Reportagem: A caminho de construir um turismo mais “inteligente” e sustentável

Numa altura em que o turismo é um dos setores que mais “anima” a economia nacional, a Ambitur decidiu saber como está o País em termos de distribuição de fluxos turísticos a partir dos eixos de Lisboa e Porto, e o que ainda há a fazer, nomeadamente a nível de mobilidade, acessibilidades e ambiente. Parece não haver dúvidas de que as duas cidades se assumem como hubs turísticos mas ainda falta canalizar fluxos destas “âncoras” turistas para outras regiões.

Ana Jacinto

O ano de 2018 consolidou Portugal e confirmou as cidades de Lisboa e Porto como destinos de eleição”. Quem o afirma é Ana Jacinto, secretária-geral da AHRESP (Associação da Hotelaria, Restauração e Similares de Portugal), que tem a certeza de que tal realidade representa uma “responsabilidade acrescida” para todos os players do turismo, obrigando-os a gerir “de forma inteligente o «nosso» turismo”. Para a responsável associativa, não há dúvidas de que Portugal conseguiu cultivar e projetar um modelo dinamizador de destino turístico de interesse, e que a capital e a Invicta são um óbvio fator crítico desse sucesso.

Também Cristina Siza Vieira, presidente executiva da AHP (Associação da Hotelaria de Portugal), confirma a posição inequívoca de Lisboa e Porto como hubs turístico. E afirma que a AHP tem defendido que estas duas cidades funcionem como “âncoras” que canalizem a procura para destinos complementares e, tradicionalmente, menos explorados, conseguindo-se assim aumentar a estada média, não só nestes dois centros urbanos mas em todo o país. ” Não nos podemos esquecer que a estada média na hotelaria nacional, segundo dados do Hotel Monitor da AHP, não chega aos dois dias”, recorda a responsável.

Pedro Costa Ferreira

O mesmo pensa Pedro Costa Ferreira, presidente da APAVT (Associação Portuguesa das Agências de Viagens e Turismo), que concorda que “um desafio importante será de «ganhar» mais dormidas fora das cidades, permitindo mais carga turística e ganhando efetividade na resolução das assimetrias regionais”. O responsável adianta que a complementaridade existente entre as cidades de Lisboa e do Porto permite “enriquecer a oferta, atraindo mais tipos de procura”.

Nuno Barjona

Já Nuno Barjona, head of Marketing and New Mobility da Europcar Portugal, refere que nem sempre Lisboa consegue funcionar como um hub no sentido de atrair e redistribuir fluxos turísticos, pois “muitas vezes, os turistas já vêm com um destino preciso a nível nacional”. Dá o exemplo do turismo religioso, muito associado ao público dos cruzeiros, que ao chegar à capital quer logo seguir para Fátima. Mas reconhece que “Lisboa tem o efeito surpresa e são numerosos os turistas que voltam para conhecer melhor a cidade e que, ao conhecerem melhor Lisboa, querem depois conhecer melhor Portugal”. Até porque, explica, as distâncias são pouco representativas para a maioria dos turistas que escolhem conhecer o país e facilmente alugam um automóvel para o percorrer.

Por sua vez, Francisco Calheiros, presidente da CTP (Confederação do Turismo de Portugal), não tem dúvidas de que Lisboa e Porto são já hoje dois importantes destinos turísticos com “uma enorme capacidade de atrair e concentrar turistas de todo o mundo, com uma oferta turística de grande qualidade ao nível da hotelaria, restauração, património, cultura e desporto, eventos de lazer e corporativos”. Acrescenta ainda que ambas as cidades apresentam um enorme potencial de redistribuição desses fluxos para concelhos limítrofes o que “infelizmente, ainda não está devidamente explorado” e tem levado a CTP a alertar para a “urgência de um novo quadro de gestão integrada dos destinos, com a criação de novos pólos, novas centralidades e novas soluções integradas de transportes”.

Francisco Calheiros

Uma redistribuição mais eficaz dos fluxos turísticos
Esta redistribuição tem, pois, de ser mais eficaz. E este é um dado assente para os responsáveis abordados pela Ambitur. Para o representante da CTP, “falta um conhecimento mais profundo e rigoroso da atividade turística, dos mercados emissores e dos processos de decisão dos turistas”. Francisco Calheiros acredita que, sem informação estatística de qualidade e atualidade, é muito difícil “identificar ou antecipar tendências, e mobilizar recursos para construir uma estratégia comum, que envolva stakeholders públicos e privados”.

A CTP defende também uma maior mobilidade nestes territórios, que passa pela melhoria de acessibilidades e da rede de transportes públicos (locais, regionais e nacionais). Além disso, há que assegurar a eficácia da comunicação e promoção das regiões limítrofes junto dos turistas. “É preciso que estes saibam que Lisboa não se circunscreve ao Castelo, ao Chiado ou a Belém. Tem uma área metropolitana com 18 concelhos, onde se inclui Sintra, Cascais, Almada, Palmela, Setúbal… E está a uma hora da vila medieval de Óbidos ou a hora e meia de Évora, Património Mundial da UNESCO, e de Fátima, um dos mais importantes destinos internacionais de turismo religioso”, exemplifica o presidente da CTP.

Francisco Calheiros fala, no entanto, de alguns constrangimentos a nível das acessibiliades, sobretudo na ferrovia. “Defendo uma visão integrada que contemple um desenho das duas redes na sua globalidade, desde os transportes rodoviários, à ferrovia, ao metro, aos transportes fluviais, até às bicicletas”, frisa, não deixando também de referir o Aeroporto de Lisboa, que “constitui um entrave significativo ao acesso de mais turistas à capital e ao país, na medida em que se encontra com a sua capacidade esgotada”.

Já a responsável da AHRESP defende um melhor conhecimento do perfil do turista para podermos dar resposta de acordo com as suas necessidades. “A partir deste pressuposto o futuro do turismo pode ser ainda mais desafiante com a criação ou reforço de hubs existentes, pressupondo obrigatoriamente a partilha de informação e sinergia entre todos os players do turismo, que terão de estar alinhados”, reforça Ana Jacinto.

A secretária-geral da associação acredita, contudo, que a sustentabilidade do turismo não pode assentar exclusivamente na esfera do digital, isto embora defenda que a redistribuição dos fluxos turísticos para as regiões mais próximas passe por “abraçar a tecnologia, colocando-a ao serviço do turismo”. Para a responsável, a tecnologia deve ser uma ferramenta mas a experiência do destino “traz a necessidade óbvia de humanizar a responder com qualidade no terreno”. Ana Jacinto explica que “este equilíbrio entre a tecnologia, como ferramenta ao serviço do turismo, e a consolidação da experiência do viajante, nos pólos de maior atração e nas regiões de baixa densidade, traz um futuro muito risonho para o turismo nacional e irá afastar a diabolização do turismo de massas”.

Cristina Siza Vieira

Para Cristina Siza Vieira, “a mobilidade é a questão chave para que a redistribuição seja mais efetiva”, sendo evidente a necessidade de se investir numa rede de infraestruturas de transportes “eficiente e intermodal, que acompanhe a procura crescente de turistas a que temos assistido e, paralelamente, que sejam criados modelos alternativos de mobilidade que complementem a oferta existente”.

Por sua vez, o presidente da APAVT defende a criação de pacotes que integrem as várias regiões” e acrescenta que “aí, pelo seu posicionamento natural, as agências de viagens têm e terão certamente uma boa palavra a dizer”. Pedro Costa Ferreira esclarece que a promoção integrada permitirá aos mercados emissores perceberem melhor as suas oportunidades enquanto que uma promoção dispersa apenas criará confusão, dúvida e afastamento.

Eduardo Cabrita, diretor geral da MSC Cruzeiros

Eduardo Cabrita

“Portugal tem estado cada vez mais na boca do mundo e as nossas cidades têm ganho diversos prémios e acredito que esta tendência seja para continuar. No entanto cada vez mais existe a necessidade de serem tomadas medidas para fazer face ao aumento do turismo na cidade e esta é uma questão que deve ser gerida pelos destinos/ cidades, ou portos, no caso do setor dos cruzeiros. Cada destino é diferente e não há uma solução unanimemente aplicável a todos. No caso de Lisboa, a Câmara Municipal anunciou recentemente a realização de um estudo sobre o impacto do turismo na cidade de modo a validar os impactos, positivos e negativos, do turismo ao nível local. O objectivo desta iniciativa será de elaborar uma Carta do Turismo de Lisboa e introduzir um adequado conceito de Capacidade de Carga Turística de modo a que a cidade esteja cada vez mais preparada para os turistas e o desenvolvimento turístico.

No que respeita ao setor dos cruzeiros, creio que a construção do novo terminal de cruzeiros foi sem dúvida fundamental para o aumento da movimentação de passageiros. Obviamente trouxe muitas vantagens ao porto de Lisboa, e a Portugal como destino, que se torna assim cada vez mais atrativo para estar na rota de cada vez mais navios de cruzeiro, trazendo ainda mais turistas à capital e, consequentemente ao país.”

Andreia Cunha, Sales & Marketing Manager Portugal da Ryanair

Andreia Cunha

“Portugal é um dos mais relevantes destinos turísticos a nível europeu, tendo vindo a gozar de um grande desenvolvimento nos últimos anos, fruto de várias circunstâncias a nível internacional mas, sobretudo, pelo reconhecimento da grande qualidade da oferta turística do país.

Lisboa e Porto têm vindo a estabelecer-se como dois dos principais pólos turísticos a nível nacional, a par do Algarve, reconhecidos internacionalmente entre os melhores destinos de city break europeus. Ambas as cidades desfrutam de uma rica oferta a nível cultural, patrimonial, gastronómico e paisagístico, com os privilégios do clima português e o reconhecido acolhimento local.

As cidades são também local de entrada de regiões com grande potencial de desenvolvimento, sendo que há ainda lugar à descoberta internacional de locais como o Douro, as cidades do Norte (Braga, Vila Real ou Guimarães), localidades próximas de Lisboa como Mafra, a península de Setúbal ou a zona do Oeste, não falando da zona Centro e norte do Alentejo, também acessíveis internacionalmente através dos aeroportos de Lisboa e Porto. Todo este território ainda menos conhecido antevê um potencial de crescimento adicional a nível de chegadas turísticas sendo que, para a continuidade desta tendência positiva, é necessário desenvolver a conectividade aérea.”

Este artigo faz parte de um Trabalho Especial publicado na edição 319 da Ambitur.

Leia também: “Acessibilidade, Mobilidade e Ambiente: Os desafios e as oportunidades