheira.
Entrando no espaço, evidencia-nos desde logo a memória, em exposição, que nos conta um pouco da história do início da vida do senhor Rui Nabeiro, empresário, comendador, alguém que deixou uma tremenda marca em Campo Maior, no Alentejo, em Portugal e, principalmente, no mundo, com a sua Delta Cafés. Segue-se, logo de seguida, uma maqueta interativa que nos permite entender o que este espaço de 3500 metros quadrados oferece, o que permite aos visitantes ficarem em determinadas zonas mais tempo do que em outras. Consoante também a área em que pretendem aprofundar mais, ou tenham mais interesse . Aberto em 2014, 28 de março, dia do aniversário do seu fundador, nestes 11 anos já recebeu cerca de 200 mil visitantes. O “Mico” é a mascote do espaço e vai indicando o trajeto a seguir. Quem é este mico? É um saguim que, no seu dia-a-dia, costuma andar por plantações de café no Brasil. Um representante digno de uma cultura que se desenvolve em clima tropical e, por outro lado, o Brasil é o maior produtor de café do mundo.
Segue-se uma estufa onde se pode entender de que planta falamos, quando designamos um cafeeiro. Ali tentam vingar, entre outros, cafeeiros mais raros de folhas grandes, altos, que são uma espécie ibérica, que não se comercializa, mas também outros mais baixinhos, de folhas miudinhas. Ficamos a saber que no café que habitualmente tomamos, é extraído destas plantas, que estão nas laterais. Umas pertencem à espécie arábica e outras à espécie robusta. São as duas grandes espécies de cafés que existem, que se comercializam. A arábica é a espécie que predomina na América Central e na América do Sul, também marcando presença na Ásia e Oceânia. O país que mais café arábica produz é o Brasil, ao mesmo tempo, é o maior produtor do mundo, sendo 80% da sua produção arábica. O café arábica é suave, aromático e de baixo teor de cafeína. Digamos que, quando abrimos um pacote em casa e cheira muito bem, ou quando vamos ao café e sentimos o cheiro, é arábica, é a dica que lhe podemos deixar. Por outro lado, temos a robusta, que é a antítese da arábica. É um café que predomina em África e na Ásia e caracteriza-se por ser muito forte. Tem muita cafeína, tem um aroma mais agressivo, mas é importantíssimo, porque será ele que dá os sabores. Portanto, a espécie robusta transmite o sabor. A arábica, o aroma. Cada uma delas tem uma família enorme de variedades. Daí que misturar é fundamental. Para que a mistura resulte num equilíbrio que dê origem a um bom café. O maior produtor de café robusta é o Vietname.
Saiba que em Portugal bebemos a combinação destes dois tipos de grãos e, por isso, às vezes os estrangeiros consideram-no forte. Mas isso tem tudo a ver com a nossa história, as nossas colónias africanas, nomeadamente Angola, que produzia muito café robusta.
Relativamente à planta, acontece habitualmente o mesmo cafeeiro ter flores e frutos ao mesmo tempo, sendo assim vão existir tonalidades diferentes na mesma planta porque a cereja nasce verde, nasce muito pequenina, depois vai crescendo, vai amadurecendo e só deverá ser colhida quando já está madura. Quando a casca já está encarnada, escura. Aí significará que os grãos que estão dentro estão totalmente desenvolvidos e preparados para a descasca. Porque o que interessa não é a cereja em si, mas sim o seu caroço, que são os grãos de café. Existem dois métodos cuja função é fazer a separação entre o caroço e o restante do fruto. O tecnológico, via humidade, ou o método natural, mais antigo, via seco. Ou se seca ao sol nas eiras, nos terreiros, praticada há décadas, em que as cerejas são secas, acabam por estalar, abrir e depois selecionam-se os grãos. Ou então lava-se dentro de máquinas com muita água e aí a casca acaba por inchar dentro de água, abrir e os grãos separam-se e soltam-se. Este hoje é um método usado especialmente com as arábicas.
E voltando ao pós Dom João V, estes barcos vinham carregados de riquezas coloniais. Não só café, mas muitos outros produtos. Madeira, açúcar, ouro, diamantes, especiarias da Índia, etc. E então os visitantes são convidados a aprenderem um pouco mais sobre a história do café, de uma forma muito agradável. Navegando em alto mar, tentando chegar aos vários portos, em cada um dos portos, surge uma pergunta, sempre com três hipóteses de escolha, em que os visitantes podem selecionar; às vezes erram, mas aparecem as respostas corretas, portanto, ficam sempre com a melhor informação . Este é mais um dos jogos interativos do Centro de Ciência do Café, que faz as delícias dos mais miúdos e graúdos. Continuando a volta pela exposição, podemos observar os cafés clássicos que marcaram Lisboa ou Porto, ao fim de contas o café é um espaço público e onde se fez correr também muita história pois também serviu de ponto de encontro de políticos, artistas, intelectuais e mesmo de espiões.
O contrabando
Há muito por descobrir e por contar em Campo Maior. Mas a principal história é a do contrabando de cafés. Foi esta a génese do crescimento económico de toda esta região. Foi a base do desenvolvimento dos cafés na cidade. O café vinha das colónias portuguesas, a partir do século XVIII, para a metrópole através de via marítima, sendo que grande parte tinha como último destino Campo Maior, pois era torrado e preparado para ser contrabandeado para Espanha. Uma parte ficaria para Portugal, mas o café que se fazia aqui, em Campo Maior, era essencialmente para contrabando. Algumas marcas até já não existem, mas outras ainda persistem, por exemplo, os cafés Camelo. É onde o senhor Rui Nabeiro inicia a sua atividade. Inicialmente, em empresas da família. Contam-nos que o pai do senhor Nabeiro e o tio, o senhor Joaquim dos Santos Nabeiro, foram os grandes fundadores do mundo desta torrefação em Campo Maior. Depois o pai faleceu e, imediatamente, ele teve que substituir o pai e começou, ele e o irmão, a dedicar-se a este mundo dos cafés . O café aqui torrado e contrabandeado seguia depois para Badajoz, Mérida e Cáceres. Estas três cidades sempre tiveram grandes densidades populacionais, portanto sempre foram excelentes mercados consumidores do café que era aqui torrado. Mais tarde, o senhor Rui Nabeiro pensou que se estas marcas vendiam para a Espanha, podia criar a sua própria empresa para o território nacional. Foi quando, em 1961, fundou a Delta Cafés. Nunca se separou das outras, aliás, inclusive, comprou-as aos seus familiares.
O Centro de Ciência é por esta via um depositário de testemunhos de contrabandistas. Na década de 60, quando na sua juventude se dedicaram a este trabalho, os contrabandistas usavam mochilas com cargas aproximadas de 30 quilos e também levavam na zona da barriga um quilo. Pois, às vezes, tinham que fugir da guarda e libertar as cargas.
A partir do café, Rui Nabeiro criou um império. O Centro de Ciência do Café é um exemplo da sua criação, ao mesmo tempo que mostra também como criou algo em torno deste produto. Citando esta personagem que marca este Alentejo: “Os meus avós e bisavós tinham esse privilégio de ter um bocadinho de terra, certamente deixada pelos seus pais, e faziam o seu vinho. Eu segui a tradição que vi nos outros. A minha intenção foi a de criar algo. E criei”.





















































